Por: Miguel Marques 

Era tempo de visitar Oaxaca, que desconhecia. Só sabia que era considerada a capital da comida mexicana. Como ficava a caminho do destino de praia que tinha decidido visitar, Puerto Escondido, decidi passar quatro noites ali, porque, se existe algo que gosto de fazer, é encher a barriga de comida da boa. Sabia que era uma cidade e, apesar de não ser uma pessoa que procura visitar cidades grandes, quando cheguei a Oaxaca, o ‘feeling’ era de como se tivesse em casa.

Depois de umas extraordinárias 14 horas dentro de um autocarro noturno desde Villahermosa, cheguei por volta das 10 horas da manhã. Mal sai do autocarro, senti que Oaxaca ia ser o que estava à espera. Alguns turistas passeavam pelas ruas delineadas por casas coloridas. Stands de comida de rua tentavam comunicar comigo numa linguagem de cheiros a dizer-me: ‘é aqui que vais comer mais tarde’. Ouvia-se música mexicana a partir dos carros dos locais que viviam a sua vida normal. Três ingredientes para começar a gostar de um local logo desde o início. Para que tudo se alinhasse em pleno, só faltava o hostel onde ia ficar estar dentro dos parâmetros que estava à espera. E era. O ambiente era de uma família de viajantes dos mais variados lugares do mundo. Alguns refrescavam na piscina os já 30 graus que se faziam sentir, outros conversavam ao som de reggaeton junto ao bar e outros trabalhavam a partir do computador para sustentarem as suas viagens.

Sempre que visito um lugar onde acredito que a sua história e pontos de interesse são demasiados para o tempo que vou lá estar, opto por fazer uma “free walking tour”. Num registo de ‘pagas o que queres no final’. Geralmente, a tour consiste num passeio acompanhado por um guia local que mostra aquilo que é realmente genuíno. O que fazer, onde comer, o que visitar, a sua história, tudo. O guia é como que uma pequena enciclopédia cultural que vai bombardeando mais informação do que aquela que é possível reter na memória. E eu, pessoalmente, vou anotando num bloco de notas palavras chave do seu discurso para, no final, estudar melhor o que foi dito e tirar as minhas próprias conclusões daquilo que é ou não importante visitar/viver.

Uma das palavras que escrevi no meu bloco de notas foi “Guelaguetza”, que é uma palavra que soa bem, porém, o significado soa ainda melhor.  Guelaguetza é, nada mais nada menos, que uma das maiores festas da América Latina que reúne anualmente enormes audiências vindas de todo o México para ver a antiga herança cultural. A cidade de Oaxaca é dotada de um enorme anfiteatro (mais parece uma nave alienígena) situado no topo de uma colina com uma vista extraordinária sobre a cidade onde todos os dias é possível ver amostras de folclore mexicano. Para além do que acontece no anfiteatro, existem desfiles pelas ruas da cidade, onde pessoas de todas as idades participam usando fantasias extravagantes, máscaras e perucas. Uma espécie de Carnaval ao estilo português, mas no México e em pleno mês de julho. Para sorte do Miguelito, que gosta muito de desfiles, o de inauguração da ‘Guelaguetza’ iria acontecer exatamente no dia seguinte e tudo indicava ser uma festa das grandes. Tinha então um objetivo em mente: encontrar alguém com quem ir para a festa.

Sou uma pessoa que gosta de interagir com outros e tinha decidido que seria interessante explorar o desfile inaugural com um viajante do meu hostel. Assim que voltei ao hostel, estava sentada numa das mesas a fazer uma mala de cabedal, uma viajante. Gosto imenso de artesanato e pessoas criativas e, porque me chamou atenção o que ela estava a fazer, decidi meter conversa com o objetivo de conseguir companhia para a festa no dia a seguir.

Acabei a falar com a Johanna durante algumas horas sobre os mais variados temas e cheguei à conclusão que o convite para a festa foi feito inocentemente ao longo dessa conversa por causa da minha personalidade. Quando lhe perguntei no final se gostava de ir ao desfile, respondeu "sim" sem hesitar e de sorriso na boca. Boa, estava então completo o pacote para um grande dia de festa.

Estava então chegado o grande dia. O desfile começava por volta das 18h e decidi encontrar-me já no local com a Johanna, que decidiu não ir só. Vinham consigo outros cinco viajantes que ela tinha conhecido anteriormente e que também tinham decidido ir ver a festa. O ambiente já estava a tornar-se festivo mesmo antes do desfile pelas ruas de Oaxaca.

