No sábado, dia 19 de dezembro de 2015, a menos de uma semana do Natal, Selnes, um auxiliar de educação de 54 anos, dormia em casa em Longyearbyen, capital deste arquipélago norueguês, que fica entre a Noruega continental e o Polo Norte.
De repente, massas de neve rolaram pela encosta de Sukkertoppen, a montanha que domina a cidade, e arrastaram duas fileiras de casas.
A casa de Tor Selnes foi deslocada 80 metros e o quarto onde dormia foi completamente destruído.
Para tentar evitar ser atingido pela neve, Selne agarrou-se à lâmpada do teto por alguns segundos. "Era como estar numa máquina de lavar, cercado de tábuas, vidro, objetos pontiagudos, tudo o que consiga imaginar", conta.
Selnes conseguiu escapar, mas com cortes e hematomas. Noutra parte da casa, os três filhos escaparam ilesos.
Mas dois vizinhos, Atle, com quem jogara póquer no dia anterior, e Nikoline, uma menina de dois anos, perderam a vida.
A tragédia, até então considerada impensável, chocou a comunidade de menos de 2.500 habitantes.
"Tem havido muita conversa sobre as alterações climáticas desde que cheguei (...) mas era difícil ver ou assimilar", comentou a escritora e jornalista Line Nagell Ylvisåker, que vive em Longyearbyen desde 2005.
"Quando mora aqui, é como ver uma criança crescer: não vê o recuo dos glaciares" de um dia para o outro, assegura.
Passado de mineração
Em Svalbard, as alterações climáticas significam invernos mais curtos, temperaturas oscilantes, precipitações mais pesadas e degelo do permafrost.
Todas estas condições são propícias a avalanches e deslizamentos de terra.
Nos dias que se seguiram à tragédia, uma chuva caiu sobre a cidade durante o período natalício. Depois vieram chuvas recordes no outono seguinte e outra avalanche que varreu outra casa, sem causar vítimas, em 2017.
"Antes, falava-se muito sobre ursos polares, sobre o que aconteceria na natureza", diz Line Nagell Ylvisåker.
"O urso polar a flutuar num pedaço de gelo era um símbolo disso, mas abriu os meus olhos para como isso afeta também a nós, humanos", acrescenta.
Após as duas avalanches, as autoridades decidiram destruir 144 casas consideradas vulneráveis. Isto representa 10% das casas da cidade, que agora foram substituídas por uma gigantesca barreira anti-avalanche feita de grandes blocos de granito.
Um revés para Longyearbyen, cuja história está intimamente ligada aos combustíveis fósseis.
A cidade, repleta de casas de madeira coloridas, foi fundada em 1906 pelo empresário americano John Munro Longyear, que veio para minerar carvão.
Embora quase todas as minas já estejam encerradas - a última encerrará no ano que vem - um enorme galpão de vagões permanece bem acima da cidade, uma lembrança do passado de mineração.
De acordo com Ketil Isaksen, investigador do Instituto Meteorológico Norueguês, a região de Svalbard é "o lugar da Terra com o maior aumento de temperatura".
Na parte norte do Mar de Barents, que circunda o arquipélago, o aquecimento é até sete vezes mais rápido do que no resto do planeta, segundo um estudo da Nature do qual é coautor.
Isto deve-se à redução da banquisa marinha, que, segundo os cientistas, normalmente atua como uma manta isolante que impede o oceano de aquecer a atmosfera no inverno e o protege do sol no verão.
Em Longyearbyen, o degelo do permafrost está a enfraquecer o solo, forçando a reconstrução das fundações das casas.
Nos arredores da cidade, o agora mal chamado Isfjorden ("fiorde de gelo"), que costumava ser atravessado por motos de neve no inverno, não tem formação de gelo real na sua superfície desde 2004.
Nos escritórios do jornal Svalbardposten, o editor-chefe Børre Haugli resume a situação assegurando que hoje, as alterações climáticas, "não se discute, nós vemos".
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