Antes de recordarmos episódios similares a "presos no estrangeiro" (mas sem culpa!), vamos conhecer o perigo (que me atrai como escritora e como viajante). Na lista de países perigosos que me veio contando, não recomenda e não volta a Conakry. Quando fotografava de forma incauta, de repente viu-se arrastado para uma esquadra e sem perceber o motivo, à primeira. Depois, claro que compreendeu: corrupção. Não era motivo, era… fraca humanidade. Vencidos pelo cansaço, a polícia libertou Issa, após o português ter ficado despido do dinheiro que tinha levantado horas antes numa caixa. Também por causa de uma fotografia que tirou, no Sudão, foi apreendido. Algo o atraiu: um cartaz.  Decidiu fotografar. Uma equipa militarizada e mais uma equipa policial somou um novo susto, mas sem corrupção: as pessoas duvidaram de espionagem e quando esclareceram, Issa foi libertado.

Esteve
Esteve Sudão créditos: Unsplash

Somália: percorrendo as cores dos mercados é interpelado por um nativo que insiste em saber quem é Issa, duvidando completamente da intenção da visita e das fotografias do nosso português. Mas o resultado não foi tão mau como os acima relatados. Não foi preso, nem ameaçado. Recomenda a todos os viajantes que verifiquem se há luz suficiente nos destinos para onde vão, a perceberem junto do hotel o que devem e não devem fazer. Como se vestirem e como abordarem. Mas a decisão é ir, mesmo que seja país perigoso. E ser delicado, mostrar que amam o que fotografam, tal como pacientemente explicava nos mercados da Somália. Ficar em casa com medos é que não. Já agora, sobre reservas de hotel… o sábio viajante fica em hotéis sem ou com estrelas. Mas quanto a estrelas, basta as do céu para um viajante tão sábio e tão experiente, certo?

Esteve
Esteve Somália créditos: Unsplash

Outro país perigoso: Burkina Faso no coração de África com um ‘heart beat’ muito elevado, com o Daesh sempre evidente, com bombas constantes a explodir, risco elevadíssimo de rapto, com pobreza impressionável. O viajante humanitário saiu deste país – confessou-me em entrevista - a chorar. E diz que já chorou tudo o que tinha a chorar na vida, mas este país perigoso fê-lo chorar. Não pelo perigo, mas pela sensibilidade de um episódio único. Chegou ao aeroporto deste lugar paupérrimo, comeu num quiosque singelo e reparou no facto do aeroporto Ouagadougou ser tão simples, apesar de ser internacional.

Notou que estava a demorar muito o embarque. Tentou perceber. A assistente de bordo redobrava-se em esforços para cumprimentar cada passageiro e entregar uma flor. Sim ela estava a ‘atrasar’ a fila porque oferecia uma flor a cada pessoa que estava a abandonar o país. Um país carente, mas que investe em rosas de plástico para oferecer aos seus visitantes. Quando Issa entrou no avião, com a rosa na mão, colou-se à janela para esconder as lágrimas. Ele prometeu (na mudez de espírito) entregar a rosa quando chegasse a Portugal, no túmulo da sua mãe. Desculpem, agora permitam-me uma pausa.

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Chorei. Chorei muito e, por isso, a pausa. É tão bom viajar e aprender a viajar com quem sabe contar este tipo de passagens, porque também, por vezes, me sento na campa do meu pai (no sentido literal e figurativo) e conto-lhe sobre as minhas viagens. Mas nunca lhe levo flores. Quero ir ali e receber uma flor, tal com o Issa. E entregar a quem mais me ensinou a viver. E um dia também estarei, talvez, no ranking dos “most traveled people” que passaram por países com ou sem lei, com ou sem flores.