Texto e fotografias por Guilherme Teixeira
O despertador tocou às seis da manhã e após alguns pensamentos sobre a vontade de ficar no conforto da cama na manhã do domingo de Páscoa, lá decidi levantar-me e pegar nas chaves do carro. Vinte cinco minutos é o tempo necessário para chegar à Cascata da Cabreia, no concelho de Sever do Vouga, onde o objetivo era fotografar um melro-d'água!
Se há lição obrigatória nas aulas de Ornitologia é que as aves são madrugadoras e como tal é preciso chegar cedo. O pior é quando aliamos a vontade de captar a primeira luz matinal a incidir nas águas frias e cristalinas do rio Mau. O parque de campismo encontrava-se vazio e isso significava que não ia ter mais pessoas com quem dividir o espaço (todos os fotógrafos têm este pensamento egoísta, como se fossemos os donos do mundo e o local fosse o nosso jardim).
Cheguei ao parque de merendas com algumas fotografias em mente: fotografar a pequena cascata; fotografar o moinho; fotografar a cascata principal. Poucos minutos depois já estava com a primeira fotografia no bolso. Era hora de relaxar e aproveitar o momento enquanto me dirigia para a segunda fotografia. E eis que uma mancha castanha acompanhada pelo som ensurdecedor da água a bater no xisto passa à minha frente. O pensamento foi instantâneo: o guardião chegou! O melro d'água é uma ave territorial e isso indica que mais cedo ou mais tarde o iria encontrar pousado numa rocha ou a nadar nas águas frias. Da forma como o vi também o deixei de ver, mas estava tranquilo porque sabia que ele andava por aqui.
Um disparo e três segundos depois a fotografia do moinho de água estava tirada e com isso sabia que era hora de continuar. Grande parte do meu tempo foi dedicado à Cascata da Cabreia e consequentemente a apreciar o melro-d'água à procura de alimento... ora voava para dentro da cascata, ora descia o rio a uma velocidade só parada pelo impacto na água. Lamentei-me mil vezes por não ter uma 100-400 mm comigo, no entanto lá me resignei que iria ser só um espectador no magnífico desfile que esta ave estava a fazer. É nestes momentos que temos de nos sentir sortudos, estamos rodeados por ar puro, natureza e um silêncio que só era interrompido pelo bater da água nas rochas. É nestes momentos que nos sentimos conectados e vemos que há vantagens em sair cedo da cama!
Já estava resignado que não iria conseguir uma fotografia digna de apreciação quando o melro-d'água pára na rocha mais perto de mim, "click, click, click"... um burst de fotogramas foi disparado. Checkmate! A fotografia bónus estava alcançada. Apesar de não ser uma fotografia digna de um prémio, esta consegue ligar a história e criar uma sensação de familiaridade com o local. Após fotografar a cascata, foi hora de virar a minha atenção para os pequenos detalhes que me rodeavam. As flores que aproveitam a humidade deste local para florir foram o meu objecto fotográfico final. As cores vibrantes em tons azuis e roxos contrastam com o plano de fundo verde.
Esteticamente as fotografias retratam uma dia frio de Primavera com 7º C, mas banhado pela leve tonalidade quente que os primeiros raios de sol proporcionam. Retratar todo o local não é fácil! No entanto, a ordem de apresentação das fotografias conseguem criar uma guia visual ao leitor: começamos no parque de estacionamento, vamos até à cascata e voltamos para o carro. A última fotografia da cascata representa o lado místico deste local, a constante presença de água no ar foi usada para capturar a difusão da luz que penetra pelas espaços deixados pelo arvoredo envolvente. A fotografia mostra o lado mais íntimo da cascata. O sentimento de dificuldade em trabalhar os tons verdes sentido no Covão dos Conchos voltou a estar presente, sendo que desta vez a "tela" que tinha para trabalhar apresentava uma predominância desta mesma cor. Mas ser fotógrafo é isto! Trabalhar com aquilo que temos à nossa frente.
Muitas fotografias ficaram por tirar, mas a sensação de dever cumprido está lá. Da próxima vez, é altura de me focar no mundo pequeno e dedicar-me a trabalhar com as delicadas flores que ladeiam a Cascata da Cabreia.
Podem seguir as caminhadas e fotografias do Guilherme no seu blog, Raw Traveller, e no instagram.
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