“O ‘pano de terra’ não era feito por mulheres, mas sim apenas por homens”, começa por explicar à Lusa Neusa Pires, 35 anos, responsável pelo Centro de Artes e Ofícios de Trás-os-Montes, concelho de Tarrafal, agora casa de uma das imagens de marca de Cabo Verde.
Foi ali que três mulheres da aldeia aprenderam a técnica da confeção artesanal do “pano de terra”, mais conhecido pelo crioulo “panu di terra”, no seu típico preto e branco, em algodão, mantendo a atividade e perpetuando uma técnica que praticamente tinha desaparecido naquela zona, onde era feito há centenas de anos.
“O centro já tinha sido construído, mas foi reconstruído em 2009. As mulheres trabalhavam em suas casas, não tinham um espaço próprio para fazerem o seu trabalho, mas depois este espaço foi reconstruído, tornando-se num espaço artístico”, diz Neusa Pires, que gere o espaço, municipal, há cinco anos.
O “panu di terra” tradicional é feito apenas em algodão e com as cores branca e preta, com padrões e motivos diversos, confecionados em teares improvisados, totalmente artesanais, introduzidos em Cabo Verde pelos escravos capturados da costa da Guiné.
Nos séculos 16 e 17 chegou a ser usado como moeda de troca no comércio da costa africana ou no pagamento de multas a condenados pelos tribunais, tal era a importância que assumia.
Em Trás-os-Montes, uma pequena aldeia nos arredores do Tarrafal e um dos berços do “panu di terra”, há cerca de 15 anos era uma arte que praticamente tinha desaparecido.
“Era algo muito tradicional, mas já estava quase morta. Depois as mulheres receberam formação e continuaram a fazer pano de terra. As pessoas mais adultas já tinham abandonado a arte, mas agora há mais mulheres a fazer e é algo mesmo tradicional, as pessoas gostam muito dos diferentes padrões”, explica Neusa Pires.
O “pano de terra” resulta numa faixa longa e estreita, que chega aos 180 centímetros de comprimento por 17 de largura, usado ao longo da história em momentos importantes e que hoje, enquanto verdadeira imagem de marca de Cabo Verde, é procurado pelos turistas, nos diferentes padrões.
Jandira Tavares, 32 anos, natural de Trás-os-Montes, é uma das mulheres que desde 2009, todos os dias, trabalha no tear daquele centro.
“Hoje é o meu principal trabalho. Há um pano mais simples, o pano de obra, que demoro quatro horas a fazer, mas há um mais complicado, com padrões, que demoro dois dias”, explicou, recordando que alguns ainda servem atualmente para as mulheres segurarem as crianças às costas, ou simplesmente para usar na cintura ou como cachecol.
Os preços de cada pano variam entre os 1.200 e os 2.000 escudos (11 e 18 euros), mas o negócio, confessa, caiu desde o início da pandemia, dificultando o sustento da casa: “Não, é difícil. A maior parte das vendas são para turistas, mas agora não há turistas, há poucas vendas”.
Jandira confessa o orgulho que tem por perpetuar esta arte da aldeia, sem esconder algumas das dificuldades do dia de trabalho, que vai das 10:00 às 16:00.
“O mais difícil é esticar a linha e quando estamos a fazer os panos complicados e as linhas saem do lugar. Fica muito complicado encontrar o seu lugar certo. É e por isso que muita gente não consegue continuar”, conta.
Dificuldades partilhadas por Rosilda Furtado, 31 anos, que teve formação no centro, onde permanece a trabalhar, na mesma altura.
“Até então não sabia, mas já tinha ouvido falar e visto pessoas mais adultas a fazer o pano. Se não fosse a formação, até agora a arte já tinha sido esquecida”, conta, enquanto manuseia o tear, a força de braços, ao longo de várias horas, para acabar uma única peça. Um “pano de obra”, que é de uso mais diário.
“Sim, custa. Mas eu gosto (…) Gosto do que faço e de manter a tradição”, atira.
Neusa Pires admite o “orgulho” com o trabalho feito nos últimos anos no Centro de Artes e Ofícios de Trás-os-Montes, que surgiu vários anos depois da desativação da cooperativa que ali existia, na preservação da cultura e tradições da aldeia, que se estende ainda à olaria e cestaria também típicas da localidade.
“Trabalhamos com as mulheres de Trás-os-Montes em olaria, com barro, e também com cestaria, fazemos cestos, balaios, chapéus, e também com pano de terra, que é a nossa tradição. Por dia, são oito mulheres a fazer os trabalhos. Cinco trabalham na olaria e três fazem pano de terra”, acrescenta.
O trabalho feito naquele centro, a quase dez minutos de viagem do centro do Tarrafal, praticamente no extremo norte da ilha de Santiago, é sobretudo vendido nas feiras, localmente.
“Mas com a pandemia tudo está difícil, mas as vendas diminuíram. Mesmo assim continuamos a trabalhar na tecelagem. Mas fico muito contente porque muita gente vem de longe para ver o que fazemos aqui”, reconhece a responsável.
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