Ponte de Lima recebe-nos bonita, num típico dia de outono, em que o rio corre com força, transbordando pelas margens habituais. Um passeio mais alargado pela vila mais antiga de Portugal teria de ficar para outro dia porque hoje o programa é à volta da mesa.
Dirigimo-nos para o restaurante Vaca das Cordas, nome “roubado” de uma das festas mais tradicionais do concelho. “E uma das mais divertidas também”, completa Teresa Moreira, minhota orgulhosa, presidente da Associação Portuguesa dos Criadores de Bovinos de Raça Minhota.
É com ela e com João Sobreiro, secretário técnico da associação, que nos sentamos à mesa, enquanto esperamos pelo almoço. A raça Minhota é uma das sete raças bovinas que compõem a oferta da marca Carnes da Montanha, onde é possível comprar online carnes portuguesas com certificação de Denominação de Origem Protegida (DOP).
O projeto surgiu durante a pandemia como forma de escoar a produção de carne que iria para restaurantes ou hotéis, mas “já existia a vontade de potencializar a comercialização destas raças”, explica a responsável pelas Carnes da Montanha, Inês Vieira. Um dos grandes objetivos “é fazer chegar à casa dos consumidores carne de qualidade, de origem nacional e que preserva o património e a cultura”.
No Minho, “a pecuária é ainda uma tradição”, sendo que “muitas famílias vivem da agricultura e pecuária”, explica Teresa Moreira. Agora, são “as gerações mais novas que continuam [os negócios familiares] mas passam a ter explorações maiores”, completa João Sobreiro.
Uma mudança que consideram “normal” e que também acompanha a alteração dos hábitos de consumo de carne. “As pessoas preocupam-se mais, procuram carne de qualidade, querem saber qual é a origem, de onde vem, onde foi abatido, como foi vendido”, realça Teresa.
O concelho de Ponte de Lima faz parte do solar da raça Minhota, que tem sido mantida ao longo dos tempos. Ao contrário da vizinha “Rubia Gallega”, raça espanhola que se perdeu com tantos cruzamentos, deixando de “ser certificada”, explica João.
Assim, quando nos é servida uma bela costeleta grelhada de carne Minhota, saboreamos o prato já com outra perceção. Afinal, ao consumir esta carne de tenrura excecional, estamos a contribuir para a economia local e para a própria manutenção da raça.
Pode parecer um paradoxo, mas não é. Se não houvesse consumo (e também reconhecimento das raças), os criadores não teriam como manter as explorações, o que, provavelmente, levaria à extinção de certas raças autóctones. É o caso da raça Cachena que vamos conhecer a seguir em Arcos de Valdevez.
Uma das raças bovinas mais pequenas do mundo
“É uma raça muito rústica, vive na serra a maior parte do tempo, vigiada pelo lobo”, conta José Ribas, presidente da Cooperativa Agrícola de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca.
A raça Cachena da Peneda, também chamada de Cabreira, é a raça bovina portuguesa mais pequena e uma das mais pequenas do mundo. Pelo seu efetivo atual, 4838 animais, é considerada em vias de extinção.
Podemos observar de perto alguns animais e comprovar o seu porte pequeno e elegante, enquanto visitamos a exploração de Fernando Cacho.
Tem 25 vacas, criadas ao ar livre. Os pais tinham “vacas de leite”, mas Fernando quis “pegar” na Cachena. Afeiçoou-se pela raça que, pelas características únicas, é fácil de lidar. São vacas que “gostam de andar ao ar livre, são muito independentes”.
Pelo solar da raça, nos concelhos de Melgaço, Monção, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Vila Verde e Terras de Bouro, existem muitos animais que são criados em plena serra, fazendo também um importante trabalho de limpar os terrenos, ajudando, assim, na prevenção de incêndios. A função de sapadores é transversal a várias destas raças protegidas.
Para saber mais sobre este mundo rural, do qual o gado é uma peça fundamental, rumamos até a Porta do Mezio, uma das cinco portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde, através de uma visita guiada, ficamos a conhecer mais sobre as tradições do passado, a vida nas aldeias de montanha, a convivência com os lobos, que eram a principal ameaça ao gado, entre outras informações importantes para ficarmos com a perceção global desta relação secular entre homem e natureza.
