Hogwarts para adultos. Foi uma das frases usadas em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, para descrever o encontro de exploradores, cientistas e conservacionistas que ali teve lugar, na semana passada, por ocasião da GLEX Summit, uma conferência sobre os avanços e feitos mais empolgantes da Ciência e tecnologia.
Não houve poções e feitiços mágicos para resolver os problemas do mundo, mas a cimeira teve o mérito de tentar destacar alguns daqueles que estão ativamente empenhados em resolvê-los. E não houve falta de crises para abordar: dos conflitos armados na Ucrânia e Médio Oriente às condições perigosas em que a conservação da natureza é realizada em certos países, sem esquecer os preconceitos que muitos ainda enfrentam no acesso à Ciência.
“A indiferença não é uma opção”
A convivência entre israelitas e palestinianos acabou mesmo por ser um dos temas mais delicados abordados no decorrer da GLEX Summit, organizada pelo nova-iorquino The Explorers Club e a consultora portuguesa Expanding. Parecia impossível discuti-lo sem pinças ou mil cuidados, mas bastou sentar lado a lado dois amigos preparados para partilharem a história da sua improvável amizade e o que esperam inspirar através do seu exemplo.
Aziz Abu Sarah é palestiniano, Kim Passy-Youseph é israelita e os dois trabalham juntos como guias turísticos. Foi através do trabalho que se foram tornando amigos e, eventualmente, defensores ativos da aproximação entre os seus povos. A dupla tem corrido o mundo, em palestras e encontros com organizações e líderes mundiais, com o objetivo de mostrar que é possível encontrar um caminho para a paz, que no seu entender só será possível, e duradoura, através da compreensão mútua. "A indiferença não é uma opção", garantiu Aziz Abu Sarah.
Seria tentador pôr de lado a sua intervenção como meramente bem-intencionada, até ouvirmos o que têm para contar: a história de como se tornaram amigos num clima de desconfiança permanente e viram os seus mundos colidirem com os atentados de 7 de outubro e subsequente intervenção militar em Gaza.
Passy-Youseph partilhou a sua angústia com os 54 dias que durou o sequestro de uma das suas amigas de infância, raptada durante os ataques do Hamas em outubro, que mataram mais de 1.200 pessoas em Israel e fizeram 250 reféns (dos quais cerca de metade ainda não foram libertados).
"Quando descobri que isto tinha acontecido, não conseguia respirar. Senti muito medo, revolta e angústia por ela estar onde estava", contou ao público.
"O 7 de outubro pôs à minha frente uma enorme escolha: escolhemos este tempo para mudar as nossas maneiras? Trabalho com o Aziz: decido deixar de o fazer e abandonar os meus amigos palestinianos? Decido odiar? E a resposta, para mim, foi não", assegurou Passy-Youseph.
Por seu lado, Abu Sarah viu morrer, ainda pequeno, o seu irmão mais velho, devido a ferimentos infligidos numa prisão israelita. E em palco deu a conhecer a história de um amigo que perdeu mais de 50 membros da sua família para os bombardeamentos israelitas e resultante crise humanitária, que já causaram mais de 37 mil mortos na Faixa de Gaza.
"O meu irmão foi morto quando eu tinha 10 anos. Ele tinha 19 anos, e eu não senti que tinha escolha. Não temos escolha, quando alguém mata o teu irmão. A única coisa que sentimos é a vontade de ir atrás desse alguém e procurar vingança. Demorei 8 anos a chegar a outra conclusão. Há outro caminho", garantiu Abu Sarah.
Como é que duas pessoas que vivem lado a lado, e a quem não parecem faltar motivos para se antagonizarem, conseguem conviver e simpatizar uma com a outra? É uma pergunta que dizem ouvir, de uma ou outra forma, todos dias. Pelo diálogo, respondem, mesmo quando este se revela difícil ou impossível.
"A revolta é como um poder nuclear: pode destruir mas também pode criar vida", explica Abu Sarah, apelando ao poder da compaixão entre povos e culturas em conflito.
"Não somos ingénuos, a pensar que, como somos esperançosos, tudo vai ficar bem", diz Abu Sarah. "Mas é a nossa obrigação tentarmos o nosso melhor".
O SAPO Viagens viajou até Angra do Heroísmo a convite do GLEX Summit.
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