Por Tânia Neves, líder de viagens The Wanderlust e autora do blog Travelling with Tânia
Sem esperar receber nada em troca pela minha visita ao país, voltei com a bagagem cheia: cheia de sonhos, de aspirações e de esperança, de um país que, não sendo o meu, recebeu-me como se fosse.
É como se tivéssemos chegado à casa de onde nunca partimos.
O Nepal é um destino magnético, que nos transforma, que nos acolhe e nos vê partir, sempre com a promessa de que, um dia, iremos voltar.
O Respeito pela Natureza
Logo à chegada, no avião, avistam-se os picos mais altos do mundo, lado a lado com a asa, rompendo entre as nuvens com uma invejável imponência. É impossível ficar indiferente às paisagens no Nepal, e ainda nem aterrámos!
Já na base desses mesmos grandes picos, a paisagem tropical, densa e selvagem, que vamos navegando por estradas que se serpenteiam entre rios, cascatas e florestas. Estas selvas, que servem de lar a espécies animais tão variadas como rinocerontes e tigres, elefantes e búfalos: afinal, o pequeno Nepal é uma grande casa para as mais fortes espécies do planeta.
Já os humanos, há muito que se ambientaram a estas paisagens tão distintas, inóspitas e desafiantes. Dos sherpas, que sobem montanhas com a facilidade de quem caminha em linha reta, num piso plano; aos apicultores, que desafiam a própria vida ao escalarem trilhos impossíveis, em busca da colmeia mais recôndita.
Humildade
Com uma história que se estende por poucos anos, o Nepal nasceu da fusão de diferentes reinos, revoluções culturais e abusos políticos dos países vizinhos. Talvez pelo seu passado conturbado, a personalidade do seu povo começou a ser polvilhada com pitadas de humildade, prezando sempre o gosto de viver, de celebrar cada dia, algo talvez já perdido nas sociedades contemporâneas.
No Nepal aprendemos o que é ser humilde na sua génese. As coisas não se quantificam, apenas “são”. E agradecemos por isso. Numa casa onde há uma caneca para quatro pessoas, nunca serão três canecas a menos, mas sim uma linda caneca para todos.
Reflexão
São vários os locais no Nepal onde podemos fazer um retiro espiritual, aprender a meditar ou a fazer yoga. Aqui, as tradições religiosas, bem como a natureza, fazem do Nepal um dos sítios perfeitos para nos encontrarmos com nós próprios, um exemplo perfeito de como uma viagem para fora pode ser mais uma viagem do conhecimento do eu. Também a experiência com a cultura local, a humildade, o sorriso, a gratidão de um povo.
Mas eu não fiz nenhum retiro, e mesmo assim, aprendi a refletir, a meditar, a ouvir o meu “eu”. O Nepal é um excelente sítio para se refletir. Viajar no Nepal é como uma experiência extrassensorial, é ver as coisas de uma nova perspetiva, e isso pode ajudar-nos a encontrar um novo rumo. Talvez pelas enormes montanhas que nos rodeiam, pela tranquilidade dos seus lagos, pelos mantras que ecoam pelas cidades… ou simplesmente, pelo seu encanto e magnetismo natural.
Ultrapassar os Limites
Sendo um dos países onde se praticam mais desportos radicais, o Nepal é o destino perfeito para desafiarmos os nossos limites. Aliado a todos os pontos acima, um povo hospitaleiro, experiente, e uma natureza desafiante e propícia, é perfeito acima de tudo para o trekking e para o parapente.
Num trekking em altitude vais aprender a ultrapassar as barreiras da natureza, a rarefação do ar, as distâncias percorridas, uma nova conquista a cada ponto de chegada. Os sherpas e os carregadores estarão lá para te ajudar, e a cada checkpoint, nova informação e motivação para continuar.
No parapente, para quem nunca fez, poderes sobrevoar sítios incríveis como o lago Phewa, em Pokhara, planando como um pássaro, num momento em que o tempo para, e tudo o que importa, é absorver toda esta energia, todo este Nepal abaixo de nós. São experiências únicas!
