Estava já quase a aterrar em Deli, por volta das 5 da manhã, num voo em que estava a contar dormir mas não preguei olho, graças à criança irrequieta na minha frente, quando um cheiro estranho me assombra o nariz. Já tinha ouvido falar que Deli era uma cidade muito poluída, mas não estava à espera daquele cheiro a borracha queimada mesmo antes de tocar em solo indiano. O cheiro era muito mau e já me estava a causar desconforto nos pulmões: não acredito que vou ter de lidar com este cheiro horrendo o dia todo, para além do medo de estar sozinha na Índia - pensava eu. Felizmente, passadas umas horas ele desapareceu, mas o medo, esse perdurou várias horas até ao ponto de literalmente tremer de medo. Tremer não só de medo, como de ansiedade, de desconforto, de insegurança e de assimilar uma cultura tão diferente.

Passadas as burocracias do aeroporto, já tinha planeado chegar de metro à cidade para depois lá apanhar um comboio para Agra. Para meu espanto, a única pessoa que saiu do aeroporto para apanhar esse metro fui mesmo eu. Tive de atravessar aqueles corredores subterrâneos longos e sombrios todos completamente sozinha. Como dá para imaginar, comecei logo a pensar em todos os “e se” possíveis. Lá fui eu num metro onde só vi mais uma mulher e onde me sentei num dos bancos reservados especificamente para mulheres. Fui a viagem toda um bocado ansiosa… Quando saio, deparo-me com um cenário bem caótico. Aquele lixo todo no chão, a azáfama das pessoas e dos tuk-tuks que não param de apitar. Na Índia é assim, é impossível não ouvir apitos na rua. Dizem eles que mesmo estando a conduzir sós, os indianos apitam na mesma para não se sentirem sozinhos.

Depois de sair do metro, a minha missão era apanhar um comboio para Agra. Ora aqui está um problema de quem nunca esteve no país e não sabe como as coisas funcionam. Não é possível para turistas, ou pelo menos foi essa a ideia com que fiquei no momento, apanhar um comboio no próprio dia. Isto foi a ideia que a agência de viagens me vendeu ao dizer-me que o único comboio que eu podia apanhar para Agra era dali a 2 dias. Mas como vai um mochileiro parar a uma agência de viagens?

Esta foi a única solução encontrada para me ajudar naquele momento de pânico que foi tentar comprar um bilhete para Agra. A estação de comboios àquela hora é muito assustadora, pois está repleta de pessoas a dormir no chão e eu era a única transeunte a pé no meio deles. Tento comprar o tal bilhete mas não consigo. Não está ninguém nas bilheteiras que fale inglês. Felizmente, encontrei um senhor que falava inglês e me ajudou. Disse-me que não iria conseguir comprar o bilhete e que o melhor era dirigir-me a uma agência de viagens. Naquele momento ele estava a salvar-me a vida, mas hoje entendo que foi só uma maneira de me arrastar para a tal agência, já que andei num outro comboio em outra cidade com compra efetuada no próprio dia. Mas eu estava tão esfomeada, cansada, assustada que só queria que alguém me resolvesse o problema. Pode-se dizer que nas minhas primeiras horas na Índia eu estava sem cérebro.

Isso levou-me a pagar cerca de dez vezes mais por 3 bilhetes de comboio que eu sabia serem baratos. Mas naquela altura dei o orçamento todo que tinha para a Índia ao agente e estava disposta a dar mais se fosse preciso. Como se explica isto? Não podia mesmo estar a fazer uso do cérebro…

Rua de Deli
Rua de Deli créditos: While You Stay Home

Estas são as minhas primeiras horas na Índia e já estava a tremer, já tinha alterado o meu plano todo para a estadia no país, já tinha gasto o orçamento quase todo para a permanência nele e, pior ainda, ia ter de ficar sozinha na Índia, coisa que eu tinha resolvido com vários voluntariados programados antes de embarcar nesta aventura. Como o plano mudou todo, os voluntariados foram ao ar e apenas consegui fazer um. Esta ideia de ter de estar sozinha na Índia estava a apavorar-me e eu não me estava a ver naquele país durante duas semanas. Foram momentos muito maus e assustadores. Acabei também por perder um voo que tinha comprado de antemão para uma outra cidade onde também ia fazer trabalho voluntariado. Que mais podia estar a correr mal? Só hoje me deparo que realmente foram momentos complicados, na altura nem conseguia assimilar tudo o que estava a acontecer.

Portanto, como só tenho um comboio 2 dias depois, passo duas noites em Deli. Não tinha nenhuma reserva, o que me deixou apreensiva, mas fui para um hostel que já tinha visto antes para a minha estadia em Deli. As viagens de tuk-tuk não ajudavam nada. É um caos o trânsito e passar a 1 cm do tuk-tuk do lado é super normal. Por incrível que pareça não estava com medo que nada acontecesse pois vê-se a perícia daqueles condutores. A vista em redor é que não era muito apelativa… Por onde passei vi pessoas a tomar banho na rua, a defecar, enfim, toda a confusão ali gerada não era relaxante e eu estava mesmo a precisar de descansar e estava esfomeada. O senhor da agência até me ofereceu chai - chá típico indiano - mas fiz de conta que bebi pois ouvi coisas más da água lá e não quis arriscar.

