O Ilhéu da Cal, visto do Miradouro das Flores, na costa oeste de Porto Santo.
Talvez por me sentir tantas vezes o Coelho Branco, do livro Alice no País das Maravilhas, que entrava em pânico todas as vezes que olhava o relógio, gritando “É tarde! É tarde! É tarde!...”, assumo que costumo questionar-me sobre que memórias o Viajante X conservará daqui a uns bons anos. E quase sempre imagino que todas essas reminiscências se revelarão através de uma porta imaginária que se abrirá da sala de relógios do avô Carlos e da avó Graça, ou não demonstrasse o X, desde cedo, peculiar interesse pelo “tique-taque” dos múltiplos medidores do tempo que ali se mostram alheios à passagem transitória da vida.
Entre começos e finais, a verdade é que aqueles vaidosos relógios de parede precisam de alguém que lhes dê corda e os vá acertando, ou também eles morrem, não sendo escassas histórias de relógios que se calam perpetuamente no momento em que o seu senhor morre. E nisto ganhamos a consciência plena que até os inspetores do tempo podem ser engolidos pela finitude!
Ainda que já atingida por esta reflexão no Miradouro das Flores, um soberbo ponto de vista para o Ilhéu da Cal e no qual é possível apreciar a estátua do pintor Francisco José Peile da Costa Maya, que pediu para ser sepultado no mar entre este ponto e o Ilhéu de Ferro, confesso que esta fieira de pensamentos arrebatou-me na selvagem, pequena, e ainda secreta praia do Zimbralinho, entre o Pico das Flores e os Morenos.
ganhei a certeza de que o Zimbralinho é (para mim…) o canto mais bonito da ilha
Rodeada de falésias gigantes e com uma pequena baía de calhau, elemento distintivo do arquipélago, foi naquele tesouro balnear com um mar azul-turquesa, que eu própria me senti estremecida pelo remoinho dos anos, dos meses e dos dias. Apenas acessível a pé, a exigência do seu trilho faz com que se torne inimiga das massas, mas permite espaço para a contemplação. Apesar de ter o Porto das Salemas no coração, ali ganhei a certeza de que o Zimbralinho é (para mim…) o canto mais bonito da ilha. Confesso que das vezes que lá voltámos senti sempre dificuldade na despedida, como se aquele lugar soubesse mais de mim do que seria esperar, além de que me fez reviver tantas outras memórias de sítios longínquos…
Apesar da hesitação, o calor estival que naqueles dias se fazia sentir, obrigava-nos a deixar a praia e seguir até ao norte do Cabeço das Flores, à Zona de Lazer de Morenos, um invulgar local de piqueniques. Esta zona caracteriza-se pelas suas arribas litorais que exibem uma expressiva rede de filões que cortam rochas vulcânicas de natureza submarina a subaéreas, onde se observam estruturas com disjunção prismática, localmente denominadas de “pedra navalheira”, que no fundo são resultado das várias etapas vulcânicas que levaram à formação da ilha dourada.
Assim foi à beira destas denticuladas falésias vulcânicas e na generosa sombra de oliveiras, pinheiros e dragoeiros que comemos bolo do caco e mais alguns petiscos, acompanhados de uma refrescante Brisa, sem que o tempo parecesse importar... Ainda ali, conduzimos e caminhamos até ao Miradouro do Furado Norte e ao Miradouro da Ponta da Canaveira, onde se avista o Ilhéu de Ferro e, com sorte, a costa norte da ilha da Madeira. E que afortunados fomos!
Aqui sentados a olhar o horizonte, aproveitando o silêncio da sesta do Viajante X, e novamente com o som de relógios da minha mente, recordei um artigo que referia como Francisco José Peile da Costa Maya se apropriou do mar para distinguir a sua pintura, preferindo técnicas que nos remetem para a necessidade de apreciar a sua arte à distância, pois só assim seriamos capazes de admirar o seu especial talento para captar a inquietude e a vibração das águas sempre em movimento… E, naquele instante, senti o tempo assim: longe, inquieto e vibrante, tal como o mar retratado. Abracei o Viajante Ilustrador, e raios! Como desejei que a minha pressa acalmasse, e o relógio simplesmente atrasasse…
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