Passar um fim de semana alargado ou uns dias de férias na Terra Quente Transmontana pode vir a revelar-se uma experiência inesquecível. Vamos por partes! Comecemos pelos municípios: Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Macedo de Cavaleiros, Mirandela e Vila Flor. A partir daqui, todos os roteiros são admissíveis. Não importa se começa em Carvalho de Egas e termina em Sambade, se passa por Podence ou almoça no Freixiel. O importante é ir, partir à aventura e descobrir as particularidades e potencialidades de cada uma das aldeias, vilas ou cidades do território.
Fomos embalados pela expectativa da Rota Saber Fazer. Tudo o que passa por explicar e ensinar, numa conjugação perfeita de contemporaneidade e tradição, deve ser preservado e promovido. São as mãos e os olhos dos que nos recebem que contam a sua história. As palavras servem apenas para preencher vazios que não se fazem sentir, quando, atentos ao que nos rodeia, percebemos o quanto outras pessoas nos podem erudir. A Rota Saber Fazer na Terra Quente Transmontana passa muito por aí: pelas histórias perenes de quem tece, pinta, carda, preserva ou redescobre tradições. Mais ainda, por aqueles que partilham com os outros o Saber Fazer, que também lhes foi partilhado, em testemunhos singulares que o tempo não consegue apagar! Enquanto houver quem saiba ensinar e quem queira aprender…
A Rota Saber Fazer tem o seu epicentro no artesanato, na tradição e na memória, mas veste-se de modernidade e apresenta-nos, não só os artesãos, como a gastronomia e a arte de bem receber da Terra Quente de Trás-os-Montes. Prepare-se, o melhor está sempre porvir.
Lamas de Orelhão, Mirandela
A arte da tecelagem em lã natural está nas mãos de Fátima Gomes, ex-emigrante em França, voltou à Terra Natal e reencontrou a arte do tear, legado da mãe. A simplicidade com que nos conta que a lã de ovelha Churra Badana não tem, nos dias de hoje, qualquer interesse e que muitos pastores simplesmente «a deitam fora». Sabe de cor o processo de lavar, cardar, fiar, tecer e arrematar os tapetes e dá vida a peças únicas, que apenas um trabalho manual pode criar. Os seus magníficos tapetes viajam pelo mundo. Confessa, orgulhosa, que há mais de cinco anos que faz, anualmente, cerca de uma centena de tapetes para o Japão.
Fátima Gomes “nasceu no tear” e, volvidas quase sete décadas, é a última tecedeira de Mirandela.
Freixiel, Vila Flor
Bruno Pires, homem do campo e da agricultura, nasceu com alma de artista. Os caroços de azeitonas e cerejas são rosários e jóias, nas suas mãos. Pedra, madeira e outras matérias-primas naturais bastam-lhe, para criar as peças e dar largas à imaginação.
Nesta Rota, a experiência passa pelos trabalhos em ráfia, produto usado nos enxertos, com uma agulha distinta que o próprio adaptou e que lhe permite, ponto por ponto, bordados laboriosos e singulares, feitos com paixão… pela arte e pela terra!
Freixiel, classificada na rede Aldeias de Portugal, carece de visita exploratória, pelas vielas silenciosas, onde o pelourinho, a fonte ou o lagar romanos nos contam estórias e nos obrigam a erguer os olhos para o promontório, onde está a “Portela da Forca”, com dois pilares graníticos, com cerca de três metros sobre as quais assentava uma trava com garrote. A punição dos “criminosos”, bem visível pela população de Freixiel, é parte de uma História que ninguém pode apagar.
Valtorno, Vila Flor
A Rota do Saber Fazer leva-nos à Quinta do Pombal, onde Christophe Monteiro e a esposa Alexandra Araújo se dedicam à produção artesanal de produtos à base de amêndoa. A jornada começou com a venda da amêndoa ao natural e abriu portas à transformação de receitas tradicionais e à criação de novos produtos, como a manteiga da amêndoa, a amêndoa de chocolate preto, a farinha de amêndoa, a amêndoa de chocolate branco e coco, entre outros produtos artesanais. O jovem casal aumentou a área de plantação de amendoeiras e dedica-se também à apicultura, com mel de rosmaninho ou mel multifloral no catálogo, e ainda, à produção de mirtilo.
Carvalho de Egas, Vila Flor
Francisco Taveira, um jovem de 28 anos, entrou há uma década na arte da Tanoaria. A “Tanoaria Bons Velhos”, sob o mote «A Arte da Tanoaria feita como nos Bons Velhos Tempos», faz-nos crer que (alguma) tradição ainda pode ser salva, por mãos jovens que manejam aduelas, fundos e arcos de tonéis, alguns deles centenários, para maturação e envelhecimento de vinho. A precisão com que desmonta um barril e nos mostra o trabalho manual de reparar cada um dos seus elementos, para voltar, hábil e rapidamente, a montar a pipa, que o tempo urge e as encomendas são muitas. Ainda bem!
Numa atividade onde entrou a convite de um amigo, Francisco, mesmo sem o ter planeado, dá nova vida aos tonéis e entrega-se à arte da Tanoaria, com uma paixão que lhe traçou um novo caminho.