Guelaguetza
Guelaguetza

Viam-se pessoas alegres, de bebida na mão, a tirarem fotografias ao ambiente, a dançarem, a correrem, digamos que estava a ficar uma confusão bem organizada. Todos sabiam onde começava o desfile e a grande festa que ia ser e, isso, era o mais importante. Escolhemos um sítio à beira de uma das ruas principais e decidimos dar início à festa com umas cervejas bem frescas ao mesmo tempo que já se faziam ouvir os foguetes e a música ao longe. Veio então o desfile e, tirando a boa música que as diferentes bandas vão tocando ao longo do caminho, não é nada de outro mundo. Só pensava que alguns dos nossos desfiles de Carnaval em Portugal dão 10 a zero ao da Guelaguetza mas, no entanto, era uma festa cultural e eu queria ver como os mexicanos festejavam.

Passado o desfile, a caminhar no final deste, juntam-se as pessoas que vão ficando ao longo da estrada sem mais nada para ver. E nós como bons amantes de festa que éramos, decidimos juntarmo-nos ao passo do desfile da Guelaguetza num local que, olhando para trás, era muito perigoso. E não, não era porque me sentia inseguro no meio de uma multidão de pessoas a beber, dançar, cantar, mas sim porque no local onde estávamos, estavam também dois mexicanos a oferecer ‘shots’ de Mezcal (uma espécie de aguardente mexicana feita de Agave) diretamente de um garrafão de cinco litros. E eu vi pelo menos três garrafões! Era literalmente só pedir ‘un shot mas por favor’ e ele vinha parar às minhas mãos numa questão de segundos. Não estava ali para ficar ‘borracho’, mas uns shots de aguardente grátis num ambiente de festa na rua, não podiam fazer mal a ninguém. Passou-se uma meia hora de shots, fotografias, sorrisos e eis que, do nada, senti uma mão a entrar no bolso dos meus calções e, no mesmo segundo em que dei conta, já era tarde demais. Tinha o telemóvel no bolso e tinha sido roubado. A reação normal de qualquer pessoa é dizer ‘fui roubado’ e olhar à volta. No entanto, a aguardente já tomava conta de alguns dos meus sentidos e, assim que o disse, tive duas ou três pessoas de imediato a apontar para sítios e pessoas diferentes. Não tive qualquer hipótese. E mais, para agravar a situação, tinha inteligentemente entre o telemóvel e a sua capa, um cartão multibanco e o cartão de cidadão português. Não sabia o que fazer. Entrei em pânico e gelei no local onde estava. Dei a mim mesmo cinco minutos para me recompor da situação e meter mãos à obra porque havia coisas mais importantes a tratar. A guelaguetza estava terminada.

Guelaguetza

Depois de ter chorado o meu telemóvel e de me virem a cabeça todos os problemas que envolviam ter sido roubado, pus em prática todo o planeamento que fiz para esta viagem. Apesar do meu raciocínio estar mais lento do que o normal, sabia que a primeira coisa a fazer era cancelar o cartão de multibanco que tinha no telemóvel e repor as definições de origem do mesmo remotamente. Infelizmente, não tinha a localização ativada pelo que não conseguia de todo localizar o telemóvel mas, tinha no hostel um segundo telemóvel já preparado com todas as aplicações essenciais para a eventualidade de perder o telemóvel principal e, isso, deixou-me extremamente tranquilo. Cheguei ao hostel, atualizei todas as passwords, cancelei o que era necessário e estava então de volta ao estado normal. Segundo passo, ir à polícia. Não com o objetivo de rever o telemóvel, mas sabia que para conseguir ativar o meu seguro de viagem (nunca viajar sem seguro de viagem!) teria de ter uma queixa policial para enviar para a seguradora. Obtida essa queixa ainda no mesmo dia dei por terminado o meu caso policial.

Não foi fácil digerir o facto de ter sido roubado. Não era o valor do telemóvel nem as poucas fotografias que lá tinha, mas sim o facto de alguém ter entrado naquilo que é meu e ter roubado algo pessoal que me estava a afetar. Nunca fui roubado e existe uma primeira vez para tudo e, como sou uma pessoa extremamente positiva, depois de ter voltado ao meu estado emocional normal só consigo sentir um enorme orgulho em mim próprio pela maneira como resolvi a situação. Fiz tudo o que era suposto fazer com clareza e consegui, em pouco tempo, tratar de uma situação complicada num país que não é o meu.

Errei e aprendi. Obrigado Guelaguetza por me ensinares a nunca mais ser roubado desta forma, e a ti Mezcal por me fazeres ver que aguardente, especialmente de borla, nunca é um bom sinal.

Siga a aventura de Miguel Marques também no Instagram