"Cuidei que o tempo parara aqui (…)". Assim escrevia em Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco, o irreverente escritor que passou a sua juventude em Vila Real. Transpomos a afirmação para o contexto natural de um concelho de natureza imaculada que quase parece intocada e intocável que, quiçá, terá inspirado o escritor.

Do Parque Natural do Alvão à Serra do Marão, cada passo é uma nova revelação, que nos apruma os cinco sentidos: tocamos a diversidade, escutamos o silêncio, cheiramos aromas doces, provamos a fruta da terra e deliciamos o olhar na deslumbrante paisagem. Bebemos a frescura da água que com a sua dureza rompe rochedos e a sua suavidade se deixa levar rasgando a terra e alimentando férteis vales. Para sul, o Douro assume-se como protagonista, o seu brilho estende-se pelas encostas onde os socalcos alinhados das vinhas pintam quadros bucólicos, de cuja beleza brotam os melhores dos néctares.

As mulheres e homens que aqui nasceram e cresceram são os grandes aliados desta natureza, aqui edificaram monumentos, aqui formaram povoações, aqui criaram tradições, aqui mais do que uma forma de estar, encontramos uma forma de ser, que nos leva a pensar: “Cuidei que o tempo começara aqui (…)”.

É com esta caracterização que o município de Vila Real apresenta as sete Pequenas Rotas recentemente homologadas, que totalizam 94 quilómetros para caminhar. O Vale do Corgo, a Serra Marão, o parque Natural do Alvão, o Douro Vinhateiro Património Mundial da Humanidade são algumas das referências que encontramos nestes trilhos que, para além da forte componente de natureza e biodiversidade, permitem conhecer a arte, o património, a história e a cultura dos lugares, as tradições e a gastronomia de uma comunidade que encontra na terra a sua maior inspiração.

Há dois tipos de paisagens marcadamente distintas: a zona mais montanhosa das serras do Marão e do Alvão, separadas pelo verdejante e fértil vale da Campeã; e a Sul, com a proximidade do Douro, os vinhedos e socalcos. São muitos os cursos de água que cruzam o concelho, com destaque para o rio Corgo que atravessa a cidade num profundo vale, que pode conhecer a caminhar.

Do vale do Corgo ao fojo do lobo: Vila Real apresenta sete percursos pedestres
Do vale do Corgo ao fojo do lobo: Vila Real apresenta sete percursos pedestres PR3 VRL - Percurso Pedestre do Douro Vinhateiro I créditos: DR

 Vila Real a caminhar: 94 quilómetros para descobrir

O objetivo dos percursos pedestres é permitir conhecer o concelho, passo a passo, numa experiência segura e imersiva, que permite cruzar alguns dos lugares mais espetaculares do concelho.

PR2 VRL - Percurso Pedestre do Vale do Corgo Norte

No seu troço inicial, o percurso acompanha o traçado do Caminho Português Interior de Santiago, passando pelas povoações de Ferreiros e Borbelinha, onde pode apreciar a presença imponente da Serra do Alvão.

Entre subidas e descidas, o vale do Corgo mostra-se em toda a sua plenitude, e o percurso segue em direção a Escariz e Benagouro, até alcançar, mais à frente, o seu ponto mais setentrional em Vilarinho de Samardã, onde Camilo Castelo Branco viveu “os primeiros e únicos felizes anos da sua mocidade”.

Descendo até ao leito do rio Corgo, o regresso ao ponto inicial faz-se pela encosta nascente do vale, marcada pela presença de socalcos para pastoreio e pela flora ribeirinha que domina as linhas de água.

PR3 VRL - Percurso Pedestre do Douro Vinhateiro I

Este percurso desenvolve-se num traçado sobranceiro ao rio Corgo e possibilita percorrer uma boa parte do sul do concelho de Vila Real, dentro da Região Demarcada do Douro.

Esta pequena rota atravessa uma antiga ponte Ferroviária da Linha do Corgo, desenvolvendo-se pelo traçado da Ecopista da Linha do Corgo, numa descida ao longo da margem esquerda do rio, marcada pela presença maioritária de vinha, apenas interrompida nas situações menos favoráveis com persistência de vegetação natural arbustiva.

O percurso passa pelo antigo apeadeiro ferroviário de Cruzeiro e pela povoação de Penelas, onde se pode apreciar da beleza arquitetónica da Capela de Santa Luzia.

PR6 VRL - Percurso Pedestre das Florestas do Marão

Este percurso desenvolve-se em ambas as encostas do Ribeiro dos Azibais, atravessando diferentes florestas desta grande mancha arborizada no concelho de Vila Real.

Saindo de Vila Nova, o percurso segue para poente em direção ao Alto de Espinho (limite dos concelhos de Vila Real e Amarante).

Enquanto nos aproximamos da dureza quartzítica de Pena Suar, é identificável o belo recorte de toda a crista montanhosa de ligação entre o Alto do Velão e o Alto de Espinho. Ainda nas imediações, olhando para a encosta simétrica, em pleno Marão, reconhece-se abaixo das alturas do Pico de Freitas, o mosaico da arborização de vidoeiros com diversas resinosas, até ao limiar da interseção com a vegetação natural do carvalhal, que domina a base do vale em parceria com o castanheiro, espécie muito apreciada pelos agricultores da zona.

PR7 VRL - Percurso Pedestre do Carvalhal de Gontães
PR7 VRL - Percurso Pedestre do Carvalhal de Gontães PR7 VRL - Percurso Pedestre do Carvalhal de Gontães créditos: DR

PR7 VRL - Percurso Pedestre do Carvalhal de Gontães

Este percurso desenvolve-se em torno da aldeia de Gontães, percorrendo um mosaico diversificado de povoamentos florestais, onde persistem manchas de vegetação natural de assinalável extensão.

