Reportagem Ana Cristina Gomes (texto), André Sá (vídeo) e Estela Silva (fotos)
"A Espanha cerca-nos aqui por trás daquela montanha até Chaves. Convivemos muito com os espanhóis. E quando foi da guerra da Espanha, havia muitos espanhóis a viver aqui. Falamos o galego da Galiza, não é o verdadeiro espanhol. Por exemplo, vou-lhe dizer: ‘Tenho uma tchavi’. Sabe o que é? É uma chavi. Uma chave, de uma porta”, explicou à Lusa Agostinho Esteves, de 79 anos, residente na freguesia mais distante da vila de Monção (mais de 20 quilómetros e de 30 minutos), no distrito de Viana do Castelo.
Alda Barreiros, que com a amiga Maria Alves escreveu o livro "Os de Lá de Riba" (Os de Lá de Cima), uma edição da autarquia de Monção, explica que quem saiu da aldeia “fala o português padrão” mas, quando volta à montanha, usa o ribamourês, com orgulho, para “valorizar” o que é único e por ser “o que as pessoas mais velhas sabem falar”.
“No dia a dia, quem saiu fala o português padrão. Quando voltamos, falamos este linguajar e fazemos questão. Associava-se a falta de cultura, a um atraso, mas hoje, até com o livro, perdeu-se essa vergonha. Passámos a gostar mais de nós, da maneira como falamos. Fazemos questão de o mostrar e isso faz com que outras pessoas também valorizem o que temos. Primeiro temos nós de valorizar e foi isso que tentámos fazer com este livro”, descreve a professora, que cresceu e ainda tem família na freguesia.
Com uma área próxima de 1.400 hectares e uma população de 802 habitantes (Censos 2021), Riba de Mouro é uma aldeia desertificada, de muitas subidas e descidas, ruas estreitas, sorrisos e gargalhadas, ainda de mulheres vestidas de preto da cabeça aos pés e vidas ligadas à agricultura e à criação de animais.
Em Cavenca, um lugar com cerca de “40 pessoas, se forem”, Maria Fernanda Afonso, de 61 anos, cruza-se com a reportagem da Lusa quando vai levar erva à corte onde estão a vaca e a cria que nasceu há oito dias e há de ser vendida lá para os cinco/seis meses.
Espreitar a recém-nascida deixou Maria Alves a suspirar com o “cheirinho a leite” e foi o mote para uma conversa difícil de acompanhar sobre “leite tenreiro” ou “côscaro” (o primeiro leite de uma vaca parida), que “não ferve nem dá para beber”, mas se mistura com “farinha milha” para – dizem – umas deliciosas filhoses.
Aos 54 anos, Emília Esteves trabalha “na agricultura e nas tarefas de casa”, tem o marido e o filho emigrados, trata de “duas vaquinhas, duas cabrinhas e galinhas, patos, horta e um campo de milho”, mas também passeia pela internet e pela rede social Facebook, desde “há uns três anos”, apesar de a freguesia não ter a cobertura de rede, mesmo para as ligações por telemóvel.
Diz que fala “uma mistura” do galego e que, para onde vai, fala “sempre assim”, embora algumas palavras ou expressões as pessoas de fora “não compreendam”.
