"A minha cozinha tem gosto de subculturas, de territórios invisíveis, técnicas ancestrais, de fumaça (...) de dor, mas também tem gosto de alegria, banana, mandioca, terra quando chove, de um ecossistema de desertos. Há muita poesia na minha cozinha", explica a chef de 59 anos em entrevista à AFP, em Bogotá, capital da Colômbia.
De cabelo vermelho, roupa casual e expressão pensativa, Leonor Espinosa colocou a Colômbia pela primeira vez no atlas gastronómico. Esta segunda-feira (18) recebeu o reconhecimento de Melhor Chef Feminina do Mundo em 2022, em Londres, da influente lista 'The World's 50 Best Restaurants'.
"Vou com este sonho de que seja falada a palavra Colômbia em todo o mundo. É suficiente. Sobretudo num ramo internacional novo para Colômbia", comentou após uma homenagem no Fórum Gastronómico Internacional da Alimentarte.
Espinosa nasceu no município de Cartago, no sudoeste, cresceu em Cartagena das Índias, no norte, aprendeu a cozinhar sozinha, estudou economia e artes plásticas e se aventurou na publicidade antes de saltar para o fogão aos 35 anos.
O restaurante Leo, localizado no bairro central da capital, reivindica os sabores da cozinha autónoma, de raízes indígenas, negras e camponesas, atravessada por mais de meio século de conflito armado.
Receita para o sucesso
Espinosa acredita que uma boa cozinheira é também antropóloga, cientista política e artista. Explora, há mais de 15 anos, os recantos mais profundos da Colômbia, à procura de relatos humanos, etnias diversas, ingredientes nativos e receitas tradicionais.
"A cozinha tem que ser interdisciplinar (...) é necessário experimentar, poder observar, partilhar, transitar nos territórios", argumenta a mulher com um sorriso tímido.
Em 2017 foi reconhecida como a Melhor Chef Feminina da América Latina e, um ano depois, criou a fundação Funleo, trazendo apoio aos pequenos produtores e abrindo espaço para educação, nutrição e turismo em comunidades rurais e esquecidas.
A ideia é "promover o desenvolvimento económico" em "territórios com insegurança alimentar, pobreza financeira, mas grande riqueza cultural, paradoxalmente", sustenta.
Para Espinosa, a melhor cozinha do país é degustada nos povoados, mas "está relegada", "não é reconhecida", "pois até os colombianos preferem comidas de outras culturas".
A Funleo ganhou o Basque Culinary World Prize (2017), um prémio para projetos que promovem melhorias no mundo através da gastronomia.
"Irreverente"
"Combinando uma ampla investigação científica com a inovação culinária, é uma chef autodidata que procura novos conhecimentos, assim como educar outros", afirmou William Drew, responsável pela The World's 50 Best Restaurants, durante o anúncio do prémio em maio.
Em 2021, Leo ocupou o posto número 46 da conceituada lista, que este ano publicou a nova classificação numa cerimónia no dia 18 de julho, em Londres.
Ainda que a gastronomia seja valorizada como requintada pelos comensais, Espinosa não acredita na perfeição de um prato.
"Posso pensar que cumpre as expectativas, que trouxe sonhos para realidade. Mas também gosto de ter a humildade em reconhecer que um prato pode evoluir (...) e nessa evolução também há crescimento", aponta.
Para chegar ao topo, Espinosa teve que percorrer caminhos "empoeirados". Ainda que as mulheres tradicionalmente sejam encarregadas da alimentação, "no mundo da alta gastronomia isso geralmente é tipico da condição masculina, porque são atividades apropriadas por eles e as quais nós mulheres, de alguma maneira, cedemos", incluiu.
"Eu sou eu. E sempre tive claro desde muito pequena que não iria ser o que o outro queria que eu fosse (...) Sou rebelde, irreverente, curiosa", concluiu Espinosa em entrevista.
Ao aproximar-se dos 60 anos, almeja conservar a essência e continuar a inovar. "Cada dia estou mais velha (...) e se não sou original neste momento da vida, quando serei?", indagou sorridente.
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