Uma imersão num mosteiro budista

Por Rita Melícias

Cheguei a Dalat, uma cidade a 1500m de altitude, que antigamente era usada pelos franceses para descansar/fugir do caos das metrópoles e fui procurar o que visitar lá. Depois de uma breve pesquisa, vi que existia um mosteiro no topo da montanha e rapidamente decidi que seria algo que visitaria.

Explorei a cidade e tive um primeiro dia muito ocupado. Após explorar aquilo que me pareceu mais interessante, estava dividida entre ir ao mosteiro ou adiar para o dia seguinte para poder aproveitar melhor. O fator decisivo foi o preço baixo do Grab (uber da Ásia). Portanto, mesmo com o dia a acabar, lá fui eu!

Nos últimos dias tinha andado mais em baixo, devido à forte barreira linguística e pela falta de pessoas com as quais me identificasse verdadeiramente. Sentia-me mais vulnerável e sozinha e talvez tenha sido isso que me levou a entrar dentro do templo e a ajoelhar-me de imediato. Mantive-me em silêncio durante alguns minutos e eu, que me sinto cada vez mais distante da religião, pedi por algum sinal de fé que me indicasse que estava no caminho certo.

Curiosamente, no minuto seguinte um monge perguntou-me o nome e de onde era. A conversa podia ter ficado por ali, mas, quando estamos sozinhos temos uma abertura diferente.

O tempo que estivemos à conversa voou e quando demos por nós, já era a hora de fecho do mosteiro. Ele acompanhou-me até à saída e disse-me que alguns estrangeiros vinham para ficar no mosteiro uns dias. Acabou por me desafiar a fazer o mesmo. Não querendo dar uma resposta precipitada e impulsiva, deixei a minha resposta em aberto e voltei para o meu hostel onde pude refletir sobre a minha escolha.

Acabei por pensar: “Porque não?” e organizei-me para que no dia seguinte voltasse ao mosteiro, de modo a verificar se era efetivamente possível.

Rita a ler um livro sobre budismo
A Rita a ler um livro sobre budismo créditos: Tessi

Uma vez lá, um dos monges encaminhou-me até a um portão que dizia “restricted access”. Era a secção das monjas. Fui apresentada a uma monja que me fez três perguntas: “Porque queria ficar lá?”, “Quantos dias iria ficar?” e “Como tinha descoberto o mosteiro?”.

Expliquei-lhe que há alguns anos que tenho curiosidade na religião budista, apesar de não ser alguém crente, mas esta curiosidade pela religião e cultura foi um dos fatores decisivos para estar a viajar pelo sudeste asiático e não por qualquer outro destino. Como queria ter uma experiência imersiva, mas não muito longa, propus-me a ficar dois dias. Por fim, expliquei-lhe que tinha encontrado o mosteiro através do Google Maps na minha pesquisa sobre as atrações de Dalat.

Nesse mesmo dia, às 15h estava uma monja a ensinar-me a meditar e às 17h30 já estava no buddhist chanting (cânticos budistas), onde permaneci de joelhos durante 40 minutos enquanto as freiras recitavam em vietnamita. Às 19h30 tivemos uma meditação de duas horas e de seguida fomos diretamente para a cama.

Estas meditações foram das coisas mais difíceis que fiz na minha vida! Doíam-me as costas, as pernas e já não conseguia estar mais “focada". Lembro-me de me esquecer que meditava porque me perdia nos meus próprios pensamentos. Eventualmente apercebia-me disto e focava-me de novo na respiração.

A nossa rotina consistia em acordar às 3h da manhã com uma meditação de duas horas das 03h30 até as 05h30.

Foi através disto que percebi que a vida requer esforço. Se queremos alcançar algo, neste caso em específico, mais tranquilidade/presença, implica despender do nosso tempo, energia e ter muita resiliência.

A nossa rotina consistia em acordar às 3h da manhã com uma meditação de duas horas das 03h30 até as 05h30. Depois tínhamos o pequeno almoço às 6h15 (os estrangeiros podiam ir dormir nesses 45m). No pequeno-almoço servimo-nos primeiro e depois sentamo-nos todas à mesa e agradecíamos ter comida. Depois lavávamos a louça e tínhamos tempo livre até às 7h. A esta hora um sino tocava e tínhamos que começar a trabalhar. Às 11h30 tínhamos o almoço e repetimos o processo do pequeno-almoço.

Vista do mosteiro
A vista do mosteiro créditos: Rita Melícias

Tínhamos a sesta das 13h às 14h e o resto da tarde para as estrangeiras era para ler sobre o budismo, dormirmos, se estivéssemos muito cansadas, ou ajudar no jardim. Às 17h30 tínhamos o buddhist chanting e às 19h30 tínhamos meditação até às 21h30 e de seguida íamos para a cama. O dia recomeçava às 03h da manhã com o sino.

No dia em que cheguei a única estrangeira que lá estava era portuguesa e tinha o mesmo nome que eu - Rita. Qual era a probabilidade? No dia seguinte chegou a Dan, uma rapariga dos Países Baixos que tinha família no Vietname e por isso conseguia manter uma conversa em vietnamita. No outro dia chegaram mais três raparigas, duas alemãs e uma espanhola que já tinham praticado meditação e sabiam mais sobre o budismo.

Comi a melhor comida da minha vida, tudo vegetariano, tudo saboroso.

A comunicação era baseada em imitar o que as freiras faziam, mas com a chegada da Dan foi possível ter conversas mais longas e ter resposta a algumas das questões que tinha. Comi a melhor comida da minha vida, tudo vegetariano, tudo saboroso. No primeiro dia servi-me com pouco porque não conhecia nenhuma das comidas e não sabia se ia gostar. As monjas depois do almoço não comiam nada, nós podíamos comer uma sopa de noodles instantâneos, o que significou estar entusiasmada para o pequeno-almoço seguinte, até porque era sempre diferente daquele do dia anterior.

Ao fim de alguns dias percebi que a ementa muda todos os dias. Queria saber como fazer todos os pratos!

Um dos almoços
Um dos almoços no mosteiro créditos: Rita Melícias

Foi aí que decidimos (eu e as outras estrangeiras) perguntar se era possível ir trabalhar para a cozinha e, para minha alegria, era! Cortar vegetais milimetricamente, ver como cozinhavam os cogumelos - em fogões de lenha e como eram preparados o resto dos vegetais.

Conheci pessoas que me encheram as medidas, especialmente a Dan, pois senti que somos almas gémeas. Achei que um mosteiro seria um local de silêncio, e era, nos momentos que assim requeriam, mas como estávamos as cinco acabávamos por conversar muito nos tempos livres.

Tinha pedido para ficar duas noites, mas acabei por ficar cinco. Na última noite era a cerimónia das mulheres que se tornaram monjas. Foi muito bonito, cada uma recebeu um nome diferente, as famílias e amigos estavam lá para as ver, raparam o cabelo e estavam muito felizes. Acontece uma vez por ano — coincidência eu ter estado lá para assistir.

Duas monjas na cerimónia e as 5 estrangeiras ( Tessi, Rita, Dan, Linh, Rita)
Duas monjas na cerimónia e as 5 estrangeiras ( Tessi, Rita, Dan, Linh, Rita) créditos: Rita Melícias

Quando fui embora do mosteiro, queria ir para outra cidade. Já tinha reservado o bilhete uns dias antes através do meu hostel. Quando cheguei ao meu hostel, perguntei pelo autocarro e, após uns minutos, a funcionária vem sentar-se ao meu lado e diz “we have a little problem, the bus is full” (temos um pequeno problema, o autocarro está cheio), ou seja, eu não poderia ir nesse dia.

O meu primeiro instinto foi preparar-me para disparar em todas as direções. Dizer que tinha marcado há dias, que a incompetência e o problema é do hostel e não minha. Porém limitei-me a parar 10 segundos, olhar para o chão e responder “Ok, what can we do?” (ok, o que podemos fazer?).

Felizmente, acabei por conseguir apanhar um autocarro na rodoviária de Dalat, depois de uma noite num sleeper bus. Saí em Hoi An às 6h da manhã e, quando entro num supermercado, percebo que o meu cartão não está comigo. Uma vez mais, não entrei em pânico. Cancelei o cartão na app e logicamente fiquei triste. No fim desse dia dei por mim a dizer “foi uma sorte ter perdido o cartão e ter-me apercebido logo”.

Sinto que a meditação teve um efeito positivo em mim. Sei que existem milhares de estudos que comprovam isto, mas pôr em prática e tirar o tempo para o fazer é o desafio. Ver os resultados, apesar da minha imersão tão curta foi muito gratificante! O meu objetivo é lembrar-me do efeito que teve em mim e torná-lo rotina.

"Journey of Balance" é o nome do projeto criado por Rita Melícias para o seu ano sabático. Podem seguir as crónicas da Rita no SAPO Viagens, onde são publicadas em parceria com a Gap Year, ou através do seu Instagram.