A importância da Comunidade
Principalmente depois do terramoto, vi a importância e o valor do que é uma comunidade. Na altura, a comunidade que mais me tocou, foi a comunidade de expats, de viajantes e de voluntários, que se uniram, independentemente da língua, origem, etnia ou credo, e juntos ajudaram reerguer o Nepal. Foram as comunidades que se salvaram: as que sobreviveram socorreram, as novas organizaram-se, as que se perderam reintegraram-se. Essa comunidade foi essencial para hoje continuarmos a viajar pelo Nepal, com o comodismo de sempre.
A “comunidade” tem mais peso que o “eu”, e no geral temos muito a aprender com isso. Em muitas aldeias ainda se pratica a agricultura de comunidade e partilha, por exemplo. Aprendemos assim a valorizar a comunidade, o impacto da interajuda, solidariedade, do grupo, da união.
A arte de bem receber
Refletindo ainda nos pontos anteriores, o Nepalês é um excelente anfitrião. Dão-nos o que têm, seja muito ou pouco. Na tal família que só tem uma caneca para quatro pessoas, a caneca é primeiro servida ao convidado. As famílias, quando à noite se reúnem para fazer os chapatis para o jantar, servem o primeiro pedaço ao convidado. Nos alojamentos de montanha, nos Himalaias, a acomodação é básica, mas nunca falta o essencial: uma fatia de tarte de maçã acabada de fazer; um brandy de alperce; o conforto do estômago; o sorriso de boas vindas.
Em alguns alojamentos de montanha, ainda é gratuita a estadia, e apenas é cobrada a comida que, a muito custo, é carregada montanha acima, diariamente, em sacas às costas dos locais, para que os viajantes que desafiam as montanhas tenham o mantimento que necessitam para continuar, saudáveis, as suas caminhadas de montanha.
Menos é mais
Principalmente para quem vai fazer um trekking de mochila às costas, onde cada grama conta para um esforço extra, aprende-se a valorizar o que realmente é indispensável e a ganhar a consciência de que não precisamos de tudo e mais alguma coisa para algumas das tarefas mais básicas!
Se o desapego é um ensino, o Nepal é a nossa escola.
Dar valor às pequenas coisas
Mesmo quando estamos alojados em hotéis confortáveis, nos deslocamos em jeeps, usamos as melhores roupas de montanha, é impossível ficarmos indiferentes à simplicidade da cultura Nepalesa, e aprender a valorizar todas as pequenas coisas.
Imaginem, depois de um dia de trekking nos Himalaias, e somos recebidos por uma família com um sumo de maçã, quentinho, feito de propósito a pensar na tua chegada. As nossas pernas cansadas, o nariz frio das baixas temperaturas, as costas doridas - e eles cedem-nos a cadeira, servem-nos um sumo quente, e brindam-nos com um sorriso. Lá fora, o nascer e o pôr-do-sol, com as suas tonalidades quentes refletidas nos gélidos picos do mundo… Como são lindas, as pequenas coisas da vida!
A riqueza e a alegria não estão relacionadas
O ordenado mínimo no Nepal ronda os 700 dólares. Por ano. Sim, por ano! E num país que já passou por tantas dificuldades, que ainda ajusta contas com catástrofes da natureza, o turismo é uma bênção. Cada viajante que chega ao Nepal, contribui diretamente para a sua economia, posses económicas. Mas num povo que é maioritariamente pobre financeiramente, a abundância da sua riqueza surge sobre a forma da alegria de viver, alegria de partilhar, alegria de nos conhecer, alegria de nos poder ajudar. O índice de felicidade pode ser inversamente proporcional ao seu poder económico, mas é aqui que nós aprendemos mais sobre como viver uma vida plena e feliz, independente das responsabilidades e ambições económicas.
A forma como encaras tua vida
Uma viagem ao Nepal é uma experiência que nos transforma, mesmo sem pedirmos. Com uma honestidade brutal, transforma-nos através da viagem e da experiência, do convívio com a cultura, da comunhão com a natureza. Aqui aprendes sobre Humanidade, sobre Natureza, sobre Religião, e sobre Sociedade, mas o maior conhecimento e revelação que por fim trazemos, é a nossa viagem interior, única e brutal. O (re)encontro com o nosso “eu”.
E daqui partimos deste destino que não conheciamos, que nos recebeu como se tivessemos voltado a casa, e que deixamos com a promessa de que, um dia, iremos regressar.
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