Em terras do Barroso, a Barrosã é rainha
De Arcos de Valdevez viajamos até Boticas para conhecer a Barrosã, raça que leva o nome da região onde está inserida. É a mais premiada das carnes autóctones nacionais.
O Barroso, que agrega Boticas e Montalegre, foi classificado, em 2018, como património agrícola mundial pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Esta distinção reconheceu as práticas da produção pecuária e de culturas típicas de montanha, onde se mantêm as formas tradicionais de trabalhar a terra e tratar os animais.
Mais uma vez, aqui encontramos animais que são criados ao ar livre, que só se alimentam de pasto e leite (no caso dos vitelos) e que recebem aquele carinho extra de criadores para quem a pecuária é um trabalho de gerações, como é o caso de Alfredo Cadime, cujos pais e avós já criavam a raça Barrosã.
Um trabalho árduo que não conhece fins de semana e feriados. "Todos os dias, por volta do meio-dia, as vacas vão cá para fora e passam o dia ao ar livre", descreve Alfredo Cadime, enquanto vai nos mostrando alguns vitelos que tinham nascido há pouco tempo.
Desde o produtor até ao prato do consumidor, há muito trabalho “invisível” a ser feito e grande parte dele é garantido pelas associações agrícolas, como é o caso da CAPOLIB – Cooperativa Agro Rural de Boticas.
A Barrosã já esteve praticamente em extinção, aliás, "Boticas chegou a ser uma zona de risco para a extinção da raça Barrosã", explica João Paulo Costa, diretor geral da CAPOLIB. Entretanto, “fruto do reconhecimento da carne Barrosã como Denominação de Origem Protegida [DOP] houve uma maior vantagem para os produtores”. Passou-se a pagar um preço superior pela carne e passou a compensar produzir esta raça “autóctone e genuína daqui da região”.
E, afinal, o que implica esta sigla DOP? Em primeiro lugar, a carne tem de ser produzida nos territórios estabelecidos como “área de produção”. É uma relação “estreita entre o produto com os fatores humanos e ambientais”. “É a maior distinção para garantir a autenticidade de um produto”, salienta o responsável.
A raça extrapolou o seu solar e hoje em dia também é produzida nos distritos de Vila Real, Braga e Porto.
Atualmente, existem menos de 7.500 animais da raça, mas comercializados no agrupamento de produtores são muito menos. “O trabalho que fazemos concentra toda a oferta de todos os produtores, todos os animais são abatidos na PEC Nordeste em Penafiel e a partir daí é feita a comercialização”.
O projeto Carnes da Montanha trabalha em conjunto com as várias associações e cooperativas agrícolas para garantir ter a maior variedade de raças possível na sua loja online. Uma vez que o produto é “bastante perecível” é preciso haver sempre uma coordenação entre os stocks e com as validades, realça Inês Vieira.
Conheça abaixo as sete raças das Carnes da Montanha:
Produção amiga do ambiente
João Paulo Costa não tem dúvidas que a produção sustentável é uma das principais características da carne Barrosã e outras raças que seguem os mesmos critérios.
“Carnes saborosas, tenras e suculentas há muitas. A nossa é seguramente uma delas, para além disso, tem associada outras características que são verdadeiramente diferenciadoras não só a nossa carne, mas nas que estão englobadas no mesmo regime”.
“É uma produção absolutamente sustentável. Uma carga animal muito suave e ligeira nos campos, isso quer dizer que a pegada de carbono que deixamos é positiva porque as fezes e o metano que os animais libertam servem para fertilizar a terra. O carbono que é retido pelas pastagens é muito superior à quantidade de carbono que os animais eliminam. Temos uma pegada de carbono favorável”, conclui.
Em Boticas, a carne Barrosã pode ser saboreada de diversas maneiras no restaurante do Hotel Rio Beça.
Para ficar a conhecer mais sobre as riquezas naturais do concelho, é obrigatório visitar o Boticas Parque - Natureza e Biodiversidade que conta com muitas atividades desde o contacto com animais, arvorismo, pesca desportiva, passeios de kayak ou caminhadas.
O SAPO Viagens viajou a convite das Carnes da Montanha
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