Da pequena fortaleza no Pico Castelo, com o Ilhéu de Cima à vista, imagino histórias passadas de ataques de piratas e corsários. Para este ponto íngreme, assim como para outros como a vereda do Pico Branco e a Terra Chã ou o Pico do Facho, tantas vezes a população terá fugido atemorizada sempre que os terrores do mar saqueavam violentamente a ilha.
Ainda que as gentes tentassem a partir do Pico do Facho, o ponto mais alto do Porto Santo, estar à alerta de possíveis ataques, sendo a sinalização feita de dia através de feixes de ramos e de noite através de fachos a arder e fogueiras, a verdade é que os recursos militares sempre foram escassos, sendo apenas construído o primeiro verdadeiro bastião da ilha, o Forte de São José, já no século XVIII, juntando-se, depois, as posições defensivas no Pico Castelo.
Tempos impiedosos que nos fazem, inevitavelmente, recuar até agosto de 1617, período em que terá ocorrido o assalto mais cruel de sempre, perpetrado por uma frota de oito embarcações de corsários argelinos. Para o Norte de África terão sido levados quase todos os seus (1000) habitantes, restando na ilha apenas 18 homens e 7 mulheres que escaparam à morte ou ao cativeiro, em grutas nos montes e em matamorras, silos de cereais escavados no pavimento de algumas casas. Facto verídico que serviu de inspiração ao livro Ronda Filipina de César Magarreiro, uma narrativa histórica que explora, além da pilhagem, as intenções destes corsários em escravizar homens válidos e jovens, mulheres em idade núbil e fértil, bem como crianças, mas também de pedir por elas avultados resgates aos ocupantes do Reino Português, no tempo Filipe II de Portugal, Filipe III de Espanha.
Não bastava o isolamento tornar a ilha num alvo apetecido para saques, a sua aridez teimava em provocar cíclicas secas, com a consequente escassez na produção de cereais, entregando a população à fome e à pobreza. Adversidades que chegaram a pôr em causa a colonização, desígnio contrariado pelas autoridades régias que consideraram Porto Santo um ponto estratégico, que jamais poderia ser tomado pelos muçulmanos. A história da ilha dourada fez-se, assim, por tentativa e erro, experimentando culturas e plantações e domando vagarosamente a paisagem, sendo que as comodidades modernas ali demoraram a chegar!
Encantados pela beleza da orografia insular, ainda passeamos pelas belas colinas da Serra de Dentro e da Serra de Fora, planeando terminar o dia na Capela da Nossa Senhora da Graça, datada do século XVI, na qual se celebra uma das maiores festividades da ilha, a 15 de agosto. Destruída no ano de 1812, foi reconstruída em 1951 e está intimamente ligada à colonização, tendo ali se escondido muitos dos habitantes, a fim de escapar à perseguição dos piratas. Mas antes, perdemos a noção de espaço e tempo na Portela, um dos melhores mirantes da ilha, permitindo uma agradável viagem numa avenida rodeada de palmeiras e de três pequenos sobreviventes moinhos de vento, antigamente utilizados para moer cereais e fornecer farinha para os navios que partiam para a América. Ainda deste local avista-se em baixo: a oeste, a praia, e a leste, o Pico da Ana Ferreira.
No Miradouro da Portela simplesmente ficamos, ficamos e ficamos, ou não fosse aquela panorâmica para a ilha e para o azul infinito, absolutamente inefável… Ainda que houvesse vontade de registar em palavras algo de bonito e etéreo sobre aquele sítio, deixei que a refrescante brisa que me tocava escrevesse todos os versos que encerrariam estas memórias de verão, encadernadas numa longa e cálida extensão de areia, e ilustradas em águas turquesa e espuma salgada!
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