Enquanto as ondas que Garret McNamara mostrou ao mundo rebentam nas praias da Nazaré, no extenso areal descansa uma das mais antigas e emblemáticas tradições do país: a seca do peixe. Vários tipos de peixe repousam abertos nas estruturas criadas para o efeito - estindartes - sofrendo a ação do sol. A zona de secagem está toda coberta por rede, para que o peixe fique a salvo dos ataques das gaivotas.
Historicamente, a prática de secagem do peixe surgiu como uma forma de conservação, em que as mulheres da Nazaré secavam o peixe que não vendiam durante o dia, para o conservar e voltar a colocar à venda nos dias seguintes. A seca do peixe era feita na areia, sobre uma "cama" de palha, o que exigia que o peixe fosse virado para que secasse de ambos os lados. Após a invenção do "estindarte", o processo tornou-se mais simples já que permite a circulação de ar que faz com que o peixe seque dos dois lados simultaneamente.
Francelina acordou às 4 horas da manhã para estender o peixe. É um trabalho duro de várias horas que exige que o peixe seja amanhado e colocado em água e sal durante 15 minutos, antes de ser estendido ao sol. Habituada a receber visitantes de todo o mundo, não se acanha e vai explicando o processo e mostrando o peixe que está a secar. Diz-nos que as espécies mais usadas para a secagem são o carapau, os batuques, a sardinha e o polvo e explica-nos a diferença entre o peixe seco e o peixe enjoado: o primeiro fica cerca de três dias a secar, enquanto o segundo apenas um dia ou algumas horas.
Vestida toda de negro mas com um sorriso luminoso, Manuela Falacho está feliz por nos ver. Hoje, Manuela acordou mais tarde.
"Hoje só vim às 10 horas. Não tinha peixe para estender, vim só para vender", diz alegre, como se o dia fosse melhor por ter começado mais tarde. Manuela tem 87 anos, seca e vende peixe desde os 7. Manuela trabalha de sol a sol há 80 anos, mas hoje só veio às 10 horas - como se fosse pouco.
A seca do peixe é um saber feminino que ainda se mantém vivo, passando de mães para filhas ao longo dos anos. Esta tradição ancestral é agora preservada pela Câmara Municipal da Nazaré, através do Museu (vivo) do Peixe Seco, que inclui toda a zona de secagem do peixe e a Antiga Lota - que funcionou entre 1958 e 1987 - requalificada como Centro Cultural da Nazaré.
A Lota da Nazaré foi a primeira lota do país onde o peixe começou a ser vendido ao quilo e não à unidade e era um espaço amplamente dominado pelas nazarenas. Na visita ao centro é possível ver imagens de outros tempos, de quando o peixe era vendido em leilão e os compradores gritava "chui" para indicar a compra do peixe. Grande parte da arquitetura da lota, como a bancada, foi mantida e é possível ter a percepção perfeita do movimento que se vivia na lota noutros tempos.
O que antigamente era uma prática necessária à sobrevivência e assegurava o sustento das famílias, hoje é também um espaço turístico, um processo amplamente fotografado e um alimento que chega às mesas de restaurantes gourmet de todo o país e além fronteiras. O que não mudou foi a força, a resiliência e, acima de tudo, a simpatia das mulheres da Nazaré que não se deixam abalar por nada e continuam a trabalhar de sol a sol para não deixar morrer esta tradição secular, tão identitária da região.
Publicado originalmente a 13 de agosto de 2020.
Comentários