Esta é a maior caldeira vulcânica intacta do mundo. A cratera de Ngorongoro fica no coração da Tanzânia. Tem vinte quilómetros de diâmetro e é rica em vida selvagem. Formou-se há mais de dois milhões de anos, após o colapso de um vulcão com uma altura equivalente à do Monte Kilimanjaro.
São seis horas da manha, e o Sol está a nascer por trás da encosta que delimita a cratera. Agora, é possível observar os diferentes ecossistemas aqui presentes. Próximo da escarpa, a floresta é densa e húmida, com árvores altas. É uma zona frequentada pelos animais que precisam de mais quantidade de vegetação, como os elefantes e os rinocerontes-negros.
Mais para o centro, e espalhando-se pela maior parte da cratera, dominam as pradarias, muito características desta região de África. Aqui vive a grande maioria dos seres vivos deste parque natural. Encontramos principalmente zebras e gnus, mas também búfalos, gazelas de Thomson, impalas, antílopes e avestruzes. Mas habitar estas pradarias é uma luta constante pela sobrevivência. Porque o leão também anda por aqui, e ele é um dos mais temíveis do reino animal. Mas o rol de predadores vai muito mais além, passando pelas hienas malhadas, que muitas vezes se alimentam de animais mortos, e que caçam em grupo se avistarem uma presa mais débil.
Em certas zonas das pradarias, encontramos o terceiro ecossistema, os lagos. Esta é a casa de outro dos mamíferos mais respeitados no mundo animal, o hipopótamo. Um macho pode atingir as duas toneladas e medir até cinco metros de comprimento. Somando isso a uma abertura de maxilar com 60 centímetros e à dentada mais forte de todos os seres vivos, é fácil de perceber o porquê de estes animais serem tão pouco importunados. No entanto, os hipopótamos são herbívoros. Alimentam-se com 70 quilos de erva por dia e coabitam com várias espécies de peixes e de aves aquáticas. É o caso do flamingo, do pelicano-branco, do cabeça-de-martelo e do guarda-rios.
Com o Sol ainda pouco acima do horizonte, a temperatura está relativamente baixa. É, por isso, um bom momento para os leões descansarem sem terem de procurar uma sombra. Os seus olhos estão adaptados ao escuro e isso dá-lhes uma grande vantagem em relação às presas, daí que as leoas cacem sobretudo durante a noite. Estes leões já tiveram tempo suficiente para se alimentarem e devem ficar deitados durante as próximas horas, enquanto fazem a digestão.
Alguns quilómetros adiante, uma enorme carcaça de búfalo jaz na erva da pradaria, já parcialmente devorada por outro grupo de leões, igualmente sortudos. Neste momento, junto à carcaça do búfalo está apenas o leão mais velho, o leão alfa, afugentando outros animais que se aproximam e protegendo a carne como se fosse um tesouro precioso. As hienas são o segundo mamífero em maior quantidade neste parque. O seu olfato é tão apurado que conseguem cheirar carne a quatro quilómetros de distância. São portanto uma presença constante neste tipo de situações. Estão aqui mais de trinta. Mantêm uma distância de segurança, mas sempre à espreita, à espera da mínima distração do leão, para poderem tentar a sua sorte. Igualmente atentos e esfomeados estão os chacais, que tiram partido do seu pouco tamanho para passarem despercebidos e se aproximarem. Após várias tentativas, um dos chacais consegue finalmente roubar um pedaço de carne e fugir com ele, esperando ter alimento para o almoço. Mas não é bem assim... O esforçado chacal é imediatamente perseguido pelas hienas, que são mais velozes e maiores do que ele. O pobre chacal dá-se por vencido e larga tudo, para evitar que seja ele próprio o almoço das hienas.
Minutos mais tarde, começa a aproximar-se outro grupo de leões, também ele movido pela esperança de conseguir alimento. Apesar de serem as leoas a caçar, não são elas que têm o primeiro lugar à mesa. Vão ter de esperar. O leão alfa não tenciona partilhar o búfalo com ninguém, e os leões mais jovens são afugentados com violência, como se fossem hienas. Após o leão alfa estar satisfeito, é a vez de os machos se alimentarem por ordem descendente de idade. Só no fim é que as fêmeas e as crias se podem chegar à frente.
O Sol está agora ligeiramente mais alto e o calor começa a fazer-se sentir, principalmente para os mamíferos mais corpulentos. Os hipopótamos, que estavam a descansar fora da água, já estão submersos, e os elefantes refrescam-se com a mesma água. Quanto aos leões, a que foi negado o alimento, escondem-se na sombra da erva mais alta, à espera que o macho alfa se canse ou seja obrigado a tomar um banho.
Mais à frente, suficientemente longe destes felinos, há centenas de gnus a correr desenfreadamente. Apesar de só viverem em média vinte anos, os gnus têm uma vida muito agitada, já que passam a maior parte do tempo naquela que é chamada a Grande Migração. São cerca de um milhão e 200 mil os gnus que migram, continuamente, em busca de água e de pastagens, percorrendo mais de mil quilómetros. Desta onda migratória fazem parte umas 300 mil zebras, que são dotadas de um grande sentido de orientação e, por isso, são muito importantes para levar os gnus a bom porto.
Ainda assim, nem todos os gnus sobrevivem a esta jornada. Cerca de 200 mil não chegam ao destino, e os motivos são muitos. A idade, a fome, o cansaço, ou simplesmente por não resistirem à investida dos predadores. Normalmente, os leões e os crocodilos vigiam estas manadas e procuram surpreender elementos doentes, solitários, ou recém-nascidos.
Esta é precisamente a altura do ano em que as manadas passam pela Zona de Conservação de Ngorongoro, bem perto da cratera. Interrompem a viagem para terem as crias e cuidarem delas nos primeiros meses de vida. Muitos dos gnus acabam por se refugiar mesmo no interior da cratera.
Esta progenitora distrai-se por instantes, deixando sozinha a cria, que tem apenas um mês. Estas distrações pagam-se caro na savana. Quando se deu conta, já era tarde demais... Um grupo de seis hienas iniciou uma perseguição feroz ao desamparado jovem gnu, que agora corre pela vida. Apesar da tenra idade, ele já consegue atingir velocidades elevadas, e não dá facilmente a corrida por perdida. No entanto, e apesar do esforço da mãe, que corria atrás da cria, acabou por não resistir ao cansaço, sendo alcançado pelas hienas.
É assim a savana africana. Cruel, e por vezes injusta. Mas é um lugar sem igual.
Locução por Eduardo Rego, presidente da Loving the Planet
Texto por Manuel Carvalho
Projeto Prá frente
O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.
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