4300 quilómetros é quanto mede o Pacific Crest Trail (PCT), um dos trilhos mais conhecidos do mundo que percorre a costa oeste do Estados Unidos da América. Para chegar a um dos números da sua próxima aventura, Fábio Inácio, autor do projeto Walking Aroud, multiplicou os quilómetros do PCT por dois e, a partir daí, tinha um objetivo a alcançar. Porém, foi mais longe e decidiu que seriam 8600 quilómetros, em oito meses e a passar pelos cinco continentes.

Falámos com Fábio para saber mais sobre esta grande viagem que começa hoje em Kathmandu, capital do Nepal. Pelo vídeo partilhado, podemos ver que a camisa que acompanhou Fábio no PCT e que lhe rendeu a alcunha de "juicy fruit", vai voltar a acompanhá-lo nesta nova aventura pelos cinco continentes.

Como surgiu a ideia para esta aventura?

Em 2019, quando estava a finalizar os 4300 quilómetros do Pacific Crest Trail, estava cansado, e a dizer a mim mesmo que nunca mais fazia outra destas. O caminho foi qualquer coisa de tão bom, mas foi muito tempo e, no fim, o deserto foi duro, muito calor, muito frio, fome, desidratação. Mas, no momento em que chego ao final, na fronteira entre Estados Unidos e México, com a camisa toda rasgada depois de a ter vestido praticamente todos os 108 dias que a caminhada durou, não passou mais de um segundo até dizer a mim mesmo que tinha de fazer algo do género, mas mais desafiante.

Viajar a pé. Como caracterizas esta forma de conhecer o mundo?

Tenho preferência pelo pé na terra, sem dúvida, para mim é a maneira mais pura de estar na natureza, a forma de sermos parte dela. Mas sou mais do que isso, adoro grandes viagens de comboio, bicicleta, boleia, tudo tem um bocadinho de mim. Depende qual é o propósito da viagem, do momento em que estamos, mas sim, caminhar é uma peregrinação onde, mais do que a chegada, há uma aprendizagem gigante durante o caminho até ao destino, principalmente quando são viagens de meses a andar quase todos os dias mais do que 30 quilómetros com tudo o que necessitas para viver às costas. Ter só o essencial, o corpo sofrer e acabar o dia com o sorriso na cara é das coisas que mais alegria me dá, saber que, apesar de gostar de ter os meus luxos, não dependo disso e vivo bem com pouco. Caminhar é sinónimo de tempo e tempo é a maior riqueza que temos na vida.

Como se prepara para tanto tempo na estrada?

Acho que as pessoas não acreditam quando o digo, mas eu não preparo muito, eu vou e depois logo vejo. Neste momento, sei que dia 25 de outubro vou começar a caminhar em Kathmandu, mas ainda não sei bem qual a rota que vou escolher para o Evereste Base Camp, nem quanto tempo vou demorar, por lá vou vendo e gerindo o meu tempo, assim como os próximos passos. Na Nova Zelândia, posso estar três meses, o trilho que vou fazer por lá, o Te Araroa, é de três mil quilómetros, mas não sei muito mais do que isso. No início de julho, tenho de ter os 8600 quilómetros caminhados.

Caminhar é uma peregrinação onde, mais do que a chegada, há uma aprendizagem gigante durante o caminho até ao destino

A preparação física é uma coisa que faço regularmente, não por causa da viagem, mas porque gosto de exercício físico, caminhar, correr, bodyboard. Mas este verão tive lesionado alguns meses, e o último ano também não foi o melhor a nível mental, por causa disso não me sinto de todo em forma, tenho peso a mais, mas é o que é, será mais um desafio no caminho, vou ganhando forma aos poucos, se tudo correr bem.

A parte mental foi o que disse, não me senti muito bem no último ano, mas é aceitar, e no caminho vai ser mesmo isso, aproveitar os momentos em que vou estar bem e aceitar os que vou estar menos bem. Os últimos 10 anos da minha vida foram passados a viajar, desde projetos pessoais a profissionais e eu não diferencio isto que vou fazer do meu dia a dia em Portugal, porque a viagem é o meu dia a dia, ou seja, gerir como sempre faço, seja em casa, ou em qualquer outra parte do mundo.

Sobre a parte financeira é poupar, e fazer escolhas, eu trabalho, era líder de viagens, 10 anos depois decidi deixar esse trabalho, pelo menos, para já, e no verão passei uns meses a trabalhar numa cabana nas montanhas da Suíça. Vai ser dispendioso, tenho alguns apoios, mas, maioritariamente, é um investimento meu, em mim, em algo que eu quero muito fazer, quero também outras coisas, mas na vida temos de fazer escolhas e esta é a minha escolha para já.

