Bilhete-postal por Pedro Neves
Amália rogava a Lisboa para que não fosse francesa, mas em julho apetece pedir-lhe que nunca deixe de ser italiana, por causa dos cachos de buganvília que a cidade parece soltar por cima de muros, becos e esquinas nesta altura do verão.
Mas porquê italiana, se a buganvília é nativa da América do Sul e foi disseminada por todo o mundo? Culpo as recordações que guardei de uma semana abrasadora passada em Roma, há muitos anos, na minha primeira viagem europeia a solo. Foi na capital italiana que comecei a reparar, com olhos de ver, na exuberância desta exímia e vistosa trepadeira. A associação ficou-me, desde então, na memória, ao ponto de cada cantinho de Lisboa agraciado por esta planta ornamental me transportar automaticamente para a cidade das sete colinas (a original).
Se maio é o mês do jacarandá em Lisboa, julho é o momento de glória da buganvília. Não é tão frequente ou celebrada quanto a árvore de flores lilás, mas não deixa, mesmo assim, de impor-se aos olhos de qualquer lisboeta, especialmente ao sol do meio-dia, quando a cor das folhas que rodeiam as suas flores parece mais vibrante. Os exemplares que fotografei nos últimos dias tinham todos o mesmo tom rosa, mas a trepadeira pode apresentar-se de várias cores (laranja, vermelho e até branco) dependendo da sua variedade.
A história em torno da sua descoberta científica é fascinante e pode ser lida no blog Arca de Darwin, mas basta dizer que envolve uma botânica francesa, Jeanne Baret (1740–1807), que precisou de passar por homem para poder se aventurar na viagem de circum-navegação que a colocaria em contacto com a buganvília no Rio de Janeiro.
Hoje pode ser encontrada em qualquer parte do mundo, de um beco na Costa Amalfitana a um condomínio fechado no Algarve. De algum modo, a sua presença em jardins tornou-se indissociável de uma ideia de retiro privilegiado, reminiscente de dias ensolarados passados com o mar no horizonte. É no sul do país, aliás, que arrisco colocar a "capital" portuguesa da buganvília: Olhão. As suas cores vivas parecem assentar especialmente bem contra o labirinto branco do centro histórico da cidade cubista, no qual é difícil encontrar uma rua sem a sua presença.
Ainda assim, foi em Lisboa que encontrei a maior concentração de buganvílias num único local. A imponente Fonte Luminosa, na Alameda, é amparada por duas paredes repletas da trepadeira que ajudam, verdade seja dita, a contrariar a sensação de estarmos num local pouco asseado. O efeito é soberbo quando ambas as paredes ficam completamente rosas, e fica difícil escolher qual é a cascata mais impressionante: a de água ou de buganvílias?
Outro conjunto lisboeta particularmente fotogénico fica no Miradouro de Santa Luzia, em Alfama, onde os novelos coloridos rivalizam pelas atenções dos muitos turistas que ali passam. As que crescem sem o apoio de uma parede dão mesmo a impressão de quererem imitar as pesadas nuvens que muitas vezes se avistam no vasto horizonte dominado pelo rio Tejo.
No meu circuito habitual por Lisboa, todavia, os meus exemplares preferidos de buganvília são as pequenas cabeleiras rosas que espreitam por cima das vedações e muros dos anónimos quintais lisboetas em vias de extinção. Nunca deixo de as fotografar e fazer um pouco minhas.
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