“Para um espaço de memória como o Tarrafal, ao exemplo de Auschwitz, a opção técnica passa primeiro pela musealização em si. Terá de ser o próprio espaço a criar emoções, aliada a alguma informação”, disse o presidente do Instituto do Património Cultural (IPC) cabo-verdiano, Jair Fernandes.

Em entrevista à Lusa, o responsável acrescentou que esta informação não deverá, contudo, ser massificada, pois se tal acontecer, em certos momentos poderá ser aborrecido.

Jair Fernandes comentava, desta forma, algumas críticas ouvidas pela Lusa de visitantes do campo que se queixam de ter pouca informação no local, nomeadamente quem por lá passou, como viveram, quem foram.

Situado na localidade de Chão Bom, o Campo de Concentração do Tarrafal foi construído em 1936. Ali chegaram os primeiros presos a 29 de outubro desse ano, tendo funcionado até 1956. Em 1962, foi reaberto com o nome de “Campo de Trabalho de Chão Bom”, destinado a encarcerar os anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Ao todo, foram presas neste "campo da morte lenta” mais de 500 pessoas: 340 antifascistas e 230 anticolonialistas.

É sobre eles e o seu dia a dia que alguns turistas, de várias nacionalidades, disseram que gostariam de saber mais, mas Jair Fernandes promete melhorias para breve, não só dentro do campo, onde desde 2000 funciona o Museu da Resistência, mas também nas habitações no perímetro em redor, ocupado por populares que deverão ser realojados para aí nascer comércio e um hotel.

“Estamos a trabalhar no projeto de reabilitação e requalificação do edifício e zona em torno, está um trabalho a ser feito com a câmara municipal para uma nova delimitação da área classificada como património nacional”, disse.

Um trabalho feito a pensar, também, na classificação do Campo de Concentração do Tarrafal como Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), à qual Cabo Verde irá candidatar-se.

“Está-se a trabalhar com as várias instituições com interesse direto com Tarrafal, como a associação de antigos combatentes da liberdade, os ‘tarrafalistas’ em Portugal, presos políticos que passaram pelo Tarrafal.

Mas também com organizações com “iniciativas patrimoniais iguais ao Tarrafal, como [forte de] Peniche, em Portugal, onde vai ser implementado um museu da liberdade. São experiências que podem enriquecer uma candidatura do Tarrafal”.

Sobre a falta de informação, Jair Fernandes responde que também já ouviu críticas de “demasiada informação no espaço, que acaba por ser uma espécie de ´fait divers` para quem quer ter uma emoção própria, quem procura um espaço de memória, quer contemplar e interpretar a vivência do campo no seu momento, enquanto campo de morte lenta, espaço de repressão”.

“Há aqui várias interpretações e estamos a seguir uma via técnica muito bem aconselhada e comparável a outros espaços com temática idêntica”, assegurou, garantindo que a ausência de informação é deliberada.

Os quiosques – que serão instalados em três celas - irão permitir ao visitante visualizar o que foi o campo e, ao mesmo tempo, ouvir e escutar depoimentos de pessoas que passaram por lá.

O processo de classificação do ex-campo exige, contudo, um trabalho “mais articulado e abrangente, porque estão envolvidos muitos setores além da cultura e património cultural, por exemplo a inserção social, ministério da habitação”.

Isto porque em redor existem várias casas que foram ocupadas por populares, os quais deverão ser realojados num outro espaço.

“O que se prevê é a criação de condições para se efetivar esta mudança, a cedência de lotes para a construção de habitações em outro espaço e inclusive a cedência de uma moradia”, disse.

Para as casas há “uma ideia clara da sua reutilização enquanto espaço museal, (…) mas também outras ideias estão a ser avaliadas, como a introdução de um espaço museológico tematizado, de figuras que lá passaram, e contextos a que o Tarrafal foi sujeito neste período, até à sua utilização como espaço de serviços: venda de artesanato, restaurante e bar e uso hoteleiro”.

Para já, a expetativa recai sobre as orientações da UNESCO para a candidatura, esperadas ainda este ano e que são fundamentais para a montagem deste processo.

Em 2018, o Museu da Resistência (ex-Campo de Concentração do Tarrafal) foi o museu cabo-verdiano mais visitado, com 9.000 visitantes.

Lusa