"A energia da Mãe Terra!", exclama Ximenes perante os participantes, que seguem o culto xamânico com os olhos fechados, descalços e com roupa de banho, cercados de uma densa vegetação do Cerrado (centro).
Famosa devido às cascatas e trilhos que há décadas atraem aqueles que procuram descanso longe das grandes cidades, a Chapada dos Veadeiros, a 230 quilómetros de Brasília, capital do Brasil, fortalece o perfil místico e vive um novo "boom" de retiros após a pandemia.
"As pessoas têm transformado-se, procuram desenvolvimento, a conexão com o divino. Nós sabemos que a humanidade passou por momentos muito difíceis, as pessoas estão a voltar para dentro de si, em busca da verdadeira felicidade", assegura Ximenes, que por causa da alta procura passou de programar um retiro a cada dois meses a dois por mês.
Muitos brasileiros interessaram-se por este tipo de terapia espiritual depois de dois anos de uma pandemia que matou no Brasil mais de 670.000 pessoas, o segundo país mais enlutado pela COVID-19 atrás dos Estados Unidos.
Os retiros parecem um antídoto para lidar com a perda de entes queridos e transtornos de ansiedade, contam os participantes.
"A energia daqui é totalmente diferente, então fazer um trabalho de se conectar com a espiritualidade, de cura nesse ambiente é realmente um diferencial", explica Juliana Abdala, de 34 anos, participante do retiro.
Centelha Divina, o templo de Ximenes situado na cidade de Alto Paraíso, oferece práticas energéticas, meditação, ioga, xamanismo e limpeza através da argila e do contacto com a natureza, tudo num lugar considerado "sagrado".
Aura mística
A Chapada abriga um parque natural com 240 mil hectares reconhecido pela UNESCO, onde vivem milhares de espécies da fauna e da flora do Cerrado, ameaçadas de extinção.
A 1.200 metros sobre o nível do mar, conta com inúmeras cascatas de água gelada e cristalina, que vistas de cima surgem entre a rochas enormes que, em algum momento, se partiram e separaram-se.
Mas é a aura mística o que tem cativado dezenas de religiões, mitologias e seitas.
A sorte e a fama da Chapada mudou bruscamente na década de 1980, quando uma foto da Agência Espacial Americana (NASA) supostamente mostrou que a região estava apoiada sobre uma gigantesca placa subterrânea de cristal de quartzo, algo desmistificado pela ciência, mas transformado numa crença popular.
Para além disto, Alto Paraíso fica no mesmo paralelo das ruínas de Macchu Picchu, no Peru, um facto que contribuiu para que se tornasse um centro espiritual.
Os locais, enquanto isso, também alimentam a fama de que a Chapada é um local ideal para o avistamento de extraterrestres, cujas representações pequenas e verdes enfeitam lojas e pontos turísticos da cidade.
Noutro ponto do Alto Paraíso, Carol Cianni, instrutora da prática de meditação Mindfulness, provoca os participantes com um desafio: degustar um pedaço pequeno de chocolate amargo em sete minutos em atenção plena, uma forma de trabalhar a sensação de ansiedade.
Durante a pandemia, "ficamos em casa, muitas pessoas acharam que estavam mais ansiosas, mas, agora, tinham mais tempo para ver a ansiedade delas. Então, entraram em contacto, colocaram uma lupa em quem são de verdade. Esse choque de realidade acho que levou muitas pessoas a irem para essa busca de quem sou eu e como lido com quem eu sou", diz Cianni, instrutora que organizou um retiro em Paraíso dos Pandava, outro centro de Alto Paraíso.
"Não é só saborear o chocolate, mas a própria vida", acrescenta Cianni.
Karla Moreno, uma funcionária pública, conta à AFP que decidiu fazer um retiro em Alto Paraíso com o marido, o professor de educação física Alexandre Mallman, após perder o pai durante a pandemia.
"Foi um momento mesmo de introspecção de voltar para dentro. Foi aí que começou a minha busca pelo autoconhecimento", assegura.
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