Por David Salazar
A líder comunitária Mirla Aaron ficou chocada ao ver na beira da praia os ossos dos antigos habitantes de Tierra Bomba, uma ilha localizada em frente à luxuosa zona hoteleira de Cartagena, no norte.
Além do antigo cemitério, o mar "destruiu 250 casas da comunidade, o centro de saúde, molhes (…) levou vários espaços comunitários, infraestrutura elétrica" e o cemitério, diz emocionada Aaron, de 53 anos, à AFP.
Os túmulos destruídos, que estavam a uma distância segura do Mar das Caraíbas, são tão antigos que não há informações de familiares para cuidar dos restos mortais.
O problema dos efeitos das alterações climáticas em Cartagena soma-se ao facto de que o principal porto comercial da Colômbia foi construído num terreno com cavidades subterrâneas que colapsam, provocando o seu abatimento.
"Lamentavelmente, a ilha tem sido vítima de um processo erosivo (...) que tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas", afirma a líder comunitária.
Em 2021, a revista científica Nature publicou um estudo académico sobre a problemática na cidade de quase um milhão de habitantes: desde o início do século XXI, o nível do mar cresce anualmente cerca de 7,02 milímetros, "um ritmo superior" à média global (2,9 milímetros).
Se as emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas, o mar subirá 26 centímetros na baía até 2050, e 76 centímetros até 2100, afirmam os investigadores da Universidade Eafit, de Zagreb, e da Internacional de Miami.
Efeitos já visíveis
"O aumento no nível do mar na área costeira de Cartagena deve-se a dois fatores", explica o cientista ambiental canadiano Marko Tosic, um dos autores da publicação.
Primeiro, pela vulnerabilidade da cidade ao aquecimento global. Mas também devido à "subsidência", ou "abatimento do solo", que ocorre "por fatores tectónicos" e pela presença de "vulcões submarinos".
Essas formações vulcânicas "são lodosas e aos poucos a gravidade pressiona" e provoca o achatamento do terreno e o abatimento da cidade, acrescenta.
Há mais de 400 anos, em Cartagena, foi erguida uma fortaleza de muralhas para proteger as riquezas dos colonizadores espanhóis dos piratas. Essas construções são uma das razões de sua excecional beleza, que lhe rendeu o título de Património Mundial da Unesco.
Atualmente, as autoridades locais estão a ampliar 4,5 quilómetros de quebra-mar para amortecer o impacto das ondas. Sem essa construção, a autarquia assegura que 80% dos bairros estariam sob risco de inundação.
A AFP observou casas com paredes caídas na orla, um restaurante inundado onde os trabalhadores tentavam retirar a água que atingia os clientes e linhas de energia expostas pela erosão - antes, eram subterrâneas.
O especialista Tosic alerta que a situação das Caraíbas é gradual, mas tornar-se-á letal. É uma mudança "muito pequena, estamos a falar de milímetros ao longo dos anos, mas (...) a inundação será sentida".
Segundo Tosic, as populações pobres terão menos recursos do que as áreas dos grandes hotéis para lidar com a força da natureza.
Outro líder local e representante de pescadores, Mauricio Giraldo, reclama que o escudo de pedras protege as atrações turísticas e os hotéis de luxo, mas altera a corrente marítima e afeta as áreas onde vivem os mais vulneráveis.
Em Tierra Bomba, por exemplo, vivem "comunidades negras que foram escravizadas" e "que hoje resistem para não perder sua identidade", defende Aaron.
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