Escrevo este texto com exatos dois meses de viagem e ainda me custa crer que atravessei o oceano com duas mochilas às costas para viver sete meses entre o Brasil e o México. Há bem pouco tempo, escrevia sobre como planear um gap year e agora, escrevo sobre como está a correr, na prática, tudo aquilo que idealizei ao longo de vários anos.
Antes de partir
Assim como muitos dos meus sonhos e objetivos, também o meu gap year foi pensado e idealizado ao longo de vários anos. Tudo começou quando descobri o conceito de gap year, numa palestra do projeto Road Trip Gap Year da Associação Gap Year Portugal quando tinha 16 anos. No início, parecia tudo uma grande confusão, um emaranhado de ideias, sem princípio, meio ou fim. O principal já tinha, a vontade de ir, só faltava traduzir essas ideias em algo concreto e realizável.
Para mim, o fundamental foi criar a estrutura do projeto e isso faz-se respondendo a perguntas como “O quê? Onde? Quando? E de que forma?”. Outro essencial foi (e continua a ser) a pesquisa, ler blogs de viagens e acompanhar o conteúdo de outros viajantes, especialmente mulheres que viajam sozinhas, não só me inspirou, como também me mostrou que era possível.
Sei que é um clichê, mas o primeiro passo é realmente o que mais custa, o de tomar uma decisão e de fazer acontecer. Se isto é algo que realmente queres, avança, mesmo que com medo ou receio.
Eu parti nesta aventura com muito entusiasmo, mas também com muito medo, o meu e o dos outros. De tanto me dizerem para ter cuidado e do quão perigosa a América Latina é, sinto que vim com um peso que não me pertencia, mas que tenho vindo a desconstruir e a libertar-me aos poucos.
Nordeste do Brasil
Comecei a minha viagem no nordeste do Brasil, no Recife (capital do estado de Pernambuco) e desde então, já passei por Porto de Galinhas (estado de Pernambuco), Maceió (capital do estado de Alagoas) e Salvador (capital do estado da Bahia). Estive a maior parte do meu tempo em grandes cidades, capitais de estado, o que é inevitavelmente sinónimo de movimento e intensidade de pessoas (turistas e locais) e atrações.
Assim que cheguei, tive logo aquele choque térmico, de quem sai do inverno do norte de Portugal para o verão do nordeste do Brasil. Contudo, o corpo habitua-se a isso e a uma série de novas rotinas. Por exemplo, eu tomava o mesmo pequeno-almoço desde que me entendo por gente, duas torradas e uma chávena de café. Agora, dou por mim a alternar entre o cuscuz e a tapioca, o que me leva para um dos pontos altos desta viagem, a gastronomia.
Não há forma de falar do nordeste brasileiro sem falar da sua gastronomia, do aroma forte, cor vibrante e sabor intenso. À semelhança das cidades, também os pratos são compostos por vários contrastes de cores e texturas.
No Recife pude provar cuscuz, doce e salgado, pamonha, tapioca com queijo e coco, bolo de rolo, cocada, queijo coalho assado na brasa com melaço de cana, caldinho de feijão e experimentei a tão famosa água de coco gelada e a polpa do coco (basta pedir para abrir o coco no fim de beber).
Já em Salvador, deliciei-me com o que se encontra à venda em praticamente todas as esquinas: acarajé, um bolinho de feijão fradinho frito em azeite de dendê, acompanhado de vatapá, caruru, salada e pimenta para os mais fortes.
Outro ponto alto e que está sempre presente no meu dia-a-dia e no de todos os brasileiros é a música. Em Pernambuco é característico o frevo e o forró, inclusive há dois museus no Recife muito bons e interativos sobre este assunto, o Paço do Frevo e o Cais do Sertão. Na Bahia, o estilo musical mais famoso é o axé, que faz sucesso no Carnaval de Salvador desde a década de 1980.
Salvador e os seus encantos
A prova de que os planos mudam, foi a minha estadia em Salvador. Fui com o objetivo de ficar duas semanas e acabei por ficar sete, porque não quis perder nem a celebração do dia de Iemanjá nem o Carnaval, muito menos depois de perceber a dimensão que estes eventos têm.
O dia de Iemanjá é uma celebração religiosa do Candomblé e da Umbanda, em honra ao orixá Iemanjá, a “Rainha do Mar”, padroeira dos pescadores. Estas religiões afro-brasileiras têm um grande peso na cidade e na sua dinâmica cultural e eu tive o privilégio de me ter cruzado com várias pessoas que me explicaram mais sobre o seu contexto histórico.
Em relação ao Carnaval, é-me até difícil descrever tudo o que vivi naquela que é considerada a maior festa de rua do planeta. Foram dias de muita folia, animação e energia, coisa que não falta aos nordestinos.
Ritmo, intensidade e emoção
Nestes dois meses percorri mais de 1000km, conheci dezenas de pessoas, de histórias e de formas de viver. Chorei, ri, cantei, dancei, experienciei, senti, vivi. Foram dois meses muito intensos, que ainda estou a processar. Conheci de perto o conceito de efemeridade, fui confrontada com a dor da despedida e a alegria do reencontro. Vivo num constante encantamento e espero manter-me assim.
Projeto “Uma vida, Um planeta”
Este projeto chega-nos diretamente da parceria entre a Gap Year Portugal e a NOVA SBE. A vencedora, Ema Mateus, traçou um plano de viagem e autodescoberta de 190 dias rumo ao Brasil, Peru e México para trabalhar extensivamente o impacto sustentável que quer ter nesses países. Podem seguir no Instagram @umavidaumplaneta.
Comentários