Vilarinho de Castanheira, Carrazeda de Ansiães
No Museu da Memória Rural, o “Projeto de Memória” regista em fotos e filmes a memória histórica da região duriense e transmontana, pelos relatos e retratos dos habitantes da região. Nas paredes, os fotos de rostos que deram vida a uma profissão, perpetuados pela magnífica iniciativa que devolve aos nossos dias labores como o ferrador, o funileiro ou o moleiro.
Carrazeda de Ansiães afirma-se como “Território Musealisado”, com Telheira de Luzelos, Núcleo Lagar do Azeite, Núcleo Moinho de Vento e Núcleo Moinhos de Rodízio, com registos sobre o barro, a azeitona, as moagens e outras atividades da região.
Foz Tua, Carrazeda de Ansiães
A antiga casa dos cantoneiros serve hoje a promoção de vinhos e outros produtos do concelho, no espaço Foz-Tua Wine House, com sala de exposição e venda de produtos locais, com uma esplanada sui-generis, onde se avistam os rios Tua e o Douro. A tábua de enchidos e queijos, regada com os melhores vinhos da região, é a companhia perfeita para admirar as paisagens circundantes, que as palavras não fazem juz, mas são os spots ideais para selfies e likes #CasadosCantoneiros #Foz-TuaWineHouse.
Podence, Macedo de Cavaleiros
Os Caretos de Podence, considerados Património Cultural Imaterial da Humanidade, dispensam apresentações. A aldeia, com cerca de 200 habitantes, integra as Aldeias de Portugal e recebe, no entrudo, milhares de visitantes.
Se puder, passe por lá, noutra altura do ano, para poder apreciar calmamente os belíssimos murais que dão cor à aldeia e experienciar a oficina “Pinta a tua Máscara”.
A ribalta, desta feita, vai para Sofia Pombares, que perpetua a memória, os sonhos e os projetos do marido, recentemente falecido, Luís Filipe Costa. A Quinta do Pomar oferece, para além da possibilidade de pintar a máscara do Careto, uma belíssima loja artesanal, com todo o tipo de produtos associados a este Património. Ali se fazem os trajes completos dos Caretos, que hão-de “atormentar” a aldeia. O espaço inclui duas casas típicas transmontanas de alojamento local, um parque de campismo, e glamping, com a indescritível determinação e resiliência da jovem Sofia, de 24 anos.
Sambade, Alfândega da Fé
No Centro Interpretativo de Sambade, Lúcia Morais é a artesã anfitriã. Professora primária reformada, dedicou-se à renda e ao croché, para mitigar a dor da perda do marido, há dois anos. Apaixonada, desde sempre, por trabalhos manuais, as suas bonecas de renda são de uma delicadeza, simplicidade e beleza, que torna cada uma delas única.
Na Rota do Saber Fazer os animais em croché e as fadas em feltragem são obras de artes ímpares, de mãos hábeis, habituadas a ensinar.
A fechar, porque um final perfeito se faz ao som de um acorde musical, Aníbal Pereira. Guitarra portuguesa, cavaquinho, guitarra clássica, bandolim: perdeu a conta dos quantos já lhe saíram das mãos. Com encomendas nacionais e internacionais, Aníbal dedica-se profissionalmente à produção de instrumentos musicais únicos, num processo manual que lhe apurou os sentidos e o levou a combinar o cavaquinho e o bandolim, num só instrumento musical.
Viajamos a convite da Associação de Municípios da Terra Quente, que na página Rota do Saber Fazer partilha roteiros, programas, artesãos e parcerias que promovem esta rota, com a imprescindível lista de contactos, para que possa, a partir de agora, traçar o seu roteiro pessoal. Boa viagem!
Onde comer
Restaurante Dona Antónia, Macedo de Cavaleiros
Tem por lema «Não existe amor mais sincero do que aquele pela comida», pelo que, pouco mais há a ser dito. Com uma decoração rústica, o espaço onde a tradição e as novas técnicas se fundem, apresenta um menu diversificado, onde o javali à transmontana, servido em panelas de ferro fundido e os nacos com migas são “cabeças de cartaz”. Não posso deixar em branco a sobremesa, sem destacar o maravilhoso creme de arroz com maçã caramelizada, uma das melhores iguarias de sempre.
Quinta do Palame, Freixiel
Alojamento de agroturismo com seis quartos e programas dedicados. Um convite ao descanso e ao repasto, regado com os vinhos de produção própria.
Restaurante Beira Rio, Foz-Tua
Um atendimento simpático aliado a uma paisagem privilegiada sobre o rio, onde o destaque vai para o costeletão e o naco, depois da alheira caseira e do peixe do rio, pontuados com fruta da época ou sobremesas tradicionais.
Hotel & Spa Alfândega, Alfândega da Fé
A Antiga Estalagem Senhora das Neves, palco de telenovelas, de vendas, concessões e retrocessos, tem uma vista única para o Vale da Vilariça, de perder o fôlego.
O restaurante, com menu tradicional, potencia os produtos regionais.
Onde dormir
Hotel Muchacho, Macedo de Cavaleiros
Situado no centro de Macedo de Cavaleiros, o ambiente familiar faz-se sentir num riquíssimo pequeno almoço tradicional. Os quartos, cuja decoração especial, dão o conforto de casa, com varanda com vista para a cidade, são acolhedores, limpos e convidativos.
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