Primeiro que tudo, aprendi que participar na maior recolha de beatas de cigarro do mundo também pode resultar numa segunda-feira muito dorida. Apanhei à volta de 200 delas da rua, o que dá mais ou menos o mesmo número de agachamentos — para os quais não fiz qualquer tipo de aquecimento.

Em segundo lugar, constatei que há muitas mais beatas descartadas nos nossos espaços verdes do que supunha. O desafio do Andreas Noe começou no sábado e todos podem juntar-se à iniciativa recolhendo beatas em qualquer ponto do país, para depois serem contadas em Lisboa. No meu caso, optei por juntar o útil ao agradável e fazer duas caminhadas de 1 hora cada pela Tapada da Ajuda, um dos maiores e mais resguardados espaços verdes da cidade de Lisboa.

Beatas recolhidas na Tapada da Ajuda
Algumas das beatas apanhadas do chão na Tapada da Ajuda, em Lisboa, este fim de semana créditos: Pedro Neves

A diferença que faz caminhar com um objetivo em mente foi outra das coisas que me surpreenderam. A motivação adicional fez com que tirasse ainda mais proveito da atividade física (ainda que o preço por tantos agachamentos só fosse pago mais tarde) e dos cenários únicos que a Tapada tem para oferecer, sobretudo nesta altura do ano, com a primavera a salpicar de amarelo, laranja e vermelho o habitual postal verde-azul de Monsanto enquadrado pelo Tejo.

Seria de esperar que fosse mais infrequente encontrar vestígios de cigarros numa área tão sensível, mas eles estavam por todo o lado ao longo do meu percurso, feito essencialmente por caminhos em asfalto, onde a circulação automóvel, ainda assim, está condicionada (só a entrada de peões e ciclistas é livre).

Tapada da Ajuda
Um dos cenários primaveris da Tapada da Ajuda créditos: Pedro Neves

Coube-me escrever na semana passada sobre a ação de limpeza aqui no SAPO Viagens e soube imediatamente que era algo em que teria de participar, mesmo sabendo que o pouco lixo que conseguisse apanhar seria uma gota no balde de 1,1 milhões de beatas que o organizador se propôs a recolher durante estes dias com a ajuda dos seus seguidores.

O que me despertou a atenção logo à partida foi a descontração com que Andreas Noe aborda esta problemática ambiental. O sentido de humor e a forma despojada como manuseia o lixo (mergulhando, literalmente, nele, sem medo de se sujar) desarmam rapidamente o cinismo que a ideia de apanhar o lixo dos outros tende inevitavelmente a gerar junto de quem está habituado apenas a pensar no seu pequeno quintal.

Não seria melhor, a longo prazo, sensibilizar diretamente os fumadores para as consequências ambientais de largar no chão todos os dias milhões de beatas (feitas de materiais que não são biodegradáveis e podem vir parar à nossa cadeia alimentar)? É possível, mas não me ocorre o que mais pode ser feito a esse nível que as imagens gráficas nos maços de tabaco já não tenham tentado. Resta o idealismo ligado à ação, bem representado no ativismo de Andreas. A dimensão do desafio, alterar um gesto quase automático para milhões de fumadores, é colossal, mas é encorajador ver que isso não o demove.

Só no final da semana, com todas as beatas contadas, vamos poder associar um número a este esforço coletivo iniciado no sábado. Até lá, as stories no instagram do Trash Traveller, com registos de pessoas em todo o país a apanharem beatas na rua, mostram bem que o seu apelo à ação não deixou de ter resposta. Com ou sem recorde, isso já faz toda a diferença no mundo.