Fábio Inácio
Fábio Inácio créditos: Walking Around

Como vai ser o roteiro?

Na escola, aprendi que o mundo tem cinco continentes, alguns dizem que há seis, outros, sete. Eu decidi fazer uma grande caminhada em cada um dos cinco continentes. Vou começar no Nepal, a caminhar até o Everest Base Camp desde Kathmandu, coisa que ninguém faz, o pessoal quase sempre voa para Lukla ou apanha um autocarro e/ou táxi e começa de Jiri. O Nepal vai ser a minha preparação, voltar a estar em forma, por isso vai ser feito com calma, para não ter nenhuma lesão e não sofrer da doença da altitude, já estive nos 5500 metros e não tive problemas, mas isso não quer dizer nada.

Do Nepal vou para a Nova Zelândia e lá vou caminhar o Te Araroa, um trilho de três mil quilómetros, depois, supostamente, vou para os Estados Unidos da América, mas ainda não é a altura certa, por isso pode acontecer ir para algum lado na América do Sul, Patagónia Chilena, talvez, e caminhar durante um mês e pouco. Depois, sim, Estados Unidos da América, onde vou fazer o Appalachian Trail que são 3500 quilómetros e de lá para Marrocos, onde vou caminhar alguns dias no Atlas, antes de voltar a Portugal e fazer os quilómetros que irão faltar para os 8600. Posso mudar de planos, desde que a meio de julho tenha os 8600 quilómetros feitos e tenha passado pelos cinco continentes, é esse o meu desafio.

Expectativas?

Desde 2000 e pouco que queria fazer o Pacific Crest Trail, e apesar de ter dito que foi duro, foi bem mais fácil do que aquilo que eu pensei, talvez por ter vivido muitas vezes o caminho em pensamento, por ter sonhado e por me ter visto muitas vezes a percorrê-lo, quando o fiz, foi delicioso, mas não sofri como pensava que ia sofrer, nem uma vez pensei em desistir. Agora acho que vai ser diferente, acredito que vai ser mais desafiante, talvez por ainda não me sentir muito bem física e psicologicamente, por não estar a acreditar tanto em mim como acontecia antigamente, talvez por saber muito pouco por onde vou andar e porque andar 8600 quilómetros não é andar 4300. Mas, como tudo o que eu faço na vida, acredito que vou conseguir e que vai correr bem. Em tudo acredito que consigo voar, às vezes bato forte no chão, mas faz parte do acreditar e é melhor acreditar do que o medo de cair não nos deixar tentar voar. Sinceramente, espero que seja mais uma história bonita na minha vida e que de uma forma ou outra possa inspirar alguém a passar mais tempo na natureza, a viver uma vida mais simples, a ter mais tempo para si, para o que gosta e para as pessoas da sua vida. Vou ficar feliz, se conseguir isso.

Fábio Inácio
Fábio Inácio créditos: Walking Around

Como surgiu a ideia de ter esta causa mais solidária?

Desde 2020 que penso em fazer outra caminhada grande e desde então que penso em fazer algo solidário, ser menos selfish. Passaram-me muitas instituições pela ideia, cheguei a criar projetos a pensar em outras instituições, mas depois de conhecer o trabalho da Rewilding Portugal decidi que eles tinham de fazer parte disto. Das coisas mais bonitas que me aconteceram na vida foi estar rodeado de vida selvagem no seu habitat natural sem mais ninguém por perto. A energia que entra no meu corpo nesse momento é indescritível. Nunca consegui perceber o porquê de as pessoas pensarem que o mundo tem de ser só para nós, de que é na boa destruir todas as florestas e o seu habitat, de que somos mais do que tudo o resto. A Rewilding Portugal tem vindo a fazer um trabalho incrível na conservação e reintrodução de espécies selvagens na Natureza e, se conseguir ajudar um bocadinho, vou ficar muito feliz.

Como vamos poder acompanhar-te?

Podem acompanhar pelas minhas redes sociais, vou publicar regularmente no Instagram e algumas vezes no YouTube. Vou também ter um grupo de WhatsApp privado para quem quiser contribuir para a viagem, no meu site tenho três pacotes para quem quiser aderir ao grupo. Podem comprar uma fotografia impressa, comprar o meu livro do PCT ou, simplesmente, comprar o acesso ao grupo. Lá vou publicar fotos e vídeos que não são publicados nas redes sociais ou que serão publicados mais tarde, também lá direi algumas coisas em primeira mão.