Para quem não te conhece, o que consideras mais importante sabermos sobre ti? E como se insere o uso da bicicleta no teu quotidiano habitual?

Sou a Inês, 33 anos, sou ambientalista e trabalho na área da Sustentabilidade. Comecei a usar a bicicleta como meio de transporte em 2015, num percurso quotidiano entre Almada e Lisboa e foi aí que percebi a importância da bicicleta enquanto elemento-chave na transição para uma mobilidade urbana mais sustentável. Tornei-me activista por cidades mais amigáveis para quem anda a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, e fui aprofundar os meus conhecimentos nesta temática, tendo terminado recentemente um mestrado em urbanismo sustentável e ordenamento do território. Neste, investiguei sobre o tema da disparidade de género na utilização da bicicleta, dado que há menos mulheres a usar este meio de transporte, os vários motivos que levam a esse problema e algumas possíveis soluções para o mitigar.

Como surgiu a ideia de ciclares da Guarda a Castelo Branco? Já tinhas tentado uma viagem assim?

Aprendi a andar de bicicleta há cerca de 10 anos, já em adulta, e comecei a fazer viagens de cicloturismo em 2017. Já gostava de acampar nas férias, a ir de carro, e quando aprendi como o poderia fazer com uma bicicleta, fiquei fã.

O truque é ter o equipamento adequado: tenda mais pequena e leve, saco-cama menos volumoso, ter uma grelha na bicicleta onde se possa fixar e transportar o material, e claro, uns alforges (malas que vão na bicicleta) de boa qualidade, impermeáveis (porque pode chover) e que permitem transportar tudo o que é necessário para fazer uma viagem de bicicleta com campismo. Um exemplo da pouca bagagem que transporto numa típica viagem bicicleta-campismo.

Mapa de uma viagem de bicicleta pelo centro do país
O percurso de 230km que a Inês fez de bicicleta entre a Guarda e Castelo Branco ao longo de 6 dias

Algumas vezes vou neste tipo de viagens acompanhada, e outras vezes vou sozinha. Nesta viagem da Guarda até Castelo Branco, fui sozinha, só eu, a minha bicicleta e a minha tenda.

A maior viagem que fiz foi durante 16 dias, a pedalar na costa litoral desde Viana do Castelo até Lagos. Tenho um mapa das minhas viagens de cicloturismo.

Algumas dicas para quem queira viajar de bicicleta e não sabe por onde começar: existem guias de apoio a viagens de cicloturismo, como o das Ecovias de Portugal, onde é possível fazer download dos trajectos e depois ir a vê-los no mapa, no telemóvel, durante a viagem. Ter um suporte para telemóvel no guiador da bicicleta é essencial.

Existe ainda toda uma comunidade de apoio a este tipo de viagens e mobilidade, como alguns grupos no Facebook onde se pode recolher ideias, sugestões e tirar dúvidas sobre percursos e equipamentos. Alguns exemplos: Rede Nacional de Cicloturismo, Portugal Bikepacking e A bicicleta como meio de transporte.

Que género de bicicleta levaste contigo?

A minha (única) bicicleta é de trekking, que me permite rolar bem em estrada e aguentar alguns percursos em off-road, seja caminhos de terra batida ou pedra. É a bicicleta que uso para fazer os meus trajectos de quotidiano urbano, como casa-trabalho, casa-faculdade, casa-compras ou casa-lazer.

A bicicleta da Inês
A bicicleta de trekking que a Inês levou na sua viagem créditos: Inês Sarti Pascoal

Como descreverias o grau de dificuldade desta viagem?

Para alguém que não utilize nunca a bicicleta em percursos quotidianos, de lazer ou desportivos, uma viagem de bicicleta de vários dias pode ser um desafio maior, dado o corpo não estar habituado ao equipamento e à posição. O contacto prolongado com o selim pode também provocar algumas dores, mais pronunciadas numa fase inicial. Julgo ser um processo de habituação do corpo à mobilidade em bicicleta, que rapidamente se converte numa viagem agradável.

Para pessoas iniciantes, eu sugiro iniciar com viagens de fim-de-semana, de 1 a 3 dias. A ecopista do Dão, de Santa Comba Dão a Viseu, é um dos caminhos mais agradáveis e fáceis que já fiz, e tem infraestrutura dedicada a caminhantes e pedalantes.
Há estação de comboio em Santa Comba Dão, pelo que dá para ir e voltar no dia seguinte.

É possível fazer a intermodalidade das viagens de bicicleta com comboio ou autocarro. Para mim, é muito mais prático transportar a bicicleta no comboio. Reservando o bilhete num comboio Intercidades, com transporte de bicicleta, é gratuito e não tem de se desmontar a bicicleta.

