Antes de entrar na Casa da Guitarra, é quase obrigatório caminhar mais um bocadinho e ir ver o Douro a partir do tabuleiro superior da Ponte Dom Luís ou então ir espreitar a Sé Catedral – cenários que combinam bem com o rendilhado de notas que saem dos instrumentos que estamos prestes a conhecer.
Entre estes dois marcos do centro histórico da Invicta, a Casa da Guitarra é um espaço que reúne várias valências, como explica Alfredo Teixeira, o criador do projeto. Nasceu numa altura (em 2012) “em que não era tão comum as pessoas estarem muito preocupadas com os instrumentos tradicionais portugueses” e com o objetivo de ser “um ponto de encontro das pessoas que gostassem dos cordofones”.
“Um projeto onde se pudesse reunir os vários instrumentos de corda portugueses que são muitos, desde às várias violas, cavaquinhos, guitarras portuguesas, temos uma riqueza muito grande; construir, porque eu também construo, vender; tocar e ter aulas”, enumera Alfredo Teixeira.
Já lá vai o tempo em que o Porto era um centro “pujante” de construção de instrumentos. Facto que muitas pessoas desconhecem.
“A nossa grande inspiração foi a escola de construção de instrumentos que havia no Porto e chegou a ser muito pujante, houve uma determinada altura, finais do século XIX e meados do século XX, em que era mesmo um grande centro de produção de instrumentos. E era aqui nesta zona da Sé que tudo acontecia. Eu gostava de ter um sítio que mostrasse esta história, para as pessoas saberem que faz parte do nosso património enquanto cidade”, realça Alfredo.
Pelas paredes da Casa da Guitarra esta história é também contada, entre vários exemplares de cordofones, alguns que até já estiveram à beira da extinção. “A rabeca chuleira, um violino pequenino, que é daqui da nossa zona e vai até Amarante e Baião, usado para tocar a chula. Agora já está a ser tocado outra vez e construído”.
Houve uma altura em que Alfredo pensou que este pedaço do património cultural português se fosse perder, mas, de uns anos para cá, está a haver “um renascimento do interesse por estes instrumentos nas várias regiões”. Há cada vez mais pessoas a tocar e a construir.
Alfredo é também um violeiro, um construtor de guitarras portuguesas, sobretudo, e também constrói violões (guitarras clássicas) e bandolins. Começou por tocar violino e bandolim, mas sempre teve um fascínio pela música tradicional.
Quando era miúdo houve uma cena que o marcou para sempre, o momento em que conheceu duas oficinas de violeiros portuenses. “Um deles aqui na rua Mouzinho da Silveira, que era a Casa António Duarte, e o outro era na rua Costa Cabral, o Domingos Cerqueira. Era uma oficina como deve ser, cheia de instrumentos e pó, e sempre com pessoas a tocar. Eu vi isso quando era miúdo e isso ficou-me na cabeça”, conta.
Na Casa da Guitarra também encontramos um espaço onde é possível ver as diferentes fases da construção de uma guitarra portuguesa, instrumento que teve sempre muito sucesso muito devido ao fado. Quem visita o espaço fica também a saber que “em Portugal não existe só fado, o fado é uma percentagenzinha, mas existe muito mais música tradicional em Portugal. E muitos cordofones. Mesmo na Europa, já não existem tantos cordofones. No Brasil existem, descendentes dos portugueses, mas na Europa já não existem”, salienta Alfredo.
Não só para o Brasil foram os instrumentos portugueses, há um, hoje mundialmente conhecido, que também foi na bagagem de madeirenses para um arquipélago bem distante, o Havai. O ukulele, um dos instrumentos mais vendidos na Casa da Guitarra, além da guitarra portuguesa e dos violões, é descendente direto da braguinha e do rajão, instrumentos de corda da Madeira. “Havia o culto da música em todo o lado, por isso era normal que as pessoas a levassem para onde quer que fossem”.
Para completar a visita, a Casa da Guitarra transforma-se, todos os dias, em sala de espetáculo, e pode ficar para assistir o fado, num ambiente intimista em que a música é mesmo a principal protagonista e onde Alfredo Teixeira participa a tocar guitarra portuguesa, juntamente com outro músico e uma ou duas fadistas. Pode saber mais informações aqui.
Da próxima vez que ouvir o som dos acordes de um cordofone português, vai, com certeza, senti-lo de outra forma.
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