Por fim, chego à rua do hostel que não era nada simpática e ele estava enfiado num beco repleto de fios elétricos. Não me queria aventurar naquela ruela à procura do hostel mas tive de o fazer já que o condutor do tuk-tuk insistia que era já ali, apesar de eu não estar a ver nada. Ando uns 200 metros beco adentro e não quero andar mais, não tem bom aspeto, viro costas e começo a entrar em pânico quando um senhor me pergunta: Hostel? Hostel? À medida que digo sim ele aponta para o bendito do sítio. Fico muito agradecida e feliz por finalmente encontrar um ponto de abrigo.

Não me posso queixar deste hostel. Para mim estava ótimo, apesar das fezes de cão no corredor. Era o céu na terra! Acabo por me deitar e dormir por umas horas pois estavam muitas emoções a acontecer no momento, precisava desligar. Quando acordo, estou esfomeada mas não quero sair dali. Ainda por cima, não estava mais ninguém no quarto portanto toda a vontade de não querer estar sozinha na Índia foi posta em causa. Não me estou a ver em Deli sozinha no meio daquele caos. Pondero até mesmo passar os meus dias enfiada num quarto de hostel, até me mentalizar que não o posso fazer. Não foi para isso que vim e tenho de dar uma oportunidade a Deli de me conquistar.

Parece que já passou uma eternidade mas são cerca de 2h da tarde. Vou almoçar num restaurante muito bom mesmo ali ao lado do hostel. Perfeito! É o Tadka. Foi o meu spot de refeições durante aquela estadia e eu adorei os pratos de lá. Aconselho! Enquanto almoço, analiso o mapa e decido o que vou visitar naquele dia para me alegrar a mente.

Forte Vermelho de Deli
Forte Vermelho de Deli créditos: While You Stay Home

Procuro um tuk-tuk que tenha a inscrição CNG, pois são do governo e são mais seguros, disseram fontes indianas. Estou para entrar num quando vem um senhor que estava a passar na rua tentar aldrabar-me e dizer que não podia ir a sítio x e y e a tentar enviar-me para uma agência. Fiz ouvidos moucos e pedi ao senhor do tuk-tuk que arrancasse. Fomos para o Forte Vermelho de Deli. É um complexo bem grande - ainda passei lá mais de uma hora a andar lentamente e apreciar cada detalhe da construção imponente. Não é dos sítios mais bonitos de sempre, mas vale a pena a visita. Foi lá que vi o primeiro esquilo indiano. Os esquilos estão em todo o lado na Índia.

Daqui decido que vou a pé até Jama Masjid, uma das grandes atrações da cidade. Sem GPS nem qualquer forma de saber lá chegar, isto não aconteceu. Não me consigo localizar com um mapa de papel na Índia, não sei distinguir o que são ruas e o que não o são. Para mim quase tudo tem aspeto de becos. É impossível identificar ruas pelos nomes. Depois aquelas ruas têm tanta informação para assimilar que não consigo me localizar.

Depois de visitar um templo dos pássaros muito brevemente, acabo por pedir ajuda a um senhor indiano que me leva ao sítio onde queria ir. Jama Masjid é um sítio muito movimentado, onde se paga para levar máquina fotográfica para dentro das suas muralhas e se tira os sapatos para poder entrar, tal como nas outras mesquitas e templos. Não tem muito para ver a nível de estrutura mas é um sítio bonito. Fico lá até fechar somente a apreciar e desfrutar da aprendizagem sobre a vida na Índia, enquanto os observo naquele complexo.

Jama Masjid
Jama Masjid créditos: While You Stay Home

Ao cair do sol abandono o local e volto para o hostel. O dia compensou. Gostei muito das coisas que vi e já estava motivada para estar na Índia. Estava preparada e todos os sentimentos maus já tinham passado.

A Índia não é um problema, o problema são as ideias más que levamos de cá e que me fizeram estar sempre a pensar demais nos “e se” da vida. Em momento algum me senti em perigo real, mas a minha cabeça cismava em tentar imaginar um momento desses. E esse sim é o problema. Ir livre de preconceitos é meio caminho andado para não se sentir desconfortável neste país. Eu adorei a Índia, gostei de muitas pessoas que conheci e gostava de lá voltar pois é um país único e fascinante de um modo que nenhum outro consegue igualar. E, se for mulher e tiver medo de ir, não se acanhe. Vi tantas viajantes sozinhas! Só posso falar com base na minha experiência, mas aconselho.

Por Paula Carvalho, autora do blogue While You Stay Home