Às 4h30 da manhã chegava a Puno depois de uma viagem de autocarro em que, apesar de ter conseguido dormir grande parte do tempo, passei um calor dos diabos por ter ficado sentada mesmo ao lado do ar condicionado. Teria alguém da agência com quem tinha reservado o tour de 2 dias no Lago Titikaka à minha espera no terminal apenas a partir das 06h, pelo que ainda tive de esperar algum tempo. Aproveitei para tomar o pequeno almoço e ver se conseguia trabalhar um bocadinho. A quase inexistente internet do sítio não facilitou.
Às 06h aparece um rapaz no café onde eu estava, com um papel na mão com um nome escrito. “Mária Rôau Proencia?”, perguntava ele às pessoas que lá estavam também. "Mária Rôau" parece-me que sou eu sim senhor! Acompanho-o até ao escritório da agência no piso de baixo do terminal de onde, após uma hora mais ou menos, estaríamos de saída para o porto de Puno para seguirmos de barco pelo Lago Titikaka.
O Lago Titikaka é uma mancha de água enorme, constituído por várias pequenas ilhas, algumas das quais ilhas flutuantes, chamadas Islas de los Uros, feitas com base em plantas chamadas totora e nas suas raízes que existem em abundância no lago. É o mais alto lago navegável do mundo, a uma altitude de cerca de 4000m. 60% do seu espaço pertence ao Peru e os restantes 40% à Bolívia.
O passeio de barco é feito de forma bem lenta e tranquila, demorando algumas horas. Para mim, que estava toda quebrada depois do trekking dos 2 dias anteriores e da noite passada num autocarro, pareceu-me a altura ideal para pôr o sono em dia. A primeira paragem foi numa das várias ilhas flutuantes. Fomos recebidos pelo “Presidente” da ilha que ali vivia com a sua família e mais outra. No total eram cerca de 10 pessoas a dividirem um espaço extremamente reduzido no meio do Lago Titikaka. Mostraram-nos como vivem, do que vivem e, claro, tentaram também vender-nos algum artesanato. Ainda nos levaram a dar um pequeno passeio em 2 grandes barcos tradicionais feitos de totora. Ainda na ilha uma das crianças aperta um gato, fazendo dele literalmente “gato sapato”. Coitadinho do bicho. Juro que quando nos viu a irmos embora no barco quase implorava com os olhos para o levarmos connosco!
Seguimos viagem com mais uma siesta pelo meio. Passada 1h40 chegamos à Ilha de Amantani, esta em solo firme. Ali, uma série de matriarcas de várias famílias da Ilha esperam no porto os turistas que lhes serão atribuídos e a quem darão albergue e comida na sua própria casa. É uma oportunidade única de conviver com família locais e apreender mais sobre o seu estilo de vida. Eu acabo por me juntar a um casal francês e seguimos os 3 com a Yeny, a filha de 18 anos de uma das matriarcas que não pode estar presente, a Aurélia. Seguimos atrás dela enquanto nos explica o que são as colheitas que vemos à nossa volta. Ao chegarmos à casa não consigo deixar de ficar surpreendida. Confesso que estava à espera de algo bastante mais humilde e já me tinha preparado mentalmente para dormir numa cama bem rija e próxima do chão, mas em vez disso o que encontrei foi uma casa com todas as condições e conforto! Humilde claro, mas acolhedora. Descansamos um pouco e passada meia hora estamos a almoçar os 3 na companhia da Yeny, com uma vista maravilhosa sobre o lago. A isto chamo eu luxo. A comida estava deliciosa e, por sorte minha, era totalmente vegetariana, já que aqui só comem carne em dias especiais, de celebração. No resto do ano só se consomem vegetais como batatas, favas, tomate e quinoa que eles próprios cultivam nos seus terrenos.
A ilha é de uma tranquilidade absoluta. O lago estende-se por kms e kms, parecendo quase que olhamos para o oceano. Uma caminhada até à Praça central leva-me através de campos de cultivo, rodeados por grandes árvores. Pelo caminho vou cumprimentando algumas senhoras que trabalham no campo ou que se dedicam ao artesanato, outras das grandes atividades da ilha, para além do turismo.
Tendo em conta o estado das minhas pernas decidi deixar passar a oportunidade de subir até ao ponto mais alto da ilha para ver 2 templos que lá se encontravam – o templo de Pachatata e o templo de Pachamama – e de lá deixar alguns desejos. Volto para casa e à noite tenho finalmente a oportunidade de conhecer a Aurélia, mãe da Yeny. Um encanto de senhora. Genuinamente querida e hospitaleira. “Holaaaaa! Que liiiinda y que bien hablas español!”. Pronto: com isto já me tinha conquistado. Sentamos-nos à mesa e depois de um jantar mais uma vez absolutamente delicioso, deixamos-nos ficar a conversar durante mais algum tempo.
A Aurélia explica-nos que hoje em dia existe uma espécie de rotatividade na ilha para que todas as famílias das suas 10 comunidades possam ter a oportunidade de receber turistas nas suas casas. Há cerca de 2 anos atras isso não acontecia e apenas 4 famílias recebiam turistas, direcionando apenas aqueles que já não tinham disponibilidade para receber para outras famílias. Com orgulho diz-nos que, hoje em dia, já não depende apenas das agências de viagens que por vezes nem lhes chegam a pagar. Que recebe turistas (ou “amigos” como ela nos chama) que lhe chegam diretamente por recomendação de outras pessoas. Explica o seu sucesso pelo facto de ser genuína no seu afeto pelos seus convidados e por falar bem o espanhol, algo que não é muito comum na ilha já que a língua oficial é o Quechua.
Eu concordo com ela, de facto tudo nesta estadia estava a ser perfeito, e a Aurélia tem o dom de nos fazer sentir parte da família desde o primeiro momento. Peço-lhe os contactos e informações sobre como lá chegar de forma independente (sem agência) para que possa recomendá-la mais tarde. Ela agradece-me chamando-me princesa e dizendo que eu sou um anjo que ali foi parar para a ajudar. Pronto Aurélia, já me conquistaste, não é preciso esforçares-te mais!
No dia seguinte despeço-me com um abraço e um beijinho da Aurélia e da Yenny e, com muita pena de não poder ficar mais tempo, entro no barco às 07h30 em direção ao meu próximo destino, a Ilha de Taquile. Ao chegarmos é-nos dito que teremos de subir uma escadaria ingreme nas rochas durante cerca de 50 minutos. Carambas. Mas será que não me consigo livrar dos trekkings?? Hesito, mas com calma lá vou subindo e aproveitando para tirar algumas fotos pelo caminho. Os meus joelhos, especialmente o direito, continua a rogar-me pragas e a fazer-me pagar bem caro. O encontro dá-se na Praça Central onde podemos passar algum tempo a aproveitar a vista magnifica sobre o Lago Titikaka.
Enquanto lá estou, sentada num dos muros, uma miúda local pequenina aproxima-se de mim. “Foto?”, diz ela. Convencida que ela me estava a perguntar se eu lhe queria tirar uma foto para depois me pedir dinheiro (já me aconteceu algumas vezes em viagem), digo-lhe que não, obrigada. Ela insiste e eu acabo por perceber que ela me quer é tirar uma foto a mim com o meu telemóvel. Com algum medo que ela me deixasse cair o telemóvel lá o passo para as suas mãozinhas minúsculas. Com algum atrapalhamento pelo meio e algumas selfies acidentais, lá me tira algumas fotos. Tiro-lhe o telefone para agora tirarmos as 2 uma foto. Ela fica toda contente. Entretanto junta-se mais uma amiguinha e acabamos por ser já 3 na fotografia. A pequenina agarra-se ao meu pescoço toda contente com a atenção que eu lhe estava a dar. Entretanto chamam-nos para irmos finalmente almoçar. Com alguma relutância as miúdas lá me deixam ir. Almoçamos num pequenino restaurante improvisado no meio da ilha e passados cerca de 40 minutos estamos a descer novamente a escadaria nas rochas em direção ao barco que nos levaria numa viagem de 4 horas até Puno.
Ao chegar a Puno sou deixada novamente no terminal de autocarros onde tenho de recolher a minha mala e seguir para um hotel no meio da cidade de onde o autocarro do PeruHop me recolherá para seguir viagem para Cusco à noite. Não tinha feito qualquer reserva no hotel, mas ia com a ideia de conseguir chegar a acordo com eles e poder ficar as 5 horas que me faltavam para a viagem, num quarto, pagando apenas metade da tarifa normal (ou menos se possível!). Com jeitinho consigo chegar a acordo e acabo por pagar menos de metade. Nem via a hora de poder tomar um banho de água bem quente e descansar um pouco antes de partir numa viagem noturna de 8 horas até Cusco.
E agora cá estou eu em Cusco e já com muitas histórias para contar. Mas fica para a próxima crónica!
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