Querida, avó!

Finalmente, cheguei a Nova Iorque. Nem acredito que consegui concretizar esta etapa da viagem e que estou a escrever uma carta à mão sentada num banco do Central Park - até parece a cena de um filme. Encontrei num mercado de rua uma coleção de cartões postais antigos e resolvi comprar um para enviar-te. Nunca utilizei o serviço dos correios, tenho as minhas dúvidas se funciona, mas dizem-me os mais velhos que não há como falhar. Assim, espero que recebas este postal em breve. As novidades não serão muitas porque podes ir acompanhando o meu dia-a-dia pela internet, mas acredito que irás valorizar receber esta carta mais do que qualquer relato virtual.

Consegui gerir a minha quota mensal de emissões de carbono para apanhar um avião de Londres até Nova Iorque. Desde que foi imposto este controlo apertado aos viajantes não tem sido fácil conseguir realizar viagens aéreas. Não é que me importe muito, pois adoro viajar de comboio mas eles ainda não atravessam o Atlântico e fazer esta etapa de barco estava fora de questão. A viagem de comboio pela Europa foi inesquecível - tal como me tinhas dito que seria. Com muita pena, não pude conhecer Veneza pois estava praticamente debaixo de água e o controlo aos turistas é super apertado.

Poderia dizer o mesmo de Nova Iorque, não fosse o engenho de vários diques construídos para travar a subida das águas e o esforço conjunto da cidade para abraçar um futuro sustentável. Ao observar os postais antigos, percebi como Manhattan está diferente. Os carros não circulam pelo centro da cidade, a não ser os famosos táxis amarelos que agora são completamente autónomos, sim, não têm condutor. O metro está renovado e é muito eficiente. Foram construídos corredores pedonais entre os edifícios do centro financeiro, existem muitos jardins suspensos e vários prédios têm hortas a serem cultivadas nos rooftops. A cidade é 100% vegan, mas a comida continua a ser deliciosa!

A partir daqui vou seguir caminho pela mítica Route 66 e explorar o interior da América. Vou conduzir uma caranava movida a energia solar, totalmente autossustentável. No entanto, não vai ser possível concretizar todo o percurso, uma vez que as temperaturas em Death Valley estão tão elevadas que já não são suportáveis para os humanos. Vou ter de fazer um desvio, mas darei um jeito. Nós arranjamos sempre uma forma de continuar, não é mesmo?

Depois da etapa norte-americana, vou descer até a América Central para conhecer a última barreira de coral ainda preservada do mundo. Mal posso esperar para nadar nas águas quentes do Belize. Com a minha passagem por lá, espero chamar a atenção dos meus seguidores para a fragilidade deste ecossistema e conseguir angariar fundos para ajudar as associações que atuam no terreno. Também vou passar pela Costa Rica para saber de que forma o país se tornou um exemplo de turismo sustentável e proteção da natureza. Mal posso esperar para conhecer o verdadeiro significado da expressão "pura vida".

Infelizmente, não sei se conseguirei visitar o que sobrou da floresta Amazónica. A instabilidade política e os conflitos constantes entre povos indígenas e governo colocaram a região na lista de lugares a evitar. E talvez seja o melhor. Não sei se iria aguentar as lágrimas ao ver a área devastada, sabendo que ali existiu um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Mas tenho esperança que os projetos em curso possam salvar o que ainda resta das florestas tropicais da América Latina.

A cada etapa desta viagem, o meu propósito vai ficando mais definido: tenho de mostrar às pessoas que ainda vale a pena viajar e conhecer o mundo - mas que o devem fazer de forma consciente e sustentável. As limitações agora são muitas, as grandes cidades estão sobrecarregadas, o ar está impróprio para respirar em alguns lugares, existem países que deixaram de existir, há outros em guerra constante que não podem ser visitados. As pessoas têm medo de ultrapassar fronteiras - algumas estão até fechadas por muros - e preferem ver o mundo através dos ecrãs que tomaram conta da nossa existência.

Contudo, sempre tivemos desafios e conseguimos ultrapassá-los. Tal como no ano em que nasci, em que o mundo enfrentava a grande pandemia do coronavírus. Mal sabíamos que iria ser o início de uma luta contra situações ainda piores... Mas acredito que temos as ferramentas para mudar o mundo para melhor. Tenho tentado fazer a minha parte.

Sempre me apoiaste a concretizar este meu sonho antigo de ser viajante profissional e dar uma volta ao mundo. Disseste também que seria preciso coragem e força para os desafios que se iriam apresentar pelo caminho. Não poderia estar mais de acordo, avó. Não tem sido fácil, mas prometo continuar. O mundo (ainda) é muito bonito para ficarmos sempre no mesmo sítio.

Beijinhos com saudades da tua neta!

Nova Iorque, 4 de setembro de 2045