Celebramos a data em que o bebé se tornava um pequeno menino, em que o Viajante X iniciava o ritual universal a todos os seres humanos, com mais de 30 000 anos… 405 dias depois de nascer, o X acabou por ir cortar o cabelo ainda que, felizmente, os pais não se tenham inspirado no hairstyle da Grécia Antiga!
Aproveitando o novo visual do X, revemos ruas já trilhadas, fomos a novas como a Stadiou, Panepistimiou, Voukourestiou e o bairro Kolonaki, e áreas circundantes, bem como desfrutamos da nossa casa por aqueles dias em Exárchia. Porém, quando o sol raiava baixo e quente sempre aproveitávamos para visitar locais como o Museu Arqueológico de Atenas. Fundado no final do século XIX e considerado um dos mais importantes do mundo na sua temática, a Antiga Grécia, curiosamente, na Segunda Guerra Mundial, este edifício foi obrigado a fechar as portas e a guardar as suas obras em caixas protetoras que acabaram enterradas para evitar a sua deterioração ou eventuais saques.
Na verdade, as ruas de Atenas são marcantes, sendo que já são escassas as paredes limpas. Ora pela beldade da arte urbana que ilumina os espaços mais simples e tornam os convívios mais memoráveis, ora pela proliferação de grafittis e tags descontextualizados e arbitrários (mesmo em locais de interesse arqueológico), que tornam a cidade sombria. Termos ficado num apartamento em Exárchia foi muito marcante. Este bairro central, criado entre 1870 e 1880 nos confins da cidade, próximo ao edifício histórico da Universidade Politécnica Nacional de Atenas, é um lugar de cultura alternativa no centro de Atenas, além desempenhado um papel significativo na vida social e política da Grécia. Famoso por ser ponto de encontro de militantes de esquerda, deve o seu nome ao mercador Éxarchos, que fundou um grande comércio no local.
Mas este também foi um lugar, em muito falado, nas notícias prévias à nossa viagem. Naquela fase, em setembro de 2019, muito se escrevia sobre a intenção do atual primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis de apertar o cerco sobre este bairro. A sua ação havia levado ao despejo de vários edifícios ocupados por refugiados, sendo que a maioria acabou transferida para campos oficiais, e os restantes deportados (já que não teriam documentação, e os campos das ilhas gregas como Lesbos, Samos e Chios estariam sobrelotados). Esta realidade levava a que muitos se dirigissem à capital para ficarem nestes abrigos que, embora ilegais, sempre contavam com o "fechar de olhos" das autoridades, até então. Se não os deixassem permanecer ali, sabiam que acabariam nas ruas de Atenas, já bastante sacrificadas com a crise.
É preocupante e desumanizante saber como grande parte dos refugiados continuam acorrentados a um futuro duvidoso e de poucas oportunidades, face à evidente insuficiência das iniciativas de integração e à espera demasiado longa por papeladas e burocracias. Para estas famílias, para quem fugir é a única opção, e que tiveram de deixar vidas e famílias para trás, resta-lhes procurar e lutar por novas identidades. Tamanho caos humano deve despertar-nos para questões éticas e soluções práticas, ou não carregassem consigo inadiáveis projetos de vida e de esperança no recomeço.
Viajar assevera a necessidade de uma responsabilidade individual e social cada vez maior, e acutila-nos a consciência de que os seres humanos organizam as suas vidas através da ininterrupta construção de histórias, narradas para nós próprios e para os outros. Assim, urge possibilitar a todos a oportunidade de (re)construir as suas narrativas, oferecendo a todos e a todas o espaço necessário para definirem a seu sentido de vida e até identidade, da forma mais positiva e adaptativa possível. Só assim poderá haver a essencial partilha desses novos significados com o meio à sua volta, facilitando uma nova dimensão relacional e afetiva. Viajar começa por uma inquietude que nos deve mudar irremediavelmente no sentido único da solidariedade.
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