Um belo dia de verão recebe-nos na Quinta da Pacheca, em Lamego, no Alto Douro Vinhateiro. Com as vindimas no horizonte, toda a paisagem pulsa de vida em tons de verde e as uvas da próxima colheita já espreitam entre as vinhas. Num dos muitos espaços exteriores de charme desta quinta que oferece variadas propostas de enoturismo, há uma longa mesa posta de forma elegante e campestre com um objeto que se destaca: em cada lugar, uma malga branca reluz entre o restante das loiças.

A tradição secular ganhou outro significado neste novo projeto da Quinta da Pacheca em colaboração com o génio da arquitetura portuguesa, Siza Vieira. A ideia de recuperar este objeto outrora muito usado em Portugal surgiu de uma "conversa" entre Paulo Pereira, um dos proprietários do grupo que detém a quinta, e o arquiteto. Nos momentos seguintes, "o arquiteto fez o primeiro esboço" daquela que seria a malga apresentada neste sábado na propriedade duriense, contou aos jornalistas Paulo Pereira.

Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira
Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira A Malga de Siza foi apresentada na propriedade duriense créditos: Alice Barcellos
Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira
Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira Quinta da Pacheca créditos: Alice Barcellos

"O luxo está na simplicidade", disse o empresário, referindo que este projeto, além de ser uma homenagem ao "papa da arquitetura", Siza Vieira, é uma forma de recuperar a tradição da malga, um regresso às origens e às tradições portuguesas.

De dimensões mais reduzidas, perfeita para segurar com apenas uma mão, a malga já era usada pelos romanos para beber vinho, popularizando-se em Portugal durante a Idade Média. Caiu em desuso entre as classes mais abastadas no século XVIII devido à porcelana chinesa, símbolo de luxo e estatuto social, trazida para a Europa com a expansão marítima portuguesa.

"Já tivemos o nosso período das descobertas, agora está na altura de sermos descobertos", defendeu Paulo Pereira que deseja que a malga seja mais um fator de diferenciação de Portugal lá fora e para os que visitam o país.

Malga de Siza

"Toda a encomenda que me é feita é um desafio. Eu considero-os por igual. Portanto, desenhar uma malga é o mesmo que me pedirem uma cadeira ou uma mesa. Tenho de pensar, primeiro, em fazer uma malga diferente das que já existem, porque senão não valia a pena. Penso, antes de mais, nos aspetos funcionais. A malga tem de segurar bem, como a gente tem de sentar-se bem numa cadeira. O processo do desenho está na procura deste aspeto de utilidade de um objeto", explicou o arquiteto numa chamada de vídeo durante a apresentação do projeto.

A malga foi desenvolvida por uma empresa portuguesa, a Maria Portugal Terracota, feita com materiais 100% reciclados, design contemporâneo e vidrado mais resistente. Esta malga dificilmente vai ganhar rachaduras como as antigas utilizadas por gerações anteriores que muitos ainda terão na memória. Outra particularidade é um pequeno relevo nas bordas que faz com que o vinho não escorra até ao fim, manchando a superfície onde esteja pousada.

"Muita gente pensará que esta malga é decoração. Não é. Os pontos na malga destinam-se a que seja mais difícil que ela nos caia das mãos", referiu Siza Vieira.

Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira
Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira Beber vinho em malga, uma tradição recuperada pela Quinta da Pacheca créditos: Alice Barcellos

A experiência de beber vinho em malga

"Com um diâmetro da boca de 13 cm e uma altura de 7 cm, esta malga apresenta o tamanho ideal para aninhar-se nas mãos e uma amplitude de calota que ajuda a libertar amplamente os aromas dos vinhos, de uma forma diferente que num copo", é descrito no site do projeto.

De facto, a experiência de beber vinho numa malga é completamente diferente da de beber vinho no copo. "A malga não é só uma recuperação histórica, é a ferramenta ideal para beber o Sousão. Uma casta muito nossa", afirmou Daniel Campos, diretor das marcas do grupo Terras & Terroir.

Assim, ali naquele almoço campestre com vista para as vinhas do Douro, cenário eleito Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, estreamo-nos a beber vinho em malga, uma experiência que ganhou outros contornos não só porque tínhamos entre as mãos um objeto da autoria de Siza Vieira, mas também por recriar uma tradição tantas vezes vivida nestas terras, contribuindo para que ela não se perca no tempo.

Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira
Beber vinho em malga: tradição recuperada na Quinta da Pacheca pelas mãos de Siza Vieira Uma boa combinação: a malga com o vinho da casta Sousão créditos: Alice Barcellos

O Pacheca Sousão Reserva 2020 cumpriu o seu papel com maestria e mostrou a sua presença, pintando de tinto o branco da malga.

A partir de agora, esta será mais uma experiência de enoturismo que os visitantes poderão ter na Quinta da Pacheca, ou em qualquer lugar do mundo, uma vez que a malga se encontrará à venda nos canais da quinta e em algumas garrafeiras do país.