Por seis dias, Lisboa não vai ser francesa, nem portuguesa. Vai ser do mundo. E isso faz tremer algo cá dentro. Um certo sentido de normalidade, já muito abalado pelos tempos do confinamento, mas também de autoconfiança. Não queremos deixar ninguém mal, mas os lisboetas sabem, em primeira mão, as dificuldades que enfrentam no quotidiano ao nível da mobilidade, da higiene urbana e cuidados de saúde. O que acontecerá quando esses serviços forem levados ao limite por um milhão a mais de pessoas?

Ao final da tarde de ontem, o contador na Praça do Rossio mostrava que faltavam 5 dias para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e na Baixa lisboeta, pelo menos, os preparativos para receber o grande evento já eram visíveis um pouco por todo o lado.

A zona ribeirinha era, como sempre em Lisboa, a mais movimentada da cidade, muito por conta, ainda, dos turistas, embora algumas dezenas de voluntários já se destacassem com as suas t-shirts e mochilas amarelas. Na Praça do Comércio, o sinal mais óbvio de que algo está prestes a acontecer consistia no enorme casulo preto já montado de um palco num dos cantos do espaço, onde terão lugar alguns concertos.

Mais à frente, na Ribeira das Naus, era impossível ignorar os sucessivos cartazes fluorescentes a alertar quem ali passa para a “proibição” de nadar no Tejo, que pode muito bem vir a ser a maior tentação nos dias quentes, e sem sombra, que se avizinham.

A proibição é prudente, ainda que pareça algo caricata quando, pouco adiante, chegamos ao Cais do Sodré, onde está montado um autêntico bar ao ar livre, a metros das águas do rio. Esta multidão, formada por várias nacionalidades, não parece precisar de avisos. A maioria parecia ainda rendida àquele estado de espírito inspirado pelo pôr-do-sol, entre a canseira do passeio da tarde e a incógnita de saber onde jantar a seguir.

A preparação para a JMJ aparece ali sob a forma de uma barreira de pessoas de coletes refletores com a indicação nas costas de “Higiene Urbana”. Trazem consigo caixotes com rodinhas e vassouras para o lixo, enquanto conversam animadamente entre si, aparentemente indiferentes à atmosfera de sunset urbano em redor. Será a estas pessoas, a par de outros milhares de voluntários e trabalhadores essenciais, que o evento vai dever a sua boa realização.

A ansiedade não está à vista, mas as notícias sobre o êxodo esperado no centro da cidade, de residentes e trabalhadores de escritório, sugerem que poucos estão interessados em ficar para ver como o grande encontro da juventude corre. A lista de coisas que podem dar para o torto é preocupante, como em qualquer evento de grandes proporções, mas a JMJ é nova a Lisboa e parece não encaixar bem em qualquer categoria de evento visto até aqui na capital. Na duração, parece um festival de música de proporções épicas, patente na fila interminável de WCs portáteis alinhados no Parque Tejo. No potencial para caos, está em território desconhecido, mas eventualmente comparável ao último dia da Expo'98 (multiplicado por 6 ou 7 dias).

É estranho, de resto, estarmos perante esta “paragem provisória” na vida da cidade, para tomar emprestada a escolha certeira (e provavelmente acidental) de palavras da Carris. Não parece ajudar o facto de muitos não sabermos sequer do que trata a JMJ, além da visita do Papa e da controvérsia em volta do altar-palco (que podia ser a primeira entrada na lista de possíveis palavras do ano). O tema desta edição consiste simplesmente numa citação bíblica escolhida pelo próprio Papa Francisco, que mais parece uma didascália: «Maria levantou-se e partiu apressadamente». Uma frase que parece ter ficado inacabada e cuja explicação não parece trazer grande luz ao que pode ser dito ou avançado durante estes 6 dias, além do convívio animado entre jovens.

O desconhecimento e a ansiedade, claro, podem converter-se rapidamente em curiosidade e animação, à medida que os peregrinos começarem a encher as ruas. Podemos chegar a dia 6 e olhar para trás com a satisfação de termos estado “ali”, novamente no centro do mundo (católico, pelo menos) e o alívio de tudo ter corrido (mais ou menos) bem.