Imaginem um pedaço de costa europeia banhado pelo Mediterrâneo, com colinas altas que descem vertiginosamente até à água. Imaginem que nestas encostas há socalcos com vinhedos, limoeiros e oliveiras, definidos por muros de pedra, e trilhos pedestres criados por séculos de povoamento. Imaginem ainda que junto ao mar e no topo das colinas há pequenas aldeias com casas coladas umas às outras, coloridas como rebuçados, trepando pelos declives, as de cima espreitando sobre as que estão mais abaixo. Agora coloquem tudo isto num dos países mais fascinantes da Europa – a Itália – e com o selo de Património Mundial da UNESCO. O resultado são duas pequenas palavras: Cinque Terre. É por aqui que agora vos convido a passear.
Apesar de haver vestígios do seu povoamento desde pelo menos a época romana, esta estreita faixa de terra costeira a sul de Génova, na região da Ligúria, só passou a ser conhecida como Cinque Terre por volta do século XV, reportando-se a cinco pequenas aldeias com semelhanças geográfico-territoriais e económicas: Monterosso al Mare, Vernazza, Corniglia, Manarola e Riomaggiore. Nestas aldeias, durante muito tempo remotas, os habitantes dedicavam-se à pesca e simultaneamente à agricultura, aproveitando as riquezas do mar e dos solos para a sua subsistência. Hoje como ontem, no mar pescam sobretudo a anchova, entre Junho e Setembro, pelos métodos tradicionais com lâmpadas ou com redes de cerco. Aperfeiçoaram também as técnicas de conservação deste peixe, fumando-o ou preservando-o em óleo ou sal – é famosa a anchova salgada de Monterosso. Na agricultura, o relevo acidentado e a sua orientação, com boa exposição ao sol e ao abrigo dos ventos de norte, levou à escolha da videira como planta de eleição para cultivo, a par da oliveira. Os terrenos foram desmultiplicados em socalcos, estabilizados por muros de granito, e o vinho e azeite aqui produzidos são de qualidade reconhecida.
Considerada “paisagem cultural viva”, a região das Cinque Terre foi integrada em 1997 na lista do património protegido pela UNESCO, e em 1999 foi delimitada como parque nacional, abrangendo também uma área marítima. Em toda a área do parque estão definidos percursos pedestres, alguns dos quais foram durante séculos a única ligação entre as várias aldeias e entre elas e o interior do país. Há percursos de vários tipos, tanto em meio rústico como urbano, e com vários níveis de dificuldade, o que faz desta região um destino ideal para quem gosta de caminhar. O mais famoso destes trilhos é o Sentiero Azzurro, que liga as cinco aldeias – o trecho que liga Riomaggiore a Manarola é tão romântico que lhe puseram o nome de Via dell’Amore.
Como contraponto à melhoria das condições de vida dos seus habitantes permanentes, o aumento da popularidade das Cinque Terre como destino turístico tem trazido alguns problemas. O trabalho ligado ao turismo tornou-se uma alternativa mais fácil e mais rentável, e cada vez menos pessoas se dedicam ao cultivo das terras. O abandono da agricultura levou à deterioração das condições dos terrenos, instáveis por natureza, e dos muros que os sustêm, o que se torna problemático quando ocorrem chuvas torrenciais – ainda está na memória de todos a enxurrada de 2011, que devastou uma grande parte de Monterosso e Vernazza, e cujos efeitos demoraram vários anos a ser ultrapassados. À data de hoje, dois troços do Sentiero Azzurro (de Corniglia a Manarola e de Manarola a Riomaggiore, a famosa Via dell’Amore) continuam encerrados devido a deslizamentos de terras, e só se prevê que reabram dentro de dois ou três anos, no mínimo. Apesar dos esforços desenvolvidos nas últimas décadas para incentivar o turismo responsável e sustentável, e pese embora as Cinque Terre continuem a atrair muitos adeptos da caminhada, a maioria dos visitantes hoje em dia concentra-se sobretudo nas aldeias junto ao mar.
Não é difícil perceber porquê. As Cinque Terre estão ligadas entre si por uma linha férrea que corre junto ao mar e nos deixa, a intervalos de poucos minutos, no coração de cada uma das aldeias. A excepção é Corniglia, a única que está situada no cimo de um promontório, mas cujo acesso ao comboio é facilitado por um pequeno autocarro em constante vaivém entre a aldeia e a estação; ou, em alternativa, por uma escadaria – tão icónica que até tem nome próprio: Lardarina. Esta ligação ferroviária foi construída durante a segunda metade do século XIX como parte do projecto de unir as cidades de Ventimiglia, na Ligúria (junto à fronteira com a França), e Massa, na Toscânia. Uma empreitada que não se revelou fácil devido ao recorte acidentado da costa liguriana, sobretudo na região das Cinque Terre, e que obrigou à construção de 23 pontes e 58 túneis (que totalizam 28 km) ao longo dos 44 km deste troço da obra. A linha só ficou pronta em 1874, e foi um passo gigante para contrariar o isolamento a que estas aldeias estavam votadas. Concebida com uma única linha, obviamente para reduzir despesas, só nos anos 70 do século passado é que foi alargada para duas vias, facilitando ainda mais o acesso à região – e catapultando-a para a popularidade turística. Actualmente, o comboio das Cinque Terre corre entre Levanto, a norte, e La Spezia, a sul, com intervalos de mais ou menos 15 minutos na época alta (entre fins de Março e inícios de Novembro), e levando a bordo centenas de pessoas em cada viagem. É o meio de transporte preferido pela maioria dos cerca de 2 milhões e meio de visitantes anuais que a região recebe.
Ir de carro também é uma opção, mas só aconselhável na época baixa. As aldeias têm parques de estacionamento à entrada (no interior, as vias são quase exclusivamente pedonais), mas são pequenos e francamente insuficientes para o enorme afluxo de visitantes da região. Além disso, são pagos, e não são baratos.
A oferta de alojamento nas Cinque Terre não é abundante. A maioria dos visitantes ficam alojados nas cidades vizinhas de La Spezia ou Levanto, onde há mais variedade e a preços mais em conta. Pessoalmente, acho mais compensador ficar a dormir numa das aldeias, para poder usufruir completamente da experiência. Quando lá estive fiquei alojada em Vernazza, e foi uma excelente opção. Ao segundo dia, o bem-disposto dono do snack-bar onde tomávamos o pequeno-almoço já nos conhecia e conversava connosco. E jantar ao lusco-fusco num dos restaurantes da piazza junto ao porto, na atmosfera tranquila que se instala depois do êxodo da maré de turistas, é muitíssimo agradável.
Para mais informações e conselhos sobre cada uma das cinco aldeias das Cinque Terre podem continuar a ler o post da Ana no seu blog.
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