Nos autocarros da Rede-expressos é também possível, mas apesar de as viagens serem mais baratas, tem de se pagar um extra de 5€ para transporte de bicicleta e tem de ir com a roda da frente desmontada e a bicicleta acondicionada num saco. Já o fiz e não é prático, mas para quem tem facilidade em montar/desmontar rodas de bicicletas pode ser uma boa opção.
Condições para transportar bicicleta nos comboios e bicicleta nos autocarros

Pelo que li, privilegiaste caminhos alternativos sempre que possível, evitando assim estradas mais movimentadas. Quando isso não foi possível, o que achaste da convivência do automóvel com a bicicleta?

Dado que a maioria dos municípios não tem infraestrutuas adequadas para a mobilidade em bicicleta, de forma segura, prática e cómoda, as estradas alternativas podem ser uma boa solução para queira pedalar de forma mais segura. Ou seja, ir por estradas que não são as principais e que têm menos trânsito rodoviário. O problema desta opção é que os trajectos ficam mais longos, o que para quem está a pedalar com a sua própria energia pode ser um desafio adicional. As localidades do interior têm, geralmente, menos trânsito e são melhores para pedalar.

Espero que um dia tenhamos infraestruturas cicláveis, como por exemplo ciclovias, a fazer as ligações intermunicipais, para que a bicicleta possa de facto ser vista como forma de deslocação. Beneficiarmos de uma ferrovia com um serviço de maior qualidade, e que chegue a mais cidades portuguesas, para que esta intermodalidade possa ser mais fácil, seria um futuro ideal.
A título de exemplo, para esta viagem tinha planeado começar a pedalar no Sabugal e comprei a viagem de comboio para o Sabugal. O que eu não sabia era que a estação fica a 30km do centro de Sabugal! … eh eh eh Que planeamento territorial terrível e que comunicação desadequada por parte da CP:)

No teu instagram, descreves estas férias como sustentáveis. Podes enquadrar esta preocupação que tiveste com a sustentabilidade e há quanto tempo a tens?

Para mim, férias sustentáveis é utilizar formas de mobilidade que prejudiquem o menos possível o ambiente, produzindo menos resíduos, apoiando os negócios locais, estar em harmonia com o meio envolvente. Ora, para usar formas de mobilidade sustentável, apanhei o barco da Transtejo para fazer a travessia do rio Tejo, e o comboio CP em Santa Apolónia, que me transportou até à estação do Sabugal/Barracão. A partir daí, vim a pedalar na minha bicicleta, até chegar à estação de Castelo Branco, onde apanhei o comboio de regresso a Lisboa.

Fiz cerca de 35km por dia, pernoitando em diferentes locais. Passei pelas terras: Barracão, Rapoula do Côa, Vale das Éguas, Sabugal, Sortelha, Meimão, Penamacor, Penha Garcia, Monsanto, Idanha-a-Velha, Idanha-a-Nova e Castelo Branco, num total de 6 dias de viagem, 230km pedalados e mais de 3600m de subida! Muitas visitas a castelos e aldeias históricas durante a noite e banhos em praias fluviais e barragens durante o dia.

Um dos truques para se conseguir viajar de forma sustentável é transportar pouca bagagem. A simplicidade de transportar pouca roupa, poucos objectos. Até porque quando pedalamos, quanto mais leve formos, menos custa em termos físicos.

De modo a produzir a menor quantidade de lixo possível, transporto sempre comigo a minha garrafa reutilizável, que me permite ir enchendo com água nas fontes que existem nas aldeias, assim não compro garrafas de água! A nossa água em Portugal é fantástica para beber, na maioria das zonas. Por onde pernoito, tenho o cuidado de nunca deixar qualquer tipo de lixo, e por vezes até recolho resíduos que outras pessoas deixaram. Se tiver embalagens, papéis ou vidro, transporto-os sempre comigo até ao próximo eco-ponto.

Por fim, gosto de apoiar a economia local, comendo em cafés, tascas e restaurantes das aldeias e cidades por onde passo.
Não esquecendo a vertente económica da sustentabilidade, viajar de bicicleta é das formas mais baratas para percorrer muitas paisagens, a um valor monetário muito reduzido. Não tendo de pagar combustível, portagens, estacionamento e manutenção da viatura, ou mesmo o aluguer de um carro, fica uma viagem muito acessível. O que nesta altura de crise económica, que afecta sobretudo a população mais jovem, é um aspecto a ressaltar.

Por fim, o que se segue? Ficaste com vontade de repetir ou tentar outra viagem do género? Já tens algo em vista?

Próximas férias, serão certamente de comboio e bicicleta. Ainda tenho muito por descobrir de Portugal, em bicicleta!

A bicicleta permite viajar de forma muito sustentável, eficiente, económica e em harmonia com o meio natural e populações locais. Aceitem o desafio e aproveitem as férias de bicicleta!

Obrigado, Inês! Podem seguir as viagens da Inês no seu instagram.