Há uma banda sonora encetada pela natureza que acompanha o caminho até Alvoco da Serra. A ribeira, próximo à aldeia e com o mesmo nome desta, corre transbordante de água. Um jacto vigoroso que não se aconchega ao leito talhado em rocha granítica. A freguesia de Alvoco estende-se serra acima. Os limites territoriais da freguesia tocam o topo de Portugal. Fincam-se nos 1.993 metros, correspondentes à Torre, o ponto mais alto da Estrela e do território continental. A geografia acidentada que envolve a localidade obrigou desde cedo a muito engenho e arte para sobreviver. No terreno de forte inclinação, as populações construíram socalcos. Ganharam, assim, terrenos agrícolas e a possibilidade de praticar a pastorícia.

Modos de vida que hoje persistem nos poucos mais de 400 habitantes, não obstante todas as alterações que trouxe este século XXI. Não desfazendo a memória da comunidade e os antigos quotidianos foi criada em 1996 uma Casa-Museu que é monumento às gentes da aldeia. Uma moradia modesta e tradicional da aldeia, construída em granito, foi preservada para mostrar os costumes da terra, alguns deles transversais às gentes da Serra da Estrela. O museu tem portas abertas na rua de São Pedro (antiga rua Direita), perto da Sociedade Recreativa.

Alvoco da Serra Casa-museu recorda o quotidiano da vida na Serra
créditos: DR

As habitações comuns eram constituídas pelo piso térreo, primeiro e segundo andares. Toda uma lógica de estrutura habitacional transposta para a Casa-Museu.

No piso térreo deparamo-nos com a loja, destinada ao armazenamento de cereais, vinho, azeite e a lenha indispensável para o aquecimento da casa. A Casa-Museu de Alvoco da Serra expõe uma arca onde se guardava o milho e o centeio. A loja guarda também um  alqueire, instrumentos de madeira para lavrar a terra, sacos com milhos, candeias e muitos outros utensílios rurais. Já o primeiro piso correspondia à zona habitacional e o segundo – quando existia - era local destinado ao ofício, se a casa pertencia a um artífice, por exemplo um ferreiro.

Subindo ao primeiro andar mergulhamos na habitação típica. Divisões pequenas e escuras, decoradas com uma singeleza imposta pelo sentido utilitário do espaço. Não há excessos. Na cozinha arde um lume imaginário dentro da lareira funda e ampla. Um lume que, outrora, acolhia e aquecia a família. Um refugiu nas noites geladas de Inverno. Um canto onde se partilhava uma refeição com os produtos que a terra dava.

Na cozinha, uma mesa expõe utensílios singelos: pratos, copos, o acincho para o fabrico do queijo. Um manequim enverga o traje feminino, ou seja, uma saia comprida, uma camisa e lenço na cabeça.

Alvoco da Serra Casa-museu recorda o quotidiano da vida na Serra
créditos: DR

Continuamos visita, desta feita na sala. Numa cantareira assenta a louça e as vasilhas de diferentes tamanhos e usos. Bordos gastos denunciando muito uso. Há, ainda, uma máquina de costura, solene testemunho da modernidade que convive lado-a-lado com a uma dobadeira. Nas paredes cabem alguns quadros de cariz religioso. Pela divisão espalham-se inúmeros artefactos, estes revelando brincadeiras de crianças e atividades exclusivas da mulher como o tricot.

O quarto é a habitação mais pequena da casa. Uma vez mais somos recebidos por um manequim. Desta feita um homem, envergando o traje masculino, composto de calça, camisa, colete e chapéu. A figura encena junto ao lavatório de louça onde repousa uma toalha vetusta. A pequena cama tem uma coberta branca e por cima da cabeceira, uma vez mais, a alusão ao religioso através de uma pintura carregada de inocência. Próximo à cama, aninha-se um berço. Dentro deste, uma boneca.

As paredes da casa são de tabique ou madeira. Os alvocenses não procuravam luxo nas suas habitações. Para esta gente da serra mais importante do que uma grande casa, era a posse de terras, um garante de sustento. Um modo de vida que se traduz no ditado popular «Casa onde caibas, terra que não vejas». A vida era dura e passada maioritariamente no campo a trabalhar. A casa era um local onde se ia dormir. Uma lógica de vida que dispensava grandeza e luxo.

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