O percurso inicia em direção a oeste, atravessa o rio Sordo, onde a envolvente de lameiros é permanente, e segue para norte subindo até à Portela do Ar, espaço aplanado num dos pontos mais altos do percurso (940 m de altitude).

PR8 VRL - Percurso Pedestre do Mineiro

Este percurso percorre a fronteira dos concelhos de Vila Real e Mondim de Basto e atravessa a memória da exploração mineira da região.

O percurso atravessa Vila Cova, onde se reconhece a presença generosa do xisto como material de construção, seguindo para sul, por um antigo caminho rural, acompanhado pela margem esquerda do ribeiro de Vila Cova, possibilitando um contacto próximo com a agricultura intensiva do vale orientada para a produção de erva para o gado (raça bovina maronesa), e um contacto com as encostas do vale revestidas por florestas, que alternam entre os pinheiros, os carvalhos e os castanheiros.

Passando por Pêpe, onde se destacam casas rurais com alguma imponência, o percurso segue para norte, passa pela povoação de Mascoselo, contorna a Casa de Guarda Florestal e continua por um caminho que permitirá alcançar o Marco Geodésico de Covelos, o ponto mais alto do percurso com uma altitude superior a 1100m.

PR9 VRL-MDB - Percurso Pedestre do Alvão | Barragens Barreiro – Lamas de Ôlo
PR9 VRL-MDB - Percurso Pedestre do Alvão | Barragens Barreiro – Lamas de Ôlo PR9 VRL-MDB - Percurso Pedestre do Alvão | Barragens Barreiro – Lamas de Ôlo créditos: DR

PR9 VRL-MDB - Percurso Pedestre do Alvão | Barragens Barreiro – Lamas de Ôlo

Começa e termina junto da Estação da Biodiversidade de Lamas de Ôlo, e está inserido na sua totalidade na área do Parque Natural do Alvão, oferecendo paisagens de rara beleza e, permitindo o contacto com o mundo rural e com um vasto património natural e cultural.

O percurso segue para sul em direção à Barragem da Fundeira e à Barragem Cimeira, e inflete para oeste, onde se pode avistar, na zona de maior elevação do percurso (aos 1175 m de altitude), o Monte Farinha com o santuário da Senhora da Graça e os cabeços da Ribeira e da Teixeira.

A pequena rota continua agora para norte em direção à aldeia rural de Barreiro, onde poderá visitar a Capela de Santo António. Nesta aldeia podem observar-se grandes massas graníticas, modeladas por ventos e intempéries. Nas zonas mais baixas e abrigadas é de assinalar a presença de povoamentos florestais de certa dimensão.

PR10 VRL - Percurso Pedestre do Fojo do Lobo

O “Percurso Pedestre do Fojo do Lobo” é um percurso circular com início e fim junto ao painel informativo localizado em Samardã.

A pequena rota leva-nos até ao Fojo do Lobo, um lugar singular pela sua relação ancestral entre o lobo e o homem. É impossível ficar indiferente à sua configuração arquitetónica, única, que consiste num muro circular de forma tosca, aproveitando o declive do terreno, com cerca de 50 metros de diâmetro e ligeiramente inclinado para o interior. Este tipo de estruturas era ancestralmente usado como armadilha para lobos, sendo os animais atraídos para o seu interior por uma cabra que era deixada aí à sua sorte. A configuração do muro facilitava a entrada do lobo, mas impossibilitava a sua saída, principalmente depois de saciado, ficando então à mercê dos caçadores que, terminada a matança, o exibia como troféu pela aldeia.

Paraísos naturais em pleno aglomerado urbano

Da vila velha, acedemos por passagens íngremes aos Passadiços do Corgo que, ao longo de um quilómetro, acompanham o rio que lhe dá nome e nos mostram a força e determinação da natureza, mas também a habilidade do homem, que aproveitando a força das águas ali construiu a Central de Biel, uma das primeiras centrais hidroelétricas a abastecer a rede pública no país.

A caminhada pelos passadiços faz-se sempre por entre vegetação e é possível chegar a um ponto de repouso e observação que nos permite contemplar a beleza de uma pequena queda de água, em pleno centro da cidade.

As quedas de água são uma das atrações naturais mais espetaculares deste território e, com alguma facilidade, podemos encontrá-las ao logo das caminhadas sugeridas pelas Pequenas Rotas agora homologadas.

Passadiços do Corgo
Passadiços do Corgo Passadiços do Corgo créditos: DR

Depois de “mergulhar” neste pequeno vale do Corgo, os Passadiços levam-nos de regresso à cidade, à urbanidade, fazendo-nos perceber como pequenos lugares nos conseguem retirar da rotina e da agitação da cidade.

Outro lugar especial para visitar é o Palácio de Mateus. Propriedade privada que dá a imagem ao famoso vinho Mateus Rosé, comercializado pela Sogrape.

Deixamos a movimentada estrada para caminhar por entre árvores até chegar ao lago onde se espelha o Palácio, considerado um dos monumentos mais representativos do Barroco no Norte de Portugal e um dos mais característicos da Europa, tendo sido classificado como monumento nacional em 1910.

Para além da casa principal o Palácio  é conhecido também pelos seus jardins, pela Adega e pela Capela. No interior da casa, encontra-se uma biblioteca com 6000 volumes, onde se destaca a célebre edição ilustrada dos Lusíadas de Luís de Camões de 1816 e nas restantes divisões da casa, poderão ser vistas inúmeras peças de mobiliário, tapetes, loiças, vestes e relíquias.

Com marcação prévia é possível também fazer provas de vinhos rosé.