O autocarro partia às 21h30 do terminal e, apesar de ter saído do hotel com 2 horas de antecedência para garantir que chegava ao terminal com tempo, o trânsito intenso da cidade fez com que os últimos minutos no táxi fossem acompanhados de uma camadinha substancial de nervos. A sorte fez com que o meu taxista fosse um pseudo-piloto de fórmula 1, que com uma agilidade surreal ao volante, inventava 2 e por vezes 3 faixas numa estrada com apenas uma. Acho que só voltei a respirar novamente quando cheguei ao autocarro.

A viagem durou cerca de 7 horas e, desta vez, sem percalços pelo meio. Acordo com os primeiros raios de sol da manhã a baterem-me na cara, ainda dentro do autocarro. Somos deixados a poucos quilómetros de Nyaung Shwe, a vila junto ao Lago Inle. De imediato, todos os turistas que saem do autocarro são rodeados por dezenas de taxistas que, logo às 5 da manhã, aguardavam naquele local os seus primeiros passageiros do dia. Após alguma negociação lá me meto dentro de um táxi e chego ao hotel passados cerca de 20 minutos.

Pouso a mochila e a mala, descanso até à hora de almoço, e saio num passeio de reconhecimento da vila, preparada já para libertar litros e litros de suor debaixo do calor infernal que se fazia sentir lá fora. Na rua não se via praticamente ninguém, já que não há ninguém suficientemente louco para se aventurar em passeios em que nos sentimos como um pedaço de carne a assar no forno!

Lá encontro um multibanco para me abastecer de kyats que entretanto já escasseavam, um restaurante simpático onde matar a fome, e pelo caminho de volta, após o “assédio” de vários capitães de barcos que, à vez, iam tentando vender os seus passeios pelo lago, lá negoceio uma volta de barco para o dia seguinte com saída antes do nascer do sol. O encontro é marcado para as 05h30 junto aos barcos. E a essa hora lá estava eu. Entro no barco, tapo-me com os vários panos que tinha dentro da mochila para fugir ao fresquinho (era frio mesmo. Frio. Nada de “fresquinho”…) da manhã, e seguimos rumo ao meio do lago. Pelo caminho vejo os primeiros barcos da manhã a prepararem-se para transportarem mais turistas durante o dia, a população local a iniciar a sua rotina diária quer na pesca, quer nos campos junto ao lago.

Passados 15 minutos chegamos ao meio do lago. O nosso capitão posiciona o barco para que possamos assistir ao nascer do sol na primeira fila. Ao fundo veem-se 2 barcos com pescadores que transportam as famosas redes em forma de cone. Aproximam-se de nós, remando com um pé apoiado no remo. De repente começam a fazer aquelas famosas poses que se veem em milhares de fotografias tiradas no Inle Lake, e que tornaram esta zona de Myanmar tão famosa. Eles não estavam a pescar, estavam ali à espera dos primeiros turistas do dia para que estes pudessem tirar as tão desejadas e famosas fotos de Inle Lake. Confesso que fiquei desiludida. Esperava encontrar verdadeiros pescadores no meio da sua rotina diária, e o que encontrei foi uma cena planeada para turista ver que incluía a esperada gorjeta dada no final da “sessão fotográfica”. Não os censuro e não me posso queixar. É uma forma de ganharem algum dinheiro extra e na realidade eu saí de lá com fotos fantásticas.

O passeio de barco continua pelo lago. O destino seguinte é um mercado local junto às suas margens. Saio do barco e dirijo-me para o aglomerado de pessoas, tendas e bancas a poucos metros de distância. Durante pelo menos 30 minutos não vejo qualquer outro turista à volta, apenas a população local a comprar legumes, ervas, fruta, carne… As bancas ainda estão a ser montadas e eu vejo-me como uma espectadora atenta do dia a dia destas pessoas, num momento que para mim foi um dos mais especiais durante toda a viagem. Recebo olhares curiosos mas que rapidamente se voltam para os seus afazeres no mercado. Passado pouco tempo volto para o barco para continuarmos a nossa viagem.

Estes passeios têm normalmente um roteiro pré-definido, pelo que se seguia uma visita a uma casa onde era produzida seda e a outra onde era produzido tabaco. Ainda visitei a casa da seda mas passei a casa do tabaco. Custa-me visitar estes locais e depois sair de lá sem comprar nada, sinto-me “obrigada” a comprar algo, como se fosse esperado que o fizesse, e quando não compro sinto-me mal com isso. Eu sei que é um disparate, mas é assim que me sinto, por isso preferi nem sequer ir.

