Primeiro que tudo, aprendi que participar na maior recolha de beatas de cigarro do mundo também pode resultar numa segunda-feira muito dorida. Apanhei à volta de 200 delas da rua, o que dá mais ou menos o mesmo número de agachamentos — para os quais não fiz qualquer tipo de aquecimento.
Em segundo lugar, constatei que há muitas mais beatas descartadas nos nossos espaços verdes do que supunha. O desafio do Andreas Noe começou no sábado e todos podem juntar-se à iniciativa recolhendo beatas em qualquer ponto do país, para depois serem contadas em Lisboa. No meu caso, optei por juntar o útil ao agradável e fazer duas caminhadas de 1 hora cada pela Tapada da Ajuda, um dos maiores e mais resguardados espaços verdes da cidade de Lisboa.
A diferença que faz caminhar com um objetivo em mente foi outra das coisas que me surpreenderam. A motivação adicional fez com que tirasse ainda mais proveito da atividade física (ainda que o preço por tantos agachamentos só fosse pago mais tarde) e dos cenários únicos que a Tapada tem para oferecer, sobretudo nesta altura do ano, com a primavera a salpicar de amarelo, laranja e vermelho o habitual postal verde-azul de Monsanto enquadrado pelo Tejo.
Seria de esperar que fosse mais infrequente encontrar vestígios de cigarros numa área tão sensível, mas eles estavam por todo o lado ao longo do meu percurso, feito essencialmente por caminhos em asfalto, onde a circulação automóvel, ainda assim, está condicionada (só a entrada de peões e ciclistas é livre).
Coube-me escrever na semana passada sobre a ação de limpeza aqui no SAPO Viagens e soube imediatamente que era algo em que teria de participar, mesmo sabendo que o pouco lixo que conseguisse apanhar seria uma gota no balde de 1,1 milhões de beatas que o organizador se propôs a recolher durante estes dias com a ajuda dos seus seguidores.
O que me despertou a atenção logo à partida foi a descontração com que Andreas Noe aborda esta problemática ambiental. O sentido de humor e a forma despojada como manuseia o lixo (mergulhando, literalmente, nele, sem medo de se sujar) desarmam rapidamente o cinismo que a ideia de apanhar o lixo dos outros tende inevitavelmente a gerar junto de quem está habituado apenas a pensar no seu pequeno quintal.
Não seria melhor, a longo prazo, sensibilizar diretamente os fumadores para as consequências ambientais de largar no chão todos os dias milhões de beatas (feitas de materiais que não são biodegradáveis e podem vir parar à nossa cadeia alimentar)? É possível, mas não me ocorre o que mais pode ser feito a esse nível que as imagens gráficas nos maços de tabaco já não tenham tentado. Resta o idealismo ligado à ação, bem representado no ativismo de Andreas. A dimensão do desafio, alterar um gesto quase automático para milhões de fumadores, é colossal, mas é encorajador ver que isso não o demove.
Só no final da semana, com todas as beatas contadas, vamos poder associar um número a este esforço coletivo iniciado no sábado. Até lá, as stories no instagram do Trash Traveller, com registos de pessoas em todo o país a apanharem beatas na rua, mostram bem que o seu apelo à ação não deixou de ter resposta. Com ou sem recorde, isso já faz toda a diferença no mundo.
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