Ficamos a conhecer o projeto de Hélder Santos quando publicámos o seu relato de viagem naquele que é considerado o comboio mais perigoso do mundo, o Iron Train da Mauritânia. A partir daí, ficou lançada a semente para conhecer mais sobre este viajante português, natural de Penafiel, que, além das aventuras pelo mundo, também gosta muito de cinema e de mostrar os vídeos que faz das viagens aos avós. "Os meus avós nunca saíram da aldeia. Mostrar-lhes os meus vídeos é fazê-los viajar por um mundo que eles não sabiam que existia", conta Hélder, autor da página @onthewalktravel.

Como/quando começou o “bichinho” das viagens?

O bichinho das viagens começou aos meus 18 anos quando fiz a minha primeira viagem a Itália. Viajar nunca foi uma coisa que eu pensasse muito pois da minha família ninguém sai do país, nem quando vão de férias. Fiz a viagem com quatro amigos, desde aí, de viagem em viagem, o bichinho vai crescendo cada vez mais!

De que forma tenta inspirar os seus seguidores no Instagram?

Depois de fazer várias viagens, cada uma de forma diferente, descobri que as que gosto mais são para países que a sociedade vê como perigosos. Culturas que não são conhecidas ou então são incorretamente transmitidas pelos media como perigosas, por exemplo, a muçulmana. O gosto acaba por ir mais além do que apenas visitar ou conhecer essas culturas. Eu quero mostrar a realidade, mudar mentalidades e quebrar barreiras que foram impostas pela sociedade sem qualquer tipo de veracidade.

O objetivo de transmitir a viagem é para que os meus seguidores consigam ver a realidade da vida e cultura de certos países e, consequentemente, incentivá-los a visitar esses mesmos países.

Lembro-me de estar no centro de Bissau, na Guiné-Bissau, e ouvir o seguinte relato de um senhor que conheci na rua: “A maior parte dos jovens europeus hoje em dia tem medo de atravessar a fronteira, o tal comodismo, o Ocidente. Do outro lado da fronteira, é tudo guerra, tudo fome, tudo miséria e não vêm cá ver isto. Uma parte é isso que se diz, mas existe uma outra parte, sobretudo uma juventude que precisa de jovens como vocês para se poderem salvar dessa miséria".

Quero mostrar a realidade, mudar mentalidades e quebrar barreiras

Além de viajar, gosta muito de…

Uma das minhas maiores paixões é a arte do Cinema. Adoro o ciclo de idealizar uma ideia, escrever, gravar e editar. Sinto que é a minha forma de arte. Aplico essa minha paixão em todas as minhas viagens, desde a minha primeira que tudo fica gravado e publicado no Youtube, nem que seja para recordar daqui a uns anos tudo o que passei. E também não me esquecer das coisas, sou extremamente esquecido e, se não gravar ou escrever a viagem, acabo por me esquecer de imensos momentos marcantes).

Também gosto bastante de ler, foi aí que surgiu o meu gosto pelas viagens à boleia. Quando acabei de ler o livro “Daqui Ali - De Portugal a Singapura Por Terra”, do Pedro on the road.

Sou um rapaz da aldeia, tudo o que é simples e antigo me fascina. Sou um amante da calmaria da aldeia e tudo aquilo que ela nos pode ensinar. Cresci a ir para as montanhas e campos com os meus avós e é lá que encontro paz. Os meus avós nunca saíram da aldeia. Mostrar-lhes os meus vídeos é fazê-los viajar por um mundo que eles não sabiam que existia.

Viagens mais marcantes e porquê?

Todas as minhas viagens foram marcantes, cada uma à sua maneira. Em destaque, tenho a minha viajem à Jordânia, foi a primeira vez que andei à boleia, primeira vez que dormi em casas de desconhecidos e primeira vez que mergulhei a sério na cultura muçulmana. Sinto que esta viagem foi a que me deu o clique do “como é que nunca fiz isto antes”. A partir desta viagem, todas as outras foram assim!

