O seu lugar preferido em Portugal é uma ilha e, quando está viagem, tenta dar espaço ao inesperado. Já trouxe para casa como souvernir duas doenças tropicais, mas gosta de regressar aos sítios onde já esteve porque fica sempre tanto por ver. Através do seu Instagram, podemos acompanhar as suas viagens, mas também os trabalhos que vai realizando enquanto atriz e documentarista. Sofia Sousa é a nossa Viajante do Mês do março.

Como/quando começou o “bichinho” das viagens?

Sempre gostei muito de viajar, e não era o facto de não ter companhia que me impedia de o fazer. De vez em quando tirava uns dias de férias, e lá ia sozinha explorar alguma cidade europeia. A primeira longa viagem, e que fiz com amigas, foi à Tailândia; mas foi quando conheci o meu marido, e me juntei a ele a gravar documentários, que passei a viajar frequentemente. Ele é como eu, adora viajar, e muitas vezes vamos só à aventura, nem sequer levamos a câmara. Viajar em trabalho ou em lazer é muito diferente, e gostamos de ambas as experiências.

De que forma tenta inspirar os seus seguidores no Instagram?

Principalmente através dos stories, pois vou partilhando as minhas viagens por lá. Gosto do formato, só dura 24 horas, e é mais espontâneo. Não é necessário haver tanta preparação como num post do feed (fico indecisa no meio de tantas fotos e vídeos da galeria do telemóvel), e não é necessária tanta edição. Os meus seguidores podem seguir as minhas viagens quase em tempo real (isto quando há internet), e posteriormente, seleciono os melhores stories para colocar em highlight.

Além de viajar, gosta muito de…

Desafiar-me a mim própria, aprender/fazer coisas novas e que me assustam. Há dois anos tirei o curso de mergulho, isto embora sofra de ataques de pânico (tive logo um no primeiro treino), mas felizmente não desisti, e agora é maravilhoso poder explorar a vida marítima. Estou a aprender a fazer snowboarding, e também a aprender a língua checa. E, claro, gosto muito das minhas atividades: representação, construção marionetas, tocar violoncelo, assistir a espetáculos, e mais ainda, adoro participar neles!

Viagens mais marcantes e porquê?

Todas as viagens marcaram-me de alguma forma, deixando-me com saudades de algo. O mundo é tão vasto e diverso, há tanto para ver e aprender, que não é fácil nomear um lugar de preferência. No entanto, na Indonésia é possível vivenciar paisagens, gastronomia, e cultura que diferem totalmente de ilha para ilha. Em Bali, encontramos templos hindus em cada passo que damos; em Sulawesi, cânticos muçulmanos invadem as ruas; e em Papua, igrejas católicas destacam-se entre a praia e a floresta. Nas montanhas podemos visitar tribos ancestrais, como a tribo Dani, onde, curiosamente, mulheres mutilam os próprios dedos, quando os seus entes queridos morrem. Nas ilhas Raja Ampat, mergulhei com mantas, tartarugas, tubarões, e vi dos corais mais incríveis que existem!

Indonésia
Indonésia Indonésia créditos: Sofia Sousa

A Costa Rica é também um país magnífico pelos seus animais e vegetação. Existem árvores conhecidas como palmeiras andantes, que usam as raízes para moverem-se e arranjarem água. Podemos encontrar imensos tipos de macacos: fui roubada por eles várias vezes, os espertinhos arranjam sempre maneira de entrar nos alojamentos. Insetos particulares, como formigas venenosas: fui picada pela formiga bala e durante duas horas não conseguia mexer o braço com dores intensas... e em termos de acomodação, existem sítios espetaculares: fiquei a dormir num hotel que era um antigo avião, e a casa de banho ficava no cockpit!

Costa Rica
Costa Rica Costa Rica créditos: Sofia Sousa

Destino que quer regressar e porquê?

Eu quero sempre regressar, até porque fica sempre tanto por ver. E na verdade já foram várias as vezes que repeti um destino, por diferentes motivos. Este ano irei regressar ao Quénia para dar continuidade ao nosso documentário Adaptation. Estivemos lá a gravar há dois anos atrás, e tivemos um contacto próximo com a Digo, tribo piscatória. Ensinaram-me as tarefas das mulheres nativas, como cozinhar e alimentar as crianças, fazer leite e óleo de coco, e até abrir um coco com um pau! No entanto, queremos conhecer melhor a tribo Samburu, pois vivem numa zona muito seca nas montanhas, e apenas sobrevivem por causa de um santuário de elefantes que tivemos a oportunidade de filmar. No caso das Filipinas, fomos lá também duas vezes em gravações para um outro projeto. Também iremos voltar a Tóquio, mas desta vez será uma viagem familiar, levaremos as crianças connosco, pois eles adoram animes e a cultura japonesa. O mesmo fizemos com as Maldivas, da segunda vez, fomos com a família, e até para o mesmo hotel, pois é o lugar perfeito para descansar e aproveitar a praia.

Como conjuga as viagens com a profissão de atriz? E de que forma as viagens complementam a representação?

Hoje em dia, a maioria dos castings é possível fazer por self tape: gravo-me a representar a cena para a audição e envio para o diretor de casting. Isto oferece uma grande flexibilidade, pois posso estar em qualquer sítio do mundo, desde que tenha internet, telemóvel com câmara, e um local com boa iluminação. Costumo viajar com um minúsculo tripé e uma pequena luz, para obter o mínimo de qualidade de imagem em qualquer situação. Por vezes, o desafio é encontrar net. Lembro-me que no Quénia tive que apanhar uma boleia à noite para um hotel em construção. Ficava numa outra vila, a quilómetros de distância, o único sítio com conexão naquela área, embora muito fraca. Não foi fácil, mas lá consegui enviar a self tape a tempo.

Acredito que as experiências em viagem contribuem fortemente para o meu crescimento pessoal, e tal reflete-se também no meu trabalho enquanto atriz: o anseio para uma maior compreensão da humanidade. Seja em que cultura for, a linguagem emocional é semelhante: todos sorrimos, choramos, amamos, sofremos... damos tanta importância à língua, mas, na realidade, as palavras apenas fazem parte 7% da comunicação, pois 38% trata-se de entoação verbal e 55% de linguagem corporal! Se relacionarmos isto com um filme, compreendemos que os diálogos são apenas uma pequena parte da comunicação transmitida na obra, e que a grande maioria é visual.

Assim, as minhas experiências permitem-me aprender a comunicar de outras formas muito enriquecedoras. Por exemplo, o que aconteceu no ritual de sacrifício do porco da tribo Dani, na Papua: eu chorava baba e ranho (pois nem como carne), e uma mulher indígena segurou-me a mão para me reconfortar. Criámos tal ligação, que me convidou a fumar com as mulheres na cozinha da tribo (feita de palha e terra), local onde nem os homens podem entrar. A certa altura eu já sabia os nomes delas e até os graus de parentesco, isto sem ninguém falar uma palavra de inglês!

Maior peripécia, susto ou experiência marcante que já passou em viagem?

Posso enumerar várias, mas começo por uma peripécia engraçada que aconteceu em Bangkok, na Tailândia. Numa visita a um templo, passei a vergonha de toda a gente ficar a olhar para mim, por algo ridículo que fiz. O segurança soou o apito, veio na minha direção, e forçou-me a apagar as fotos. Isto, porque simulei um beijinho na face de um Buda, o que para eles é uma grande falta de respeito.

Experiência marcante foi uma tour macabra na ilha Sulawesi, na Indonésia. O guia contou-nos a rir, que na tribo dele era permitido comer tudo o que andasse em quatro patas, incluindo carros, isto, se alguém o conseguisse. De seguida, levou-nos ao Mercado Extremo, onde se vende todo o tipo de animais para consumo humano: desde morcegos, cobras, a animais domésticos. Foi terrível ver cães à espera da sentença de morte, e frustrante, não ter qualquer poder para o evitar, muito menos para mudar as mentalidades locais... enfim... lembro-me de mais uma peripécia dessa mesma viagem: trouxe como souvenir duas doenças tropicais, dengue e malária! Tive que ser internada no hospital, felizmente já tinha chegado a Praga, onde moro.

Susto apanhei nas Filipinas, quando voltámos de uma gravação à noite. Chovia tempestuosamente e não conseguíamos encontrar o hotel. Viajávamos de mota e com uma câmara de cinema às costas. Depois de uma hora às voltas perdidos, vimos um grupo de homens e decidimos aproximar-nos para pedir ajuda... foi aí que reparámos que estavam armados! Já não dava para fugir sem parecer suspeito, então falámos com eles ignorando as armas de fogo, e claro, tentando controlar o medo. Resultado: com as indicações deles chegámos ao hotel são e salvos!

O primeiro destino da “bucket list” das próximas viagens.

Recentemente decidi que quero conhecer os países que fazem parte da CPLP. É importante procurar saber mais à cerca das culturas que têm a língua em comum, e que connosco partilham o outro lado da História. Já estive em viagem pelo Brasil, durante um mês. Comecei por viver o Carnaval do Rio: o desfile no sambódromo é algo magnânimo! Não há palavras que descrevam a sensação de grandiosidade. Também estive na floresta Amazónia e vivi tantas as aventuras: nadei com golfinhos cor-de-rosa, visitei comunidades indígenas, fui à pesca de piranhas, e peguei num filhote de jacaré. O meu objetivo é cada ano conhecer um país CPLP diferente, e no próximo será São Tomé e Príncipe!

Dica de viagem mais valiosa que pode dar.

A minha sugestão é dar espaço ao inesperado, e não planear cada momento da viagem. Há lugares que te surpreendem e pedem-te para ficares mais tempo, e outros, que tens grande expectativa, mas quando chegas percebes que não é o local mais indicado para ti. Apostar em viver o presente, e aproveitar o que o sítio tem para te oferecer. Evitar ter a cabeça sempre ocupada a pensar no que vais visitar a seguir.

Lugar preferido em Portugal.

A ilha do Pico. É deslumbrante o contraste na paisagem vulcânica e do oceano. Os muros pretos das vinhas e o verde da natureza, os dragoeiros... todas as atividades ligadas à fauna e flora, como observação de pássaros, baleias, golfinhos, e até mergulho com tubarões. Tenho a sorte de viajar para lá regularmente, pois, para além de ter lá casa, sou curadora da NU’VEM, residência artística que faz ponte intercultural entre os Açores e artistas selecionados de todo o globo. Estes ficam hospedados em moinhos tradicionais localizados numa galeria de arte ao ar livre, e o intuito é a produção de uma obra artística. Deste modo, o projeto promove o contacto entre a comunidade local e a arte internacional, e simultaneamente, dá a conhecer ao mundo esta maravilha de Portugal!