Por Tânia Neves, líder de viagens The Wanderlust e autora do blog Travelling with Tânia

Desde que viajo para o Nepal (2016), que tenho vindo a ler controversos artigos de blogs, notícias, declarações de agências de viagens, relatos de jornalistas, em que (quase) todos alegam que o Nepal é a exceção no que toca a montar elefantes para fins turísticos.

Eis as mentiras ofuscadas a que deves estar atento sobre a situação atual com os elefantes do Nepal.

“Todos os elefantes são essenciais para a conservação do parque”

Semi-verdade. Sim, os militares/guardas florestais usam o elefante como meio de transporte para patrulharem a densa floresta, por caminhos que de outra forma seria impossível. Além de que ficarem elevados ao ponto de terem melhor visibilidade, acabam por estar num “veículo” natural da selva, não afetando assim o ambiente, nem sendo invasivo para com os seus companheiros selvagens.

Mas no Nepal há cerca de 208 elefantes domesticados, face aos apenas 108 a 145 selvagens, e estes números não incluem os que estão em jardins zoológicos. Destes 208, 92 pertencem ao Governo – os restantes são usados para o turismo.

Elefantes no Nepal
Elefantes no Nepal: uma situação controversa créditos: Tânia Neves

Por isso sim, os elefantes são essenciais para o trabalho incrível que tem sido feito no combate aos caçadores de rinocerontes, elefantes selvagens e do tigre de bengala. Só na última década, o número de tigres de bengala quase que duplicou: passaram de 120 para 235 (dados de 2018). Já os rinocerontes eram apenas 100 quando o Parque Nacional de Chitwan se oficializou, em 1973, e hoje são cerca de 600. Os números são absolutamente impressionantes, e é de louvar o trabalho que tem sido feito no terreno.

Contudo, os elefantes usados no turismo têm uma realidade bastante diferente.

“Mas as condições como tratam os elefantes têm melhorado bastante nos últimos anos”

Vão-te sempre dizer que sim, mas não é preciso pesquisar muito para perceber que não. As condições em que mantêm estes animais gigantes, continuam a ser precárias. Vivem acorrentados, por vezes apenas debaixo de um telheiro de lata. Muitos são solitários!

É também bastante dispendioso manter um elefante: a sua dieta deve ser rica em vitaminas A e D, consomem diariamente cerca de 50kgs de erva fresca, alguns vegetais e 200 litros de água. Mas, no meio selvagem, um elefante pode facilmente ingerir até 300kgs de comida por dia! É difícil controlar a dieta de um elefante em cativeiro, e isto acaba também por se refletir na sua saúde, aspeto e condição física geral.

Elefantes no Nepal
É possível ver a lesão na pele do elefante da pressão feita pelo pau de madeira créditos: Tânia Neves

Também defendem que os mahouts (os treinadores/cuidadores de elefantes) deixaram de utilizar ferros para os treinar, passando a utilizar paus de madeira - isto é verdade, mas ainda são bastante visíveis as lesões na pele, mesmo quando os mahouts usam paus de madeira.

Muitos dos mahouts já não sobrevivem apenas de passeios dos elefantes e também vendem serviços como “dar banho aos elefantes”, jogos com bolas ou até concursos de beleza de elefantes. Mas todas elas envolvem treino extenuante, semelhante aos que se fazem nos circos.

Elefantes no Nepal
créditos: Tânia Neves

O pior pode mesmo ser a saúde. Estima-se que cerca de 20% dos elefantes do Nepal sofram de tuberculose. E porque são obrigados a manter a rotina, mesmo quando as temperaturas estão acima dos 40ºC, é normal terem lesões na pele, além das feridas resultantes das bastonadas do treino, e os pés queimados da falta de cuidado e excesso de trabalho. São também comuns a cegueira e a deformação dos membros.

Grave também é a falta de socialização e falta de oportunidade de ter um comportamento normal para um elefante. Num animal que pode viver 60 anos, ou mais, a catividade é um dos maiores crimes que lhe fazemos.

“Já não estão acorrentados”

Dos cerca de 65 elefantes usados para turismo em Chitwan, atualmente há apenas um que não está acorrentado, após larga insistência e trabalho árduo de várias organizações pró-animal no Nepal. Todos os outros elefantes se mantêm acorrentados, durante toda a noite, por vezes também durante o dia, quando não estão a trabalhar.

Elefantes no Nepal
Turistas num passeio de elefante créditos: Tânia Neves

Em 2015, a Elephant Aid International conseguiu construir cercas para tirar das correntes 13 elefantes. Contudo, no ano seguinte, a cerca foi destruída.

