Rabat oferece vários dos melhores aspetos das cidades mais conhecidas de Marrocos: o surf de Essaouira, o cosmopolitismo de Casablanca, a energia de Marraquexe e a gastronomia de Fez. A Medina tem as mesmas características dos outros mercados espalhados pelo país - mendigos, vendedores ambulantes e o caos habitual – mas funciona de uma forma mais organizada do que acontece noutros destinos mais frequentados pelos turistas.
Caminhando por uma ruela, encontramos uma barraca que expõe cabeças de borrego fumegantes, de bocas desleixadamente abertas, ainda com alguns dentes e a carne em pedaços deixando à mostra parte do crânio. A sua carne cozida é polvilhada com cominhos, sal e pimenta e depois colocada dentro de meias-luas de khobzchair, um pão alto de origem judaico-marroquina cuidadosamente coberto de sementes de sésamo.
Mais à frente há uma carroça que serve de suporte a um tanque de grandes dimensões cheio de um líquido castanho sujo e de conchas em espiral: são escargot (caracóis) aromatizados com anis, raiz de alcaçuz e cominhos. Uma vez colocados numa tigela, com a ajuda de uma concha, forma-se uma fila de homens e mulheres que arrancam os gastrópodes das suas conchas com palitos de madeira. Uma mulher jovem mergulha espigas de milho, de um amarelo reluzente, em água salgada antes de as entregar aos clientes que passam.
Nos outros souks (bazares) de Marraquexe, em Fez e Tânger, é fácil sentirmo-nos rodeados pela constante atenção de candidatos a guias turísticos, mas na movimentada Medina de Rabat, os turistas são deixados por sua conta. Às vezes até parece que são eles que perturbam as rotinas locais e não o contrário. Num país que sempre teve um negócio turístico robusto, Rabat é mais frequentado por diplomatas do que por turistas de olhos arregalados.
Percorrendo a Avenida Mohammed V para Sul, observamos as três personalidades arquitectónicas que definem a cidade - a antiga, a francesa e a contemporânea. O melhor é começar por um passeio rápido à volta do Kasbah dos Udaias. Originalmente construído no século X como um ribat (forte) para proteger os Almorávidas, não demorou muito tempo até falhar no seu propósito e ser demolido. Mais tarde, voltou a ser reconstruído pelos Almóadas. As suas muralhas cor de mel sobressaem pela foz do Rio Bu Regregue. Aí, nas águas mais escuras do Atlântico, que banham a Praia de Rabat, surfistas e praticantes de bodyboard vão-se fazendo às ondas.
Enquanto continuamos a caminhar para sul, a energia e a desordem da Medina dão lugar a uma vasta avenida delimitada por duas filas de tamareiras. A villenouvelle (nova cidade) exibe uma influência do melhor da arquitetura gaulesa, do período em que Marrocos foi um protetor do francês, a partir de 2012, e fez de Rabat a capital.
Durante a tarde, as arcadas da Avenida Mohammed V estão repletas de gente. O Hotel Balima, agora fechado, situado em frente ao edifício do parlamento, evoca o requinte desgastado dos Anos 20. A Gare de Rabat Ville (estação de comboios) foi construída nos Anos 30. A sua arquitetura é uma mistura lúdica de artdeco e futurismo com detalhes mouriscos. Mais a sul, localiza-se o bairro de Agdal, um distrito comercial próspero e moderno, e depois Souissi, zona recheada de hotéis de luxo, villas e embaixadas.
É sexta-feira à tarde. Depois do jumu’ah, o tempo de oração logo após o meio-dia, os administradores públicos regressam a casa para desfrutar de uma refeição de couscous, um verdadeiro cerimonial familiar. No restaurante La Maison Arabe, em La Tour Hassan, o nosso anfitrião, Hayat Guedayia, diz que tradicionalmente, o carisma de um patriarca é medido pelo rigor com que consegue repartir as refeições de forma igual por todos.
É habitual neste dia comer kseksoubidawi, couscous com borrego e sete vegetais, sendo o número sete considerado próspero. O borrego é colocado debaixo de uma pirâmide de cenoura, couve, abóbora, tomate, nabo, courgette e tutano, e posteriormente coroado com passas e grão-de-bico.
Caminhando depois dez minutos para leste vamos encontrar a Torre Hassin, o minarete da uma mesquita construída em 1195 pelo Sultão Almóada Yaqub al-Mansur. Feita de arenito ocre, ergue-se a 43 metros de altura em forte contraste com a brancura da praça e as filas de pilares em ruínas à sua volta. O Mausoléu de Mohammed V está na ponta oposta da praça, onde o pai e o avô do atual rei de Marrocos foram sepultados. Um olhar ao interior revela a forma como a realeza é venerada em Rabat - o edifício é muito opulento mas permanece notavelmente tranquilo. Um imã (líder espiritual) repousa num tapete de pele de ovelha a ler passagens d’O Corão, rodeado pelos mosaicos de padrão complexo, esculpidos no estuque das paredes, usando a técnica deyeseria.
O local mais fascinante em toda a cidade de Rabat é, indiscutivelmente, Chellah, localizado em frente do Palácio Real. A sua história é rica e visitá-lo é uma experiência fantástica. Originalmente construído pelos Fenícios, foi depois conquistado pelos Romanos em 40 a.C. e transformado numa cidade - os seus pilares, ruas e paredes ainda existem. No século XIV, o Sultão Abu I-Hasan, da Dinastia Merínida, converteu Chellah numa necrópole. Enquanto nos deslocamos energicamente ao longo das ruínas e dos jardins botânicos, ouço um barulho estranho vindo de cima. Pergunto ao meu guia, Hamid Ouriti, de onde vem o som. ‘Laqlaq’, responde-me, a palavra árabe onomatopaica que significa cegonha. Há um enorme bando delas! Fizeram deste lugar a sua casa, indo pescar no Rio Bu Regregue, nidificando no topo das pedras e batendo implacavelmente os seus longos bicos.
Daqui, a viagem é curta até Mohammedia, conduzindo ao longo da costa desenvolvida de Temara até aos matagais rasteiros, interrompidos apenas pelos campos dourados de trigo e de milho. Vale a pena fazer a viagem até aqui para assistir à primeira pescaria da manhã no Le Restaurant du Port, que é gerido pela mesma família há 30 anos. Os convidados jantam debaixo de uma pérgula à sombra da folhagem abundante de uma buganvília. Um carrinho desloca-se transportando salmonetes, douradas, solhas e rodovalhos, além de várias lagostas que tentam escapar-se.
Independentemente da face em que aterrar a moeda, é evidente que Rabat é uma cidade com muito para oferecer. Vaguear pelos mercados e cidades de Marrocos é uma prática que tem sido romanceada há centenas de anos mas é difícil usufruir de uma experiência igual às relatadas por Edith Wharton ou Paul Bowles quando há turistas de toda a Europa a aterrar aqui, 20 vezes por dia. Rabat, na sua maior parte, permanece imaculada. E não conseguimos fugir da sensação de que há uma mão invisível que a mantém assim.
Artigo originalmente publicado na revista FoodandTravel Portugal
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