Embarco naquele que será o primeiro de quatro voos com destino à Polinésia Francesa, mas os tempos não estão fáceis para os viajantes. Os EUA exigem agora teste PCR com menos de 24h, e com duas escalas pelo caminho o desafio sobe de nível. Por muitas vezes cancelada, esta viagem nasceu de uma verdadeira “oportunidade pandémica”, ficando por pouco mais de 800 euros - a melhor limonada que qualquer viajante poderia extrair de tão amargos limões, e que ainda poderia ter ficado 150 euros mais barata caso não tivesse hesitado umas semanas na compra dos bilhetes.

Estômago cheio das delícias de natal, o corpo a pedir aquele “detox” que todos conhecemos, chego a Madrid ainda em pleno início de noite do dia 25 de dezembro. De directa para o hotel, o entusiasmo é grande e as horas de sono são poucas, com o despertador a tocar pouco depois.

Segue-se a escala de Munique, com quatro horas bem aproveitadas no aeroporto. Há muito que viajar não é sinónimo de estar de férias, e rapidamente me agarro ao computador a tentar fazer tanto que ficou pendente, apesar do outro tanto que ficou despachado.

Pelos altifalantes ecoa a menção do voo da Lufthansa com destino a São Francisco. Documentos aceites, serão agora perto de 12 horas de viagem, quase tantas como desde que saí de Lisboa. Até ao momento, foi o chamado “ir dar a volta ao Porto para chegar ao Algarve”, mas tamanhos cancelamentos não deixaram alternativa a não ser o de uma enorme manta de retalhos aérea. As minhas preces foram ouvidas e o voo "a meio gás", com talvez 70% da capacidade, permite uma mudança rápida de lugares e um conforto superior ao esperado para quem viaja em económica.

Polinésia Francesa: Dois dias e quatro voos até ao fim do mundo
Polinésia Francesa: Dois dias e quatro voos até ao fim do mundo créditos: Andreia Castro

As horas passam rápido e chega a altura da mais hercúlea das tarefas, a prova de fogo da entrada nos Estados Unidos, a demanda inquisitorial por parte da equipe de segurança aeroportuária. Uma primeira ronda de perguntas fácil e prontamente respondidas faz-me acreditar que o processo desta vez será célere, mas não podia estar mais enganada: seguir-se-á uma outra, mais lenta, mais exaustiva, mais exigente.

Primeiro o meu namorado, depois comigo, as perguntas repetem-se à procura de falhas que não têm por onde existir. "O que vem fazer aos Estados Unidos?", "Para onde vão?", "De onde vêm?" "Porque é que foram ao país A e B e C?", "E no Peru, por onde andaram?"... Viajar regularmente parece um conceito estranho perante o olhar desconfiado, como se não vivêssemos no melhor período da história da humanidade para tal. Olho-o incrédula mas ao mesmo tempo divertida, enquanto aprecio a diferença nos percursos de vida e até o choque de realidades que estou a provocar.

E se antes o sobrolho se debruçou sobre o Irão, Iraque ou Sudão, no meu os três carimbos do Líbano foram os mais suspeitos (deste) passaporte, obrigando-me a explicar a sucessão de acontecimentos vivida em 2020 perante a explosão ocorrida no porto de Beirute.

"O que faz?", "Como?", "Onde?", "Desde quando?", "Se viaja tanto como é que consegue trabalhar?". Os olhos pousam na página do visto, dando inicio a toda uma nova ronda de perguntas: "Porque é que tem um visto de tripulante?". Conto que trabalhei num cruzeiro em dada altura da minha vida, uma experiência ilustrada por fotografias das redes sociais que fui buscar apressadamente para reforçar as minhas palavras. O inquérito segue agora na perspectiva do casal, e depois do "onde, quando e desde quando se conhecem", termina com um esgar engraçado enquanto murmura "you two are a funny couple". E pelo menos nesta perspectiva seremos sem dúvida, ou não tivesse sido a paixão pelas viagens algo que nos aproximou logo de início.

Ultrapassada a última das barreiras, é tempo de embarcar no último voo, desta vez com a companhia Freench Bee. Serão mais 9 horas com destino a Papeete, Tahiti, que nos recebe com uns calorosos 28 graus, cânticos tradicionais, o som do ukelele e lágrimas de alegria e cansaço no canto do olho.

Polinésia Francesa: Dois dias e quatro voos até ao fim do mundo
Polinésia Francesa: Dois dias e quatro voos até ao fim do mundo créditos: Andreia Castro

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