Seguimos para um mosteiro junto ao lago. Lá dentro, um monge faz uma oração e cerca de uma dúzia de pessoas está sentada num tapete largo à sua frente a ouvi-lo. As pessoas levantam-se e fica um gato deitado preguiçosamente no meio do tapete, a aproveitar os raios de sol que entravam por uma frincha no tecto. Dou mais uma volta ao mosteiro e regresso ao barco que me leva de volta a Nyaung Shwe.

Almoço no mesmo restaurante do dia anterior e informo-me sobre os preços de aluguer de bicicletas junto de algumas lojas ao longo da rua até ao hotel. No final do dia, após alguma negociação com um condutor de uma carrinha/táxi, sigo para uma vinha no topo da colina para ver o pôr-do-sol enquanto provo alguns vinhos lá produzidos e trinco uns queijinhos. Confesso que este era um cenário que eu não esperava numa viagem por Myanmar!

No dia seguinte, de manhã, alugo uma bicicleta junto de uma das lojas consultadas no dia anterior e parto numa volta até ao outro lado do lago. Saio cedo mas o calor já se faz sentir. Pelo caminho aventuro-me por algumas pequenas aldeias nas margens do lago; praticamente despejo uma garrafa de água pela cabeça abaixo, após uma subida íngreme numa estrada sem um bocadinho de sombra à vista, e visito as piscinas de água aquecida pelas crateras naturais de ar quente.

O regresso a Nyaung Shwe é feito de barco através do Lago Inle. Ao entrar numa das aldeias em busca de um barco para ir para o outro lado, sou abordada por um homem que vem a correr perguntar se são preciso dos seus préstimos. Pelos vistos tem um barco uns metros mais à frente que nos pode levar até Nyaung Shwe, por um preço interessante. A viagem foi um daqueles momentos inesquecíveis, como tantos outros aqui em Inle Lake. Passar por caminhos desenhados entre arbustos junto às margens do lago, sentir as pingas da água a baterem-me na pele aquecida pelo sol e aproveitar aquele momento certa de que tão cedo não sentiria algo igual.

Do outro lado, ao descer a estrada, um placar que anunciava um hotel junto ao lago capta a minha atenção. Avanço pela estrada que dava acesso ao hotel e vou dar a um longo passadiço em cima de estacas de madeira, que cobre a margem do lago. Percorro-o de bicicleta até um certo ponto e faço o resto do caminho a pé. O que encontro é um local fabuloso com bungalows de madeira de um lado e do outro, um SPA, e ao fundo, o edifício principal onde se encontra a recepção. Totalmente fora do meu budget, claro… Ao chegar à recepção sou brindada com um copo de sumo e uns bolos típicos deliciosos. Só porque sim. Falo um pouco com a responsável pelo hotel, digo-lhe que tenho um blog de viagens e ela acaba por me convidar a ficar mais um pouco para ver o por-do-sol. E valeu a pena. O sol a por-se do outro lado do lago, as cores quentes no céu e eu a aproveitar cada minutinho.

Deixei-me ficar mais tempo do que era suposto e quando saí do hotel o sol já se tinha posto há uns minutos e a luz começava a desaparecer. Até Nyaung Shwe ainda tinha uma estrada sem luz para fazer de bicicleta. Pedalo durante 30 minutos sem parar, tão rápido quanto as minhas pernas deixam, para ver se aproveito ainda um restinho de claridade. A meio, a noite cai de vez. Tenho sempre comigo uma lanterna: ligo-a e prendo-a à mochila nas minhas costas. A iluminar o caminho à frente, a lanterna do telemóvel. Vai ter de ser suficiente! E foi. Lá cheguei ao hotel, quase morta de cansaço mas com a memória de um dos dias mais especiais desta viagem.

No dia seguinte apanho um táxi partilhado, rumo ao autocarro que me levaria para Yangon, onde conheço uma viajante oriunda da Namíbia. Alguns (muitos) dedos de conversa depois e ela mete-me o bichinho na cabeça: a Namíbia passa a fazer parte da minha wishlist de viagens!

O autocarro leva-me até Yangon, a última paragem em Myanmar antes de seguir para o Vietname. Mas essa é uma história para a próxima crónica!

Até já!