Se o Porto tem "os putos da Ribeira", com os seus saltos para o Douro, Lisboa tem os putos do Torel, um jardim no meio da cidade onde é possível mergulhar no verão. O João Pedro passou por lá, em junho, e apanhou um desses saltos. Para este Como fiz esta fotografia, pedimos-lhe que nos contasse como faz fotografia de rua.

Texto e fotografia por João Pedro Almeida

Esta foto nasceu de um acaso. Poderia facilmente ter saído de uma das minhas saídas de máquina em punho, que faço frequentemente um pouco por toda a Lisboa. Mas neste caso foi um puro acaso, um compromisso perto que, sem planear, me levou ao Jardim do Torel num sábado de Verão.

A fotografia de rua é algo que sempre me atraiu, aquele ir atrás da espontaneidade das coisas do quotidiano e poder congelar momentos aparentemente sem importância, pequenos fragmentos e apontamentos.  É algo que faço com frequência não só na cidade de Lisboa, onde vivo, mas uma boa parte da minha experiência em viagem também passa muito por isto: o deambular nas ruas, sem rumo ou tema, apenas indo atrás da melhor luz, das situações que poderão dar uma boa foto ou apenas do instinto. Normalmente é mais o instinto a ditar o passo a seguir, aquela sensação no estômago que nos faz dizer que é melhor esperar um pouco num dado lugar (e eu nem sou um fotógrafo muito paciente), que nos faz virar por uma rua ao invés de outra, apesar de aparentemente serem as duas iguais. Aquele que nos faz estar no sítio certo quando coisas efémeras acontecem. É certo que a experiência acaba por criar uma memória muscular para todo este lado técnico, até chegar a um ponto que já nem se pensa nele, mas o lado de intuição sempre teve uma influência grande no meu processo fotográfico.

Este lado imprevisível e sem preparação da fotografia, onde boas imagens podem estar em qualquer lado e acontecer a qualquer momento, faz com que seja normal ter uma máquina fotográfica comigo, mesmo quando esse não é o propósito principal. No limite o telemóvel, e muitas vezes é mesmo a ferramenta que está mais à mão, mas bastantes vezes uma máquina mais "a sério".  Isto pode acontecer, por exemplo, numa ida para o escritório ou numa saída com amigos.

E foi assim que fui parar ao Jardim do Torel num sábado de Verão:  um plano normal de fim-de-semana, encontro de amigos para colocar a conversa em dia, à volta de umas cervejas numa esplanada num dia de calor. A máquina fotográfica estava comigo, até porque é bastante frequente ir tirando fotografias das pessoas à minha volta nestes momentos. Mas todo aquele ambiente em torno do Campo Mártires da Pátria nesse dia estava a deixar-me bastante curioso, em especial o lago transformado em praia urbana no Jardim do Torel. Já tinha feito algumas fotos enquanto caminhávamos um pouco por ali, antes de sentar na esplanada que parecia mais aprazível, mas quando chegou a altura de ir embora era claro para mim que havia algo interessante ali.

Fiquei mais um pouco, por minha conta, livre para ir onde a luz, as situações ou apenas o instinto me levasse. E fui andando pela zona até chegar ali, até chegar à "praia", e por ali fui ficando. Sem pressas, e também para não ser demasiado agressivo e intrusivo, fui andando atrás das diferentes perspectivas e ângulos, que normalmente a melhor foto não é a mais imediata. Obviamente os miúdos que se atiravam do topo de uma das estátuas eram um tema que não podia resistir, e assim acabei por fazer vários disparos. Sendo este um desses.

Esta foto nasceu de um acaso, no sentido que surgiu de algo totalmente não planeado. Mas é também o resultado dos anos que já vou fotografando, e da experiência acumulada, que me faz querer ter sempre uma máquina comigo, não vá aparecer algo à frente que valha a pena fotografar.

Sou fundamentalmente um fotógrafo de viagem e documental, e tenho fotografado continuamente desde a adolescência, ainda que a frequência e regularidade tenha flutuado bastante, tendo inclusive flutuado diferentes géneros. Nos últimos anos tenho focado mais em projetos documentais, como as tradições de máscaras de origem pagã na Península Ibérica, mas quando não estou a trabalhar num deles o mais provável é estar numa rua qualquer de Lisboa à procura de momentos como este.

Podem espreitar mais fotografias do João na sua página no Flickr.

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