Natural de Peniche, Ângela percebeu, desde cedo, que explorar o mundo era algo que gostaria de fazer. Mas foi durante a pandemia e depois de uma viagem a solo pela Índia que surgiu a ideia de começar a partilhar as suas viagens através do projeto Blonde Around the World.

"Como viajo muito para destinos menos convencionais, gosto de mostrar o lado humano dos lugares que visito, tentando inspirar os outros a conhecerem novas culturas, indo para além do óbvio", conta a nossa Viajante do Mês de setembro.

Como/quando começou o “bichinho” das viagens?

Na minha infância viajava com os meus pais por Portugal e Espanha, em road trips de família. Lembro-me de levar o mapa de papel na mão e de ir ajudando o meu pai a encontrar o caminho, já que na altura (década de 80) os GPS que conhecemos atualmente não existiam. Acho que o “bichinho” se entranhou em mim nessa altura, ainda que as viagens fossem curtas e dentro de um ambiente que me era familiar.

À medida que crescia, fui percebendo que explorar o mundo era uma coisa que queria muito fazer. Sempre fui apaixonada por geografia, culpa também em parte destas viagens em família, nas quais para passarmos o tempo na estrada brincávamos ao jogo “adivinha a capital do país”, ou “qual é o rio que passa na cidade A ou B”. Fui percebendo que o mundo era enorme e que havia muito para descobrir.

Aos 18 anos, inscrevi-me numa viagem à Itália, com jovens de toda a Europa, e, mesmo não conhecendo os companheiros de viagem, decidi que seria uma boa oportunidade para abrir horizontes. A experiência foi tão marcante, que até hoje não parei de aventurar pelo desconhecido.

Como surgiu a ideia para o projeto “Blonde Around the World”?

O projeto nasceu em 2021, depois de uma viagem à Índia que fiz sozinha em março de 2020, já em contexto de pandemia. Foram muitos os que tentaram dissuadir-me de ir nessa viagem, com os mais variados argumentos. Ainda assim decidir ir.

Quando voltei tinha uma história fabulosa para contar sobre um país fascinante e, acima de tudo, queria partilhar a minha experiência para tentar mudar mentalidades em relação ao estigma que sobre o país em causa. Tinha tempo, já que estávamos confinados, e tinha material de sobra. O universo alinhou-se numa conjuntura que me permitiu criar o meu projeto.

Já tinha algumas partilhas nas redes sociais, mas decidi investir a sério na partilha das experiências e tornar o conteúdo mais profissional. Tinha um espólio imenso de registos fotográficos de outras viagens que tinha feito. Decidi por mãos à obra e iniciar um blog, juntar as imagens ao storytelling, e criar conteúdo cujo objetivo principal é desmistificar destinos e culturas, desmontar preconceitos e tentar passar uma mensagem de empatia com outros povos.

De que forma tenta inspirar os seus seguidores no Instagram?

Como viajo muito para destinos menos convencionais, gosto de mostrar o lado humano dos lugares que visito, tentando inspirar os outros a conhecerem novas culturas, indo para além do óbvio. Mostrar que somos todos iguais, que não há destinos melhores nem piores, apenas diferentes, e que viajar deve ser (tem de ser) mais do que carimbar passaportes. Faço o possível por quebrar as ideias pré-concebidas que temos “por defeito” acerca de alguns destinos.

Somos todos iguais, que não há destinos melhores nem piores, apenas diferentes

Tento mostrar que uma viagem pode e deve ser sustentável, passando esse comportamento também por apoiar as comunidades locais nos seus negócios, por dar voz aos sonhos e anseios das pessoas com quem nos cruzamos.

Gosto de mostrar que não há problema nenhum em sentarmo-nos numa praça a conversar com as pessoas da comunidade que nos recebe, ainda que muitas vezes não falemos a mesma língua, ou em aceitar tomar um chá enquanto se partilham experiências de vida.

Além de viajar, gosta muito de…

Fotografar. É a minha grande paixão. Gosto muito de me sentar a observar a vida mundana e a fotografar as pessoas dos lugares que visito, e tantas vezes construo no meu imaginário as suas histórias de vida ao observá-las.

Neste contexto, descobri que tenho uma paixão enorme pela fotografia documental, onde os registos contam não só as histórias dos lugares, mas acima de tudo são os retratos das “suas pessoas”.

Ser mulher e viajar sozinha. Ainda é algo que levante dificuldades e preconceitos?

