Aos 50 anos, Humberto Martins quer ser o terceiro português a subir a montanha mais alta de cada continente. Em janeiro, como demos conta aqui, completou a ascensão de Aconcágua, na Argentina, com 6.961 metros de altitude. Colocámos-lhe algumas perguntas por escrito sobre a sua experiência a escalar o teto da América e o que se segue.
Agora que o segundo cume está completo, como se compara Aconcágua ao Monte Kilimanjaro?
São experiências diferentes, as tidas em África e no Sul da América. Desde logo pela cultura dos 2 países em causa. Para além dessa vertente, falamos de montanhas com diferença de 1000 metros de altitude. Esta pequena diferença faz com que tenhamos de estar bastantes mais dias a aclimatar. O Kilimanjaro é uma montanha que podemos realizar com sucesso em 6 dias, ao contrário do Aconcágua que nos obriga a mais dias de aclimatação.
Estes dias a mais longe da família sentem-se de forma intensa lá em cima. Outra diferença tem a ver com a neve. O Kilimanjaro foi escalado sem neve ao contrário do Aconcágua que nos obrigou a outros esforços e uso de outros meios técnicos.
Há poucos dias tivemos a triste notícia de que três alpinistas morreram a escalar Aconcágua num curto espaço de tempo. O Humberto esteve lá em janeiro. Qual é a perceção com que ficou desta montanha e dos perigos que encerra?
Fico triste por saber dessa notícia. No dia que ascendi ao cume, ouvíamos nos acampamentos que tinha havido uma morte e outras duas pessoas que ficaram em mau estado devido a quedas.
Quando fazemos a pesquisa sobre o Aconcágua, antes de embarcarmos nessa aventura, ficamos com a sensação que é uma montanha difícil em termos físicos, mas que não obriga a grande capacidade técnica. Isso no geral veio a confirmar-se.
No entanto, há conselhos dados pelas empresas que controlam as expedições para o uso de material técnico de proteção que poderá ser importante para a nossa segurança. Digo isto porque durante o dia de ascensão ao cume, e devido à enorme quantidade de neve (desde os 3500 metros – poucos se lembram de ver assim o Aconcágua), havia montanhistas a subir sem crampões e piolets [acessórios de alpinismo usados para reforçar a mobilidade na neve]. Pelo menos na fase final da ascensão e na descida, é impensável não utilizar esses meios. Para além destas situações, vimos grupos sem a menor condição física para este tipo de desafios. Não sou um esperto do montanhismo e sinto-me sem qualquer tipo de autoridade para moralismos, mas acho que devem respeitar a montanha. Alguns não o fazem e podem suceder este tipo de tragédias.
Como disse, há montanhas que podemos facilitar. Aconcágua não é uma dessas.
Subir uma montanha destas é um processo mais demorado e cuidadoso do que possa parecer, como o Humberto deixou claro nas suas atualizações no facebook. A espera e a prudência também é algo que se precisa de treinar?
Quem determina o ritmo de subida é a montanha. Sem tempo de aclimatação dificilmente se consegue o sucesso. A nossa adaptação ao ambiente extremo que lá se encontra depende acima de tudo do tempo que passamos na montanha. Quanto mais tempo entre subidas e descidas, melhor será a nossa adaptação.
Depois disso vem a nossa preparação física. É muito importante estar em boa forma física.
Se o nosso físico está bem, temos uma boa ajuda para que mentalmente também estejamos equilibrados. No entanto, uma boa resistência e resiliência mental vão-nos dar ferramentas para estarmos despertos e atentos a todos os perigos e termos a capacidade de decidir que mais importante que o cume é a nossa vida.
Pode parecer repetitivo, mas digo sempre: quem manda é a montanha. Saber esperar é uma arte.
quem manda é a montanha. Saber esperar é uma arte.
O próximo cume que se segue no seu desafio fica na Elbrus [situada na Rússia, é a montanha mais alta da Europa]. Vai exigir uma preparação diferente?
Espero que seja. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia não será certamente fácil a um português obter visto. Se conseguir visto tentarei o cume do Elbrus. Caso contrário tentarei o Monte Branco como treino para 2024 tentar o cume do Everest. Elbrus é uma montanha semelhante ao Aconcágua em termos técnicos, embora com menos 1300 metros. Tem ainda a vantagem de necessitar de menos dias de aclimatação. A preparação para esta montanha será semelhante à que fiz para o Aconcágua.
Quando é que o Humberto pensa completar o seu desafio? Quanto tempo pensa que levará até subir aos 7 cumes do mundo?
A minha ambição fez com que colocasse a meta em 5 anos. 2027 será o ano do último cume caso tudo corra bem. Há, no entanto, muito trabalho pela frente e esperar que fatores externas não afetem o projeto, como são o caso da guerra. Estou neste momento a procurar patrocinadores para o Everest e espero que tudo corra pelo melhor.
O Evereste é, muito provavelmente, o mais conhecido e temido dos sete cumes. Que sentimentos lhe evoca?
É o topo do mundo. Evoca acima de tudo respeito, mas também determinação para me preparar da melhor forma a ter uma ascensão sem problemas. Fascínio pela amplitude do que será subir até ao topo do mundo. Acho que poderia expressar todos os sentimentos positivos que me tocam, mas penso num negativo que nunca poderei ter em qualquer montanha, medo. O medo poderá ser o pior sentimento que poderemos ter na montanha. Eu tenho alguns para controlar antes de chegar ao Everest. Mas temo um mais que o Everest - Puncak Jaya (Carstenz). Este é talvez o que maiores requisitos técnico obriga. Só há uma forma de perder esses medos. Enfrentando-os em treinos específicos para desfrutar da sua ascensão.
O projeto está acompanhado de uma iniciativa solidária, que reverte a favor da Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente (CAID). Que importância tem para si ter esta vertente solidária?
Como já disse, a parte mental na montanha é importante para haver sucesso. Nos dias de esforço são estas ações que me dão energia para continuar e dar o máximo de visibilidade a estas instituições. Espero que a próxima campanha obtenha mais benefícios para a instituição. Quanto mais exposição o projeto tiver maior será a capacidade de mobilizar apoios para estas iniciativas.
Obrigado, Humberto!
Podem acompanhar o desafio do Humberto na sua página de Facebook.
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