Uma viagem que também me marcou muito foi quando fui do Senegal à Guiné-Bissau de carro, pela primeira vez, estava a entrar na realidade da vida naqueles países. Passei por povoações isoladas sem qualquer tipo de condições, fiz quilómetros e quilómetros de estradas por aldeias onde não tinham o mínimo necessário. Não havia eletricidade, água canalizada, mas aquele povo sabe viver assim, com eles aprendi a simplicidade da vida, aprendi a valorizar as pequenas coisas como almoçar num restaurante, ter um teto para dormir ou até mesmo um hospital. Mentiria se dissesse que sou o mesmo desde que voltei dessa viagem, porque não sou.

Destino que quer regressar e porquê?

Muita gente diz não gostar de repetir viagens ou países, como diz o ditado “não voltes onde já foste feliz”, bem, eu discordo completamente! Já fui a Marrocos três vezes, destino esse que me faz feliz e não me importo de voltar. Neste momento da minha vida, sinto mais necessidade de conhecer novos países, mas quero muito voltar ao México, é um país tão grande e sinto que não tive a oportunidade de ver nada. Quando lá fui, em 2023, somente fui aos locais mais turísticos (Holbox, Cozumel e Tulum), quero muito visitar o interior do México e a capital. Quero também explorar a selva Lacandon, a selva mexicana que poucos conhecem.

Maior peripécia, susto ou experiência marcante que já passou em viagem?

A minha experiência mais marcante em viagem até agora foi fazer o Iron Train, um comboio antigo com 2,2 km de comprimento que atravessa o deserto da Mauritânia até à costa. Para o apanhar tive de embarcar numa van típica durante 14 horas até uma aldeia no meio do deserto chamada Choum. É completamente proibido e ilegal fazer o comboio. Mal chegamos à aldeia, onde ele iria parar, fomos a correr para uma casa abandonada. Lá esperamos 6 horas. Connosco estava também um local que iria embarcar, visto que era a única forma de pessoas locais conseguirem ir à cidade buscar mantimentos.

O comboio parou à uma da manhã, fomos abaixados para a polícia não nos ver... era noite e não podíamos ter nenhuma luz ligada. Aconteceu tudo muito rápido, começamos a correr, escondemo-nos nos vagões de ferro, lanternas apontadas para nós, mas sem nos verem, estávamos camuflados pelo ferro dentro do vagão. A polícia deu duas pancadas no nosso vagão para ver se estava alguém, conseguimo-nos conter, até que o comboio começa a andar. Estávamos oficialmente no Iron Train da Mauritânia, o comboio mais perigoso do mundo. Assim ficamos 16 horas em cima dele, sem água nem comida. A noite foi gelada e o calor do dia arrasador. Conseguimos! Oficialmente, dos poucos portugueses a embarcarem neste comboio.

Dica ou conselho para quem quer fazer uma viagem à boleia.

Uma viagem à boleia é o melhor tipo de viagem que podes fazer, porque muitas vezes a viagem é feita das pessoas e à boleia tu tens mais oportunidades de apanhar pessoas que façam a viagem valer a pena. Muita gente me pergunta se eu acho perigoso andar à boleia, eu digo que tem os seus riscos, mas não será mais perigoso para a pessoa que está a deixar entrar um estranho no seu carro?

Se tivesse algumas dicas para andar à boleia, talvez seria para nunca apanhar boleias à noite nem boleias por impulso, é necessário fazer uma avaliação visual se é seguro ou não entrar no carro. Dou um exemplo de uma boleia que apanhei na Jordânia de um gajo que tinha uma arma no carro, esse tipo de boleias deve-se evitar (eu fui à mesma).

Viajar à boleia proporciona momentos memoráveis com pessoas incríveis, já fiz vários amigos pelas boleias.

De resto, não existe uma fórmula secreta para andar à boleia, todos os países têm a sua forma de pedir boleia e isso são coisas que se vão aprendendo com a experiência.

Lugar preferido em Portugal.

Além de viajar por outros países, tenho um amor enorme pelo meu próprio país, principalmente pelo interior transmontano. Se me perguntarem, de repente, o meu lugar preferido de Portugal, eu diria que é a Costa Vicentina para onde vou todos os anos no verão, mas, no fundo, o meu lugar preferido é Trás-os-Montes pois é uma combinação perfeita de pessoas incríveis, comida do melhor e paisagens montanhosas brutais. Sinto-me bem quando lá estou e cada aldeia tem um encanto único, cada pessoa tem uma história de vida lindíssima à sua maneira. Um tesouro que ainda não foi descoberto.