É uma questão que dá pano para mangas! Ainda há um estigma enorme sobre o assunto. Podemos colocar as coisas em dois pontos. Se por um lado, para uma grande parte da sociedade, as mulheres continuam a ser tomadas como frágeis, menos capazes e não muito aventureiras, por outro lado ainda há a ideia enraizada de que se uma mulher viaja sozinha é porque “coitada, não tem ninguém para lhe fazer companhia” ou “vai fugir dos problemas da vida”.

Há mais perigos para uma mulher do que para um homem

Um absurdo completo. Independentemente do género, somos livres de escolher a forma de viajar e de viver. Se há quem goste de viajar em grupo, há outros que gostam de viajar em família e outros ainda que adoram viajar sozinhos. Todas opções são válidas desde que façam sentido para quem as toma. Não há fórmulas mágicas, nem verdades absolutas, devemos seguir o caminho que nos faz felizes e aceitar que o caminho dos outros seja diferente.

Quanto às dificuldades que podem surgir quando se trata de ser mulher a viajar sozinha, não podemos abstrair-nos da realidade e romantizar as coisas. Há mais perigos para uma mulher do que para um homem. Como mulher, tenho a noção de que os meus sentidos têm que estar sempre alerta para precaver situações desagradáveis, ou que possam até colocar a minha integridade em risco.

Mas, por outro lado, já tive situações muito engraçadas em que, por estar sozinha, fui praticamente adotada por quem me recebeu. Coisa que seria mais difícil acontecer se viajasse em grupo.

Viagens mais marcantes e porquê?

Todas as viagens marcam de forma diferente, já que todos os lugares são únicos. O certo é que ninguém fica igual depois de se aventurar pelo mundo.

Tenho o hábito de optar por explorar países considerados “difíceis”, seja por a jornada ser fisicamente exigente, seja pelo contexto geopolítico do país ou região. São estes destinos que me desafiam e que me fazem crescer enquanto pessoa. Como tal, inevitavelmente, de uma forma ou de outra, todos me marcam.

No entanto, a que me marcou e desafiou mais (até ao momento) foi sem dúvida a recente viagem que fiz pelo Afeganistão. Foi muito dura fisicamente, mas acima de tudo psicologicamente, tendo em consideração a conjuntura atual do país e as imposições do regime em posse, em particular no que se refere às mulheres.

É muito fácil julgarmos a população de um país inteiro e criarmos ideias pré-concebidas relativamente a outras culturas, apenas com o que vemos nos meios de comunicação social. Outra coisa, bem diferente, é olharmos as pessoas nos olhos, conversarmos com elas e percebermos que no fundo somos todos iguais, temos todos os mesmos sonhos.

Afeganistão
Afeganistão Ângela esteve recentemente no Afeganistão créditos: Blonde Around the World

Próximos destinos a explorar em breve?

Para terminar este ano, vou rumar a África e explorar a Etiópia. Sei que é um país histórica e culturalmente muito rico, mas estou particularmente entusiasmada com o facto de poder conhecer as tribos do Vale de Omo. Depois ainda darei “um saltinho” a uma capital europeia.

Para 2025, a agenda de viagens ainda está muito em aberto, mas já está alinhavada uma ida ao Médio Oriente. O regresso à minha região preferida do mundo.

Dica de viagem mais valiosa que pode dar.

Tolerância, aceitação e empatia! Aprender a aceitar os outros com todas as diferenças que possam ter em relação àquilo que para nós é familiar ou “normal”.

Ir para uma viagem de espírito aberto, com noção de respeito pela cultura que vamos visitar, é fundamental para uma boa experiência. Tanto para os viajantes, como para as comunidades que os recebem.

Não há viagens perfeitas

Nunca devemos esquecer que ninguém nos convidou para lá estar, fomos nós que decidimos ir. Por isso, julgo que um viajante bem informado e documentado, é um viajante com mais probabilidade de ter uma viagem feliz.

E não esquecer que: não há viagens perfeitas!

Lugar preferido em Portugal.

Não consigo escolher apenas um lugar, mas adoro o Alentejo, em especial o interior. Há um encanto muito especial naquela região que me faz sempre querer voltar. O ritmo diferente, as pessoas extraordinárias, o património, as paisagens, o clima e a comida, são alguns dos fatores que me levam a eleger o interior alentejano como a região favorita.