Por: André Paiva

No princípio, recuando aos milhões das eras, não havia estes vales e montanhas, estas estradas e cidades: a região existia imersa como outra região, aquática-salgada-oceânica – uma gigantesca bacia de sedimentos – habitada por seres de corpo segmentado, hoje petrificados em expositores de museus. Extinguiram-se as trilobites, e também esse mar, as rochas que o enchiam noutras rochas se transformaram – o argilito em ardósia, o calcário em mármore – e de novo se inauguraram os ciclos tectónicos.

O tempo não muda de velocidade, excepto talvez quando o tentamos compreender. E enquanto o Homem não entendeu o tempo das pedras partiu-as, dimensionou-as, esculpindo-as para erguer templos e construir impérios. Os romanos governaram um dos mais prósperos, e nele havia uma província – a augusta Lusitânia – em que a capital se fez de mármore, proveniente desse lugar cujo nome já surgia na boca dos viajantes.

Modificaram-se as gentes de Estremoz, os trajes e os costumes. Isto mais tarde, porque a técnica sofreu melhorias, a extracção tornou-se rápida, a torre de menagem cresceu e as fachadas marmóreas começaram a alinhar-se pela vila em crescendo. Pedra alva, nobre, brilhante como grão de açúcar, esventrada à terra pelo pedreiro especializado, dentro do fosso cada vez mais profundo. Por isso el rei D. Manuel I ordenou a construção de um convento a seu estilo, gótico e ogival, de motivos naturalistas: um convento para retiro de cavaleiros e morada de freiras de clausura, da Ordem de Malta.

Houve o tempo para admirar a chegada do renascimento, e o de outras arquitecturas, que aumentaram a cércea, robustecendo-a, e acrescentando divisões ao edifício. Muitas pessoas caminharam sobre os seus pisos ladrilhados, e outras sob ele se sepultaram. Entre claustros se escreveram páginas de cultura e tradição, da olaria à culinária, e porventura uma ave terá feito o seu ninho no recanto mais abrigado do capitel. E mesmo depois do sismo de 1755 a vida
conventual continuou a sua lenta oração, na mesma solitude dos séculos passados.

A última freira faleceu no final do século XIX, deixando o espaço de ser convento. Ficaram nos frisos as cruzes maltezas, nos tectos os frescos decorativos – ficou o fontanário ao centro do jardim – e quando a ordem foi dada pintaram-se palavras nas cantarias. O monumento converteu-se em Hospital, e assim se manteve até à década de 90.

À volta do convento, em redor da cidade e povoados vizinhos, as pedreiras foram alastrando, espalhando economia e estreitando os seus buracos, por vezes desordenadamente. Paredes nuas, verticais, listradas de argila do solo de cima, que servia para vinhas e olivais: lentamente o Homem descia, cada vez mais tecnológico, lentamente a pedra se içava à paciência das gruas.

Chegaram os anos burocráticos, e demorou algum tempo até que o Museu se inaugurasse. A exposição principal ocupou a sala da antiga Enfermaria, e o dinossauro infiltrou-se entre as arcadas, na parte de fora. Em 2005 abriram-se as portas, e o público pôde visitar um Museu sobre a Terra, geológico, experimental e didáctico, onde a ciência do tempo mais demorado aparecia explicada à velocidade das palavras.

É um dos museus que engloba a rede Ciência Viva. Chama-se Centro Ciência Viva de Estremoz, e está hoje aberto para contar a história dos últimos 4600 milhões de anos – que ditos assim de chofre, numa linha de texto apenas, nem parecem muito tempo…

Fotografia: Centro Ciência Viva de Estremoz