O dispositivo, denominado Gravador Contínuo de Plâncton (CPR, na sigla em inglês), é usado desde os anos 1930 para permitir aos investigadores conhecer melhor estes organismos marinhos.

O plâncton reúne espécies aquáticas arrastadas pela corrente, animais como águas-vivas no zooplâncton e plantas no fitoplâncton, além de bactérias e vírus.

O organismo constitui a base da cadeia alimentar marinha, produz grande parte do oxigénio que respiramos e desempenha um papel essencial no ciclo do carbono.

"O mais importante que vemos é o aquecimento global", explica Ostle, coordenador do Pacific CPR Survey, e isso tem consequências potencialmente graves para a vida marinha e para os seres humanos.

O estudo mostrou um deslocamento do plâncton em direção aos dois polos nas últimas décadas, já que as correntes oceânicas mudam, e muitos animais marinhos dirigem-se para zonas mais frias.

O plâncton que vive em águas mais quentes está a substituir o das águas frias, com frequência com ciclos sazonais diferentes. Isto força as espécies que dele se alimentam a adaptarem-se, ou a irem embora.

"A grande preocupação é quando a mudança é tão rápida que o ecossistema não consegue recuperar", disse Oster à AFP.

O aumento da temperatura dos oceanos pode provocar "o colapso da indústria pesqueira", explica, recordando que quase metade da humanidade tem o peixe como principal fonte de proteína.

Produz oxigénio e armazena CO2

O fitoplâncton, por sua vez, contribui para que os oceanos produzam metade do oxigénio da Terra e, ao mesmo tempo, armazenem pelo menos 25% do CO2 emitido pelos combustíveis fósseis queimados pelo homem.

Quando o plâncton e os seus predadores morrem e ficam no fundo do mar, levam com eles o carbono que armazenaram.

Mas as mudanças climáticas estão a exercer pressão sobre este ecossistema, com o aumento da temperatura do mar, a diminuição dos nutrientes que chegam do fundo até à superfície e o aumento da acidificação das águas.

O aquecimento "está a expor os ecossistemas oceânicos e costeiros a condições sem precedentes em séculos e milênios, com consequências para as plantas e para os animais que habitam os oceanos em todo o mundo", afirmam especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, no rascunho de um relatório que será publicado em 2022. Neste documento, advertem sobre o seu "impacto crescente na vida marinha".

Plâncton, pequenos organismos marinhos com grande impacto
Plâncton, pequenos organismos marinhos com grande impacto créditos: AFP or licensors

A previsão é de que a biomassa média do plâncton, que mede o peso, ou a quantidade total destas criaturas no planeta, deva diminuir entre 1,8% e 6%, em função do nível de emissões de gases de efeito estufa e das alterações climáticas.

Devido à grande importância, porém, até mesmo uma redução modesta do plâncton pode afetar o ciclo de alimentação marinha e provocar uma redução da vida nos oceanos de entre 5% e 17%.

Também podem haver "mudanças no ciclo do carbono e no sequestro de carbono, já que o nosso plâncton muda", e um plâncton menor poderá absorver menos C02, afirma a especialista Abigail McQuatters-Gollop, da Universidade de Plymouth, no sudoeste da Inglaterra.

No momento em que os líderes mundiais preparam-se para se reunir na COP26 em Glasgow, este é um claro exemplo de como a aceleração dos impactos da ação humana está a desestabilizar os intrincados ecossistemas que sustentam a vida.

Pensar no micro

A solução para esta questão não é tão fácil quanto plantar árvores, diz McQuatters-Gollop, mas uma pesca sustentável, a redução de poluentes e a diminuição das emissões de CO2 podem ajudar a melhorar a saúde dos oceanos.

No passado, a proteção do meio ambiente concentrou-se em "coisas grandes, bonitas, ou com valor monetário direto", como baleias, tartarugas, ou bacalhau, recordou.

A questão é que tudo isso depende do plâncton.

Assim como as plantas terrestres, o fitoplâncton precisa de nitratos, fosfatos e ferro para crescer. O excesso de nutrientes podem, no entanto, causar desastres ambientais. Foi o caso da Turquia neste verão, quando o litoral foi invadido por um "muco marinho", que bloqueou a luz solar e privou flora e fauna submarinas de oxigénio.

Visíveis do espaço, as eflorescências de plâncton podem ser alimentadas por tempestades de areia ou por erupções vulcânicas. Este fenómeno natural inspirou David King, fundador do grupo Climate Repair, de Cambridge, a fertilizar o plâncton mediante a dispersão de ferro na superfície da água.

A teoria é que isso não apenas ajudaria a absorver mais C02, mas também levaria a um aumento da vida no oceano, inclusive a contribuir para ajudar a aumentar as populações de baleias devastadas pela caça.

Muito a aprender

Mais baleias equivalem a mais excrementos, que estão repletos dos nutrientes de que o plâncton precisa para florescer. King espera que isso possa restaurar uma "maravilhosa economia circular" nos mares.

Um projeto piloto testará esta técnica numa zona do Mar da Arábia, cuidadosamente lacrada num "imenso saco plástico". King reconhece, porém, que a ideia pode ter consequências não desejadas: "não queremos desoxigenar os oceanos e tenho bastante certeza de que não faremos isso".

Os organismos oceânicos estão há milhares de milhões de anos a fazer fotossíntese, muito antes que as plantas terrestres. Mas ainda temos muito a aprender sobre os mesmos.

Foi somente na década de 1980 que os cientistas deram um nome à bactéria planctônica prochlorococcus, hoje considerada o mais abundante fotossintetizador do planeta.

Os cientistas utilizaram os dados obtidos pelo CPR para olhar para trás e rastrear as alterações climáticas. O equipamento também teve um papel importante no reconhecimento dos microplásticos que poluem os mares.

Ostle utilizou os registos destes navios para mostrar que os "macroplásticos", como sacos plásticos, já estavam nos mares na década de 1960.

Da embarcação em Plymouth, a água parece tranquila, enquanto a luz do sol desliza pela superfície. Mas cada gota é cheia de vida.

"Há toda uma galáxia de coisas a acontecer lá embaixo", diz a cientista.