Perto de Chitwan, à data da minha última visita ao Nepal (Outubro 2018), existia apenas um alojamento, o Tiger Tops, que decidiu comprar elefantes para os manter livres na sua propriedade, e um outro alojamento, o Evergreen Ecolodge, que, apesar de não ter condições para ter um elefante, mantém uma promoção ativista para a liberdade dos elefante e desencoraja o turismo com passeios, trabalhando juntamente com a Stand Up For Elephants na promoção de atividades que asseguram o bem-estar destes animais.

Em 2017 foi lançado o documentário “Unchained”, de Alex C. Rivera, que conta de forma brutal a realidade dos elefantes em Chitwan.

“Eu posso escolher o elefante que quero”

Na realidade, todos os elefantes pertencem a donos privados, de duas cooperativas diferentes. Os mahouts são trabalhadores precários, que recebem salários baixíssimos, para cuidar e explorar a parte do turismo com o elefante, mas os lucros vão sempre para os proprietários. Esses proprietários são, muitas vezes, também os donos de resorts e safari lodges em Chitwan e arredores.

Elefantes no Nepal
Elefante acorrentado créditos: Tânia Neves

Na altura da marcação, vão dizer que o elefante disponível fez poucos passeios no dia, carrega poucas pessoas, é saudável, mas a verdade é que os proprietários podem fazer uma rotação entre os elefantes da cooperativa, e em época alta os animais podem efetivamente entrar num ciclo de excesso de trabalho. Isto acaba por ser mais lucrativo para a cooperativa, que alega ter que subir os preços para garantir os slots de disponibilidade dos animais.

Ingenuamente, os turistas costumam pensar que através do passeio no elefante estão a ajudar uma família. Não é de todo mentira: se não trabalharem, não recebem. Daí que em 2016, Coranne Plummer deu início a um conceito novo em Chitwan, chamado “Freedom Hour - Hora da Liberdade”, em que se pagava ao mahout o passeio de elefante, mas este gozava do tempo do passeio em liberdade, e os turistas podiam simplesmente admirar o elefante a ser um elefante. Desta forma conseguia-se um meio termo entre a economia e o bem-estar do animal.

Elefantes no Nepal
Um mahout cuida dos elefantes sem que estes estejam acorrentados créditos: Tânia Neves

“Os elefantes estão completamente domesticados, nunca me vão fazer mal"

Apesar de haver um berçário de elefantes, o Elephant Breeding Centre, a dura realidade é que continua a haver importação ilegal de elefantes oriundos da Índia. Criar um elefante é dispendioso: as mães têm que se “reformar” do trabalho durante dois a três anos, e as crias demoram também a ser treinadas. Muitas vezes é feita uma importação ilegal, mais barata, de animais que já vêm doentes, da Índia. Ainda não há forma de controlar esta realidade.

Aconteceu, inclusive, com um dos proprietários, ter comprado um elefante macho, em vez de fêmea. Os elefantes machos são extremamente mais perigosos, pois podem destruir casas em época de acasalamento. Esse elefante, o Ramu, foi salvo por voluntários no Nepal, através de uma campanha de crowdfunding bem-sucedida.

Quando os elefantes levam os turistas para a selva, pode também acontecer cruzarem-se com Ronaldo, o maior elefante selvagem em Chitwan, ou outros animais. Se se sentirem em perigo, podem ter comportamentos que se podem revelar fatais para os turistas.

“Estou a ajudar o Nepal”

É triste usarem este pretexto para promover uma atividade que tem vindo a desacelerar noutros países asiáticos. A melhor forma de ajudar o Nepal é tentar encontrar um meio termo que proteja quer os elefantes, quer os mahouts, mantenham uma economia sustentável, mas respeitem simultaneamente as condições deste animal majestoso.
A relação entre a população local e os elefantes é mais antiga que o cristianismo e que o Islão, e há que respeitar esse contexto cultural. Contudo, o turismo em massa não é desculpa suficiente para justificar os maus-tratos e condições dos elefantes no Nepal.

Elefantes no Nepal
Elefante durante de uma "freedom hour" créditos: Tânia Neves

Mas então, há alguma coisa que possamos fazer, que envolva elefantes e seja positivo quer para a comunidade quer para a minha experiência no local?

Além das entidades referidas acima, está finalmente a ser construído o primeiro santuário de elefantes no Nepal: o Nepal Elephant Walk Sanctuary foi registado em Novembro 2018, e já tem o seu próprio terreno perto do Parque Nacional de Chitwan. A prioridade deste santuário passa pela educação da população local, a reforma de elefantes de trabalho (a prioridade é o elefante do Jardim Zoológico, que apesar dos seus 70 anos, ainda trabalha a carregar turistas!), e promover atividades responsáveis com turistas e voluntários. A The Wanderlust apoia esta causa e doa 10% do lucro das viagens ao Nepal.

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