Quando me mudei para a Holanda (Roterdão) resisti durante várias semanas até tomar a decisão de comprar uma bicicleta. Estávamos no outono, os dias começavam a ficar cinzentos, frios e molhados, pelo que pedalar era coisa só tolerada pelos ‘tolinhos’ holandeses.
A minha primeira aventura no país começou por ser a compra de uma bicicleta usada. Cerca de 12 anos depois da minha última vez em duas rodas, a primeira sensação que tive foi... "isto está um pouco instável". Mas a bicicleta era roxa e tinha um cesto na frente, e eu sou emocionalmente responsiva à cor.
Lembro-me que nas primeiras semanas não fazia muito mais do que dar voltas ao parque junto a minha casa. Só para sentir o vento na cara. Ou não a sentir a cara de todo, tal era o frio. Lentamente, comecei a levá-la ao supermercado, ao centro da cidade ou para sair à noite.
Hoje, a minha Union é a minha companheira de estrada. Já me viu rir, chorar, cair, ficar completamente ensopada em água ou fazer malabarismos. Sim, quando vou ao supermercado e me esqueço que o cesto não é propriamente grande para tanta mercearia. Já quase caímos na Ponte Erasmus devido ao vento, já me estatelei no meio de uma rotunda com um bolo de aniversário dentro do cesto. O bolo ficou intacto, eu com duas gigantes nódoas negras.
Mas já fiz progressos no país das bicicletas. Consigo conduzir só com uma mão no guiador, já não tremo quando tenho de fintar os carros em cruzamentos ou retomar a marcha quando o semáforo fica verde. Já consigo sentar-me na grelha de trás em andamento. E a chuva deixou de me incomodar. E o vento? Não, a esse nunca me irei habituar.
O mais engraçado é que ainda consigo perdê-la de vista no meio das centenas de bicicletas nos parques de estacionamento. Já contei pelo menos cinco minutos de coração acelerado.
A bicicleta é o "a pé" de quem mora no centro da cidade. Mas ainda mais prática. Por exemplo, ir buscar as crianças ao infantário. São dois? Três? Não há problema, um atrelado resolve. Só um? Uma cadeira especial pode ser colocada na frente da bicicleta. Ir ao supermercado tornou-se menos aborrecido e mais prático. Jantares com amigos, ir ao médico, às compras, ao pão...
Imagine poder ir para o trabalho de bicicleta. Imagine conseguir poupar dinheiro nos transportes públicos. Imagine não ter de se preocupar onde vai ter de estacionar o carro ou com a hora a que fecha o metro. Imagine voltar do trabalho e não lhe apetecer ir ao ginásio. Pode apenas pegar na bicicleta e sair para apanhar vento na cara enquanto se exercita de fato ou tacões.
O meu deslumbramento pela bicicleta na vida diária é tal que, sempre que regresso ao Porto, dou por mim a desejá-la. Em cidades onde tudo foi pensado para estar perto dos moradores, a bicicleta torna-se tão banal quanto libertadora. Não me espanta que os povos do norte de Europa sejam dos mais felizes do mundo.
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