
Uma das certezas de que se tem quando se faz uma viagem de mochila às costas é que os planos mudam. E foi exatamente assim que o Camboja entrou na minha vida: de surpresa, sem estar nos planos. Sentia que precisava de parar um bocadinho, assentar os pés no chão e encontrar alguma paz e direção. Não havia melhor forma de o fazer do que senão retribuir à comunidade que me acolhesse.
Acabei por encontrar um projeto através do Workaway numa vila nos arredores de Siem Reap, a cerca de 20 minutos da cidade, sem rede, sem ruas cimentadas, onde todos viviam em comunidade. Esta vila parecia parada no tempo. Fiquei com a Fara, uma mulher cheia de sonhos e projetos, os seus dois cães, e, uns dias depois, chegou outra voluntária vinda da Áustria.
Desde o primeiro momento em que pus os pés na casa da Fara, que mais parecia um pequeno retiro, percebi que estava exatamente onde devia estar. Aquele era o sítio perfeito para desacelerar, respirar fundo e voltar a mim mesma.
Durante duas semanas, os nossos dias foram preenchidos com tarefas variadas: jardinagem, decoração do espaço exterior, ajudar a lançar o negócio de tours da Fara (criámos flyers, cartazes, site, redes sociais e até testámos as experiências). Aos domingos, dávamos aulas de inglês às crianças da vila e fazíamos atividades de limpeza e reciclagem.

Era incrível ver como aquelas crianças, pequeninas e sem acesso a telemóveis, apareciam no seu único dia livre, por vontade própria, para aprender, brincar e estar connosco. Com o tempo, começaram até a aparecer durante a semana só para brincar, vinham bater à porta a perguntar se podiam entrar.
Era uma casa viva, cheia de movimento e gargalhadas, onde cada momento era partilhado com generosidade. As ligações que criámos, com as crianças, os vizinhos, os vendedores do mercado, e a outra voluntária, que hoje é uma grande amiga, foram reais, intensas e naturais. Conhecemos outras vilas, aprendemos a cozinhar comida khmer e tive, finalmente, a minha primeira experiência de conduzir mota à cambojana! Aprendi a empilhar tudo e mais alguma coisa em cima da scooter e a navegar as estradas de terra como se fizesse aquilo há anos.

Existiram momentos que me tocaram de forma profunda, como o dia em que vimos uma das mães da vila — que antes não se preocupava com o lixo — a apanhar sozinha o lixo do quintal e a colocá-lo em sacos. Estávamos a contribuir para a mudança, mesmo que pequena, mesmo que aos poucos. Outro dia marcante foi o que tive um furo na mota. Nessa situação, sem saber o que fazer, fui ajudada por dois senhores que, sem hesitar, acompanharam-nos até um mecânico. Não pediram nada em troca. A gentileza dos cambojanos é das mais bonitas que conheci até hoje.
Foi bom parar. Parar mesmo. Ler, descansar, refletir, organizar ideias e planear os próximos passos da viagem. Esta pausa foi exatamente o que precisava. Outra coisa positiva é que trouxe muitas lições comigo: desde dominar a arte de conduzir uma scooter, até perceber, com o coração cheio, que não precisamos de muito para sermos felizes. Fazer parte de uma comunidade, mesmo que por pouco tempo, pode deixar raízes profundas, em nós e nos outros.
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