Minas Gerais desenvolveu-se muito cedo, graças aos bandeirantes portugueses que se aventuraram à procura de ouro, e a região tem muitas cidades no chamado “estilo colonial” que equivale à nossa época pombalina. Mas o mais próximo de nós é a atitude dos belo-horizontinos, muito europeia, com uma contenção de temperamento e gosto pela qualidade de vida.

Passei largas temporadas na cidade, onde me sentia em casa. Belô, como eles lhe chamam, já foi considerada a cidade de maior desenvolvimento humano da América Latina e a 45ª entre as cem melhores cidades do mundo pela agência da ONU que avalia esses indicadores.

História: um estado berço de líderes e artistas

Até ao princípio do século passado a capital de Minas Gerais era Ouro Preto, que fica apenas a cem quilómetros e vale a pensa visitar. Aliás, esta região tem outras cidades historicamente interessantes, como Vila Rica e Sabará.

Ouro Preto
Cidade de Ouro Preto, Minas Gerais créditos: AFP

Depois do período da exploração das minas, a região dedicou-se sobretudo à pecuária. No final do século XIX, numa tentativa desenvolvimento e industrialização, resolveu-se criar uma nova capital. Nascia assim Belo Horizonte, em 1897, uma cidade moderna e uma das primeiras do Brasil a ser planeada de raiz.

Nas décadas de 1930 e 40 houve um grande avanço de industrialização levada a cabo pelo então Governador Juscelino Kubitschek, que mais tarde seria Presidente da República. Aliás Minas Gerais é o berço de três presidentes brasileiros – os outros foram Tancredo Neves e Itamar Franco. É também famosa pelos seus políticos e intelectuais, como Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Ruy Castro.

Os políticos têm tido grande influência no país e um estilo muito característico que mistura determinação com diplomacia. Esse estilo está presente também nos empreendedores belo-horizontinos, que desenvolveram a melhor indústria de moda do país e ultimamente fizeram da cidade um centro de tecnologia de ponta.

Cultura: museus e arquitetura

A cidade histórica tem uma beleza clássica, ao estilo eclético do princípio do século XX, pontuada com grandes exemplos de arquitectura moderna. Óscar Niemeyer, o mais famoso arquitecto brasileiro, que posteriormente desenharia Brasília, fez aqui as suas primeiras obras notáveis, dez ao todo, de que vale destacar – e visitar! – a igreja de São Francisco de Assis e o chamado “edifício Niemeyer”, com uma fachada ondulada com plataformas que mais tarde seria replicada no famoso Copan em São Paulo.

A igreja faz parte do Conjunto do Parque da Pampulha, inaugurado em 1943, e que reúne os maiores nomes do modernismo brasileiro. Foi desenhado por Sylvio Vasconcelos (que também concebeu as casas modernistas do bairro Cidade Jardim), o arranjo paisagístico é de Burle Marx e tem obras de Portinari.

Igreja de São Francisco de Assis
Igreja de São Francisco de Assis créditos: Pixabay

Mesmo no centro fica a Praça da Liberdade, com uma concentração notável de museus e centros culturais. O CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, fica paredes meias com a Casa Fiat de Cultura, o Palácio das Artes (sede do Ballet Corpo, a Sala Minas Gerais (sede da Filarmónica), o Arquivo Público Mineiro, a Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, o Centro de Arte Popular Cemig, Espaço do Conhecimento UFMG, Memorial Minas Gerais Vale, Museu das Minas e do Metal e Museu Mineiro. As exposições e eventos estão sempre a mudar, vale a pena percorrer a praça e ver o que está a acontecer. Para quem gosta de arte, são precisos pelo menos dois dias para investigar tudo o que acontece na Praça.

No centro da cidade fica o Museu Brasileiro do Futebol, que não é difícil de encontrar: está dentro do Estádio Mineirão, construído em 1965, uma peça interessante de arquitectura.

Imperdível: Instituto Inhotim

Mas o que não se pode perder é o Instituto Inhotim, que fica em Brumadinho, a 60 quilómetros de Belo Horizonte. É considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina e está na lista dos 25 imperdíveis da TripAdvisor. Foi aberto ao público em 2006 para abrigar a colecção do industrial Bernardo Paz, casado com a artista plástica carioca Adriana Varejão.

Tem mais de 450 obras de artistas brasileiros e estrangeiros de renome internacional, como Cildo Meireles, Vik Munis, Hélio Oiticica, Matthew Barney, Doug Aitken, Chris Burden, Yayoi Kusama, Paul McCarthy, Zhang Huan, Valeska Soares, Marcellvs e Rivane Neuenschwander. O jardim botânico, que é em si uma obra de arte, tem 4.300 espécies em cultivo.

Inhotim
Instituto Inhotim créditos: AFP

Estilo de vida: cafés, bares, "saraus" e bairros da moda

Se os museus e centros culturais são cativantes, mais cativante ainda é a vida dos cafés, restaurantes e casas que misturam acepipes com livros, moda, espectáculos e, sobretudo, umas horas de conversa que os belo-horizontinos tanto apreciam e cultivam. É preciso pelo menos uma semana para conhecer as dezenas de locais onde se pode passear e passar horas de descontracção.

A área mais tradicional é o bairro da Savassi, onde ainda hoje se pode ir, por exemplo, ao Café com Letras, onde acontece sempre alguma coisa: shows de jazz, apresentações de djs, lançamento de livros, mostras de fotografia e design.

O Grande Hotel Ronaldo Fraga não é um hotel; numa vivenda muito engraçada fica um café, barbearia, livraria e alfaiataria. Os seus “saraus” reunem a nata dos urbanos criativos da cidade.

Mercado Central
Mercado Central créditos: mercadocentral.com.br

Para visitar e comprar os produtos típicos da região há o Mercado Central, com a sua Cozinha Escola Mineira, na Avenida Augusto Lima, não muito longe do Parque Municipal. Perto, na Avenida Afonso Pena, ocorre a Feira Hippie, com uma infinidade de produtos artesanais. Fica quase ao lado do Guaja, um café e restaurante com uma frequência cosmopolita. Na moda estão o Nicolau-Bar da Esquina e o Glouton, considerado um dos melhores restaurantes do Brasil.

A Savassi foi de certo modo suplantada pelo Bairro de Santa Teresa. Lá encontramos o Bocaíuva, o Bar do Bolão, que aos fins de semana fecha às cinco da manhã, a Parada do Cardoso (excelentes pizzas!), a Bitaca da Leste, a Birosca S2, entre outros bares.

Outro bairro a explorar é o Jardim Canadá. O mercado Grano é ao mesmo tempo café, pastelaria (no Brasil diz-se “padaria”), restaurante, floricultura e loja de objectos artísticos. Acontecem eventos, regularmente: pode ser música, poesia, performance.

Culinária: herança portuguesa com produtos regionais

A culinária mineira é diferente dos outros estados brasileiros, pois tem uma forte influência da cozinha tradicional portuguesa, adaptada aos produtos tropicais. Muitos pratos provêem do que comiam os escravos e os serventes antigamente e que hoje foi adoptado pelos gourmets.

Pão de queijo
Pão de queijo créditos: Murilo manzini/Wikipedia

Tem os seus produtos típicos, como o queijo, os enchidos e os picantes, pão de queijo ou doce de abóbora. Queijo de minas com goiabada, o chamado “Romeu e Julieta”, vem daqui. E depois os pratos abundantes e com tempero cuidado, como o bambá de couve (caldo de carne engrossado com farinha de fubá, ovos, couve e linguiça, feijão tropeiro), frango ao molho pardo, leitão à pururuca (como o nosso, mas acompanhado de arroz branco, farofa, feijão-tropeiro e couve) canjiquinha com costeleta de porco, e vaca atolada (costeleta de vaca com farinha de mandioca).

Em Belô come-se bem, vive-se bem, aprecia-se as longas conversas sustentadas a queijo e café e há muito que ver. E não é tão inacessível como parece: a TAP tem sete opções semanais de voos a partir de Lisboa. Aceite a oportunidade e conheça Belo Horizonte, uma cidade mais que completa.

Texto: José Couto Nogueira