Visto do espaço, São Tomé e Príncipe é um pequeno pontinho verde no meio do oceano imenso. Visto de baixo, este país africano é um dos mais espantosos lugares da Terra, daqueles onde o tempo pouco conta, tão impressionantes são as dezenas de baías e pequenas praias quase desertas, o verde esmagador da floresta equatorial ou a infinidade de frutas tropicais, ervas aromáticas e folhas com fama medicinal e gastronómica. E, claro, as pessoas! Daí que a vida corra leve-leve, como gostam de dizer os seus habitantes.

Numa terra que tudo dá, a cozinha faz-se de produtos locais, venham do mar ou da mata. Neves é o nome de uma pequena localidade piscatória na costa norte de São Tomé. Das águas profundas da sua costa, a mais de 1.200 metros, saem uns caranguejos grandes, aqui chamados de santolas. Na praia, as pirogas escavadas na madeira estão alinhadas para a pesca. Uns passos mais acima, está o restaurante Santola onde a D. Domingas prepara, como faz há mais de 25 anos, os saborosos caranguejos, pescados em grandes gaiolas. Os mariscos são cozidos e servidos com pão torrado e banana frita. O miolo das carapaças é misturado com cerveja, limão e maionese. Há santolas de 1,5kg, 1kg e 1/2kg, com preços que variam entre os 5 e os 8€.

Numa passagem pelos mercados locais é evidente a diversidade de peixes de todos os tamanhos: peixes-voadores, atuns, garoupas, corvinas, peixes-azeite, sardinhas, búzios, espadartes. Acompanhámos o chef Vítor Hugo, do Hotel Omali, numa manhã de compras - frutas, vegetais, ervas aromáticas, peixes. O ambiente do mercado de rua impressiona pelo ruído, a cor e a quantidade e diversidade de produtos. Vítor Hugo, decidiu-se por umas sardinhas pequenas e por um peixe-rei (também conhecido aqui por olho grosso) de vários quilos.

Água de côco
Água de côco créditos: Food and Travel Portugal

Já na cozinha da piscina do Omali, o chef mergulha as sardinhas numa marinada (sumo limão, sal e pimenta), passa-as por fuba (farinha de milho) e serve-as fritas com uma salada de tomate verde, cebola e carambola. O peixe-rei vai ter um destino diferente: cortado em filetes, é cozinhado em azeite com molho de manteiga de coentros e servido com vatapá. “O nosso objectivo é fazer pratos utilizando produtos locais próximo dos 100%, numa linha de comida de conforto”, explica.

Rodando para sul da ilha, chegamos a São João de Angolares e à roça com o mesmo nome, local onde o mais conhecido chef são-tomense montou o seu restaurante. A criatividade de João Carlos Silva leva-nos a uma viagem pelos sabores de São Tomé, interligados com outros que a memória do chef vai guardando das suas múltiplas viagens: “Uso 80% de produtos locais, mas gosto de trabalhar com uma percentagem de coisas vindas de fora. Nós roçamos o mundo aqui mesmo. Esse é o nosso lema”, explica-nos, “Planto na nossa horta, mas também procuro fora, compro e pago. O nosso restaurante é uma fonte de desenvolvimento local, contribui para a economia da região, é um rendimento para pescadores e agricultores a quem compramos produtos”.

Vamos agora até ao Príncipe. O voo dura cerca de 40 minutos e a chegada à pequena ilha é como entrar num documentário sobre a vida na terra: praias desertas de areia branca e florestas tropicais cheias de pássaros exuberantes. Subindo à Roça do Terreiro Velho, vamos encontrar Cláudio Corallo, 67 anos, um especialista na produção de café e cacau e, agora, na produção do seu próprio chocolate. Natural de Florença, com o curso de Agronomia Tropical, descobriu o Príncipe quando aqui veio fazer mergulho no final dos anos 90. “A minha especialidade era o café, mas aqui comecei a dedicar-me também ao cacau. Quis produzir cacau com a mesma qualidade excelente com que já produzia café”, explica Cláudio enquanto nos prepara meticulosamente um café numa enorme cafeteira, “Para ter sucesso, ou somos uma multinacional, com muitos meios, ou temos de ser os campeões da qualidade. E nós temos a melhor qualidade do mercado”. Da plantação de cacau à produção de chocolate foi um passo. “Hoje faço chocolate como um toscano faz bom vinho: usando os melhores frutos, trabalhados o menos possível”, conclui Cláudio. O seu chocolate é vendido on line e um pouco por todo o mundo: “Prefiro as lojas onde é o patrão que está por detrás do balcão e que sabe explicar a qualidade dos produtos”.

Marco do equador
créditos: Food and Travel Portugal

O Príncipe é uma preciosidade natural no Atlântico, reserva da Biosfera da Unesco e uma ilha onde vivem pouco mais de 7.500 pessoas. Num cenário assim, o turismo tem de respeitar regras de sustentabilidade e de integração com o espaço e as pessoas. Daí que os chefs dos resorts da ilha – Bom Bom, Sundy Roça e Sundy Praia, todos do grupo sul-africano HDB – tenham extremo rigor nos seus menus, procurando sempre a ligação ao que a terra e o mar dão. O italiano Ângelo Rosso, chef do mais exclusivo resort do Príncipe, o Sundy Praia, diz-nos: “Aqui, é preciso muita criatividade”. E a sua carta é um exemplo. A prova está em pratos como o ‘Peixe com molho de maracujá e coco, óleo de coco e banana pão’ ou a sobremesa ‘Despertar do Príncipe’, com coco, mamão, papaia, cacau, mel e sal, chocolate de aveia, gelado de arroz, iogurte e muesli da Roça Paciência.

Outro chef, o português Pedro Quintas, à frente da cozinha do resort Bom Bom, também joga na criatividade: “A maior surpresa que tive quando aqui cheguei foi o número de ervas frescas disponíveis. E já aprendi alguns segredos da cozinha local com pessoas de cá, como a fazer chips de matabala, por exemplo”.  A sua mousse de jaca e o gelado de jaca, duas sobremesas, são feitas 100% com produtos do Príncipe.

Uma viagem a São Tomé e Príncipe não fica completa sem passarmos do hemisfério norte para o sul, um exercício só possível no Ilhéu das Rolas, atravessado pela linha do Equador. Carlitos, 29 anos, será o nosso guia nesta última etapa. Ele é também pescador e condutor do barco que nos leva da praia de Inhame, na ponta sul de São Tomé, até ao ilhéu, cruzando um canal onde é fácil ver golfinhos e enormes baleias entre Junho e Outubro. É preciso subir pela mata verde, antes de chegarmos ao miradouro com um planisfério desenhado no chão e o marco que assinala os estudos que Gago Coutinho desenvolveu em São Tomé no início do séc XX.

Com um pé em cada hemisfério, o azul do mar em frente, a brisa doce e quente e o verde por todo o lado, é difícil imaginar melhor lugar no mundo!

A equipa de reportagem da Food and Travel viajou para São Tomé e Príncipe por cortesia da TAP Air Portugal.

Artigo originalmente publicado na revista Food and Travel Portugal