Chego a Bago de comboio numa viagem que tinha durado 10 horas e o meu dia tinha sido passado  nele, mas a viagem não foi maçadora. O sorriso estava sempre lá. Não o conseguia evitar sempre que o comboio balançava tanto que parecia que íamos descarrilar. As coisas guardadas no compartimento das malas acima da cabeça começavam a tombar, tal era a oscilação. As pessoas não conseguem andar nos corredores devidamente, os ratos andam à volta da minha saca com comida, e tudo isto tem imensa piada para mim. Que mundo é este? Adoro-o.

Em Bago, decido ficar num hotel mesmo ao pé da estação de comboio, mesmo que fique longe das maiores atrações. Já estava escuro quando cheguei e fiz a minha breve caminhada até ao hotel. O caminho foi curto, mas isso não impediu que fosse abordada na rua por um senhor já de idade a tentar convencer-me a passar o dia de amanhã com ele, sendo ele o meu guia. Ele foi bastante insistente! Tanto que entrou comigo no hotel, me levou as malas até ao quarto e se despediu, dizendo qualquer coisa como “amanhã às 8h”. Para o despachar disse que sim. Nessa mesma noite fico sem luz, poucas horas após a minha chegada. Começo a rogar pragas ao hotel, e tentar perceber o que se passa, quando olho pela janela e vejo que lá fora está uma escuridão total. Pelos vistos não é problema do meu hotel que parece vazio, mas sim de toda a cidade de Bago que está sem luz. Pensei que seria grande coincidência acontecer logo quando lá estou, portanto conclui que tal falta de energia deve ser coisa recorrente. Foi um bom motivo para me deitar mais cedo.

Para o dia seguinte tinha pensado em alugar uma bicicleta, e queria dormir mais um pouco. Qual é o meu espanto quando às 8h da manhã alguém me bate à porta do quarto. Incrédula, imagino que seja o senhor com quem falei na noite passada. Não acredito que ele me está a bater à porta! Como é que os donos do hotel deixam assim uma pessoa entrar e bater-me na porta?! Interrogava-me. Ignorei na esperança que ele se fosse embora. Mas fico ainda mais estupefacta quando ele me bate à porta às 8.30h, às 9h, às 9.30h, até que me convenço de que não me vou ver livre dele. Rogo-lhe pragas ainda na cama enquanto penso que não vou poder fazer nada do que pensei porque não me vou conseguir livrar deste homem. Estava com raiva dele. Quando às 10h torna a bater à porta, já tem resposta do meu lado. Digo-lhe para esperar. Estava furiosa quando abri a porta e soube que ia passar o meu dia com ele, ou parte dele, até me conseguir escapar. Mas, o senhor tem um ar tão simpático, tão afável e compreensivo, tão relaxado que não consigo estar irritada com ele. Ao menos, o sorriso desdentado dele dá-me confiança e uma chance de não praguejar no meu pensamento.

Leva-me até à sua mota e lá vamos nós. Sei que estou por conta dele e não faço ideia para onde vamos e que coisas vamos ver neste dia. Sei que ele me transmite confiança e segurança, não sei bem porquê. Sinto que é boa pessoa.

Leva-me a vários templos e tenta explicar-me, com o seu inglês quase indecifrável, a história dos locais e a sua importância. Vou juntando umas palavras que vai dizendo e lá formulo umas ideias do que me parece que está a tentar dizer. Leva os meus sapatos na mão sempre que visitamos um templo. Este senhor é tão prestável e cuidadoso que quase me sinto mal de ele querer fazer as coisas por mim.

Estamos neste templo que há uma árvore cheia de flores lindas e perfumadas. Já as tinha visto antes, mas ele deu-lhe outro significado para mim. Chamou-lhes “star flower” ou flor estrela e a partir daí foi por esse nome que as reconheci. Apanhou algumas em bom estado do chão e começou a decorar-me o cabelo com elas. Foi hilariante! Que raio está ele a fazer, pensei eu? “Muito bonita”, diz ele, e não consigo deixar de esboçar um sorriso durante todo o processo. Lá andei eu com as flores no cabelo para felicidade dele. A partir deste dia não consigo olhar para esta flores sem me lembrar deste senhor.

A meio da manhã, quando me deixa noutro local onde se encontra a maior estátua de Buda deitado que já tinha visto, e o primeiro Buda de olhos azuis que vi, pede-me 500 kyats que são alguns cêntimos. Diz que vai arranjar a mota e para depois o encontrar naquele mesmo local. Já tinha ganho confiança nele, mas este ato deixou-me um bocado surpresa. Então agora eu é que tenho de lhe pagar os arranjos da mota e ele vai-se embora? Sei que vai voltar porque não tinha pago o seu serviço como guia, mas ainda assim achei estranho. Eu podia também simplesmente desaparecer, mas ele sabia que não o iria fazer.

Assim que vi tudo o que queria, lá estava ele no mesmo sítio à minha espera. Recebe-me sempre com o maior sorriso e começo a gostar dele e a apreciar a sua companhia. Vamos almoçar num local escolhido por ele. Peço-lhe por favor para ser um local limpo na esperança que ele entenda o que quero dizer. Correu tudo bem e o almoço foi agradável.

Levou-me a conhecer bastantes templos. Ele ficava sempre à minha espera enquanto eu tomava o tempo que quisesse em cada sítio. Levou-me a um templo onde estava a acontecer uma dança qualquer e fiquei para ver. Tenho a certeza que estas pessoas não vêm muitos estrangeiros por estas bandas, mas não é por isso que me olham fixamente ou me deixam desconfortável parecendo que não pertenço aquele sítio. Gosto disso nos birmaneses.

Foi então, durante a cerimónia, que alguém começa a dançar como se estivesse possuído, cai no chão e só vejo sangue. Não faço ideia do que se está a passar e fico um bocado em pânico. Vou-me embora, pois acho que já está na hora de abandonar o local. Quero perguntar ao meu guia o que raio se passou, mas infelizmente com o seu inglês demasiado básico fico sem perceber nada. Fiquei com pena porque foi, sem dúvida, um momento bizarro para o qual nunca saberei qual a explicação.

Em um dos templos que visitamos pede-me para sentar e começa a fazer-me uma massagem nas costas. Fiquei tão estupefacta que lá o deixei continuar com a massagem que por acaso não era nada agradável, até que achei que já chegava. Fiquei com muitas dúvidas: será que me vai pedir dinheiro por esta massagem, porque é que o está a fazer, porque é que ele é simpático demais e está sempre tão atencioso?

Já mais para o final do dia, leva-me a um templo e começa a falar de uma cobra, e que as pessoas lhe davam galinhas para a alimentar, e que vive ali. Pensei mais uma vez que não estava a entender nada do que me estava a tentar dizer, quando me cai tudo quando entramos numa gaiola grande onde vejo uma anaconda gigantesca a dormir coberta com dinheiro. Oh, meu Deus, o que é isto! Fiquei estupefacta. Estava a perceber muito bem o que ele me estava a tentar dizer, só não queria era acreditar. Na gaiola existe uma piscina para a anaconda se banhar, fotos de vários monges com ela no pescoço e muitos cobertores que fazem a cama dela. Parece que não sou a única assustada com aquilo tudo, já que os birmaneses também se riam muito e mal se chegavam perto a não ser para lhe colocar uma notinha em cima. Não cheguei muito perto, pois imaginar aquele bicho a acordar e a olhar para mim ia ser aterrorizante. Não estava nada confiante em estar naquele local.

Já acabar o dia levou-me a um outro templo para ver o pôr do sol e acabamos o dia os dois a beber uma cerveja e a comer uns snacks numa tasca birmanesa a assistir a um jogo de futebol. Tive a certeza que não poderia ter passado um dia melhor do que este. Adorei conhecer Bago com este senhor tão simpático e tenho a certeza que foi ele que me fez gostar muito mais de Bago do que poderia pensar.

No final do dia, senti que foi a melhor coisa que me poderia ter acontecido naquela cidade e até me senti mal por lhe rogar pragas no início. Nunca me vou esquecer deste senhor e como ele me acolheu tão bem, e do seu sorriso que era o mais genuíno do mundo. O que mais me tocou neste senhor é que ele fez sempre tudo sem nenhuma segunda intenção e com a maior das alegrias, e a cada ação estranha da parte dele eu o punha em causa. Talvez não estivesse habituada a pessoas tão genuinamente simpáticas. Tirei muitas lições e conclusões deste dia. Este senhor ensinou-me imensas coisas e não faz ideia. Gostava de um dia voltar a esta estação de comboio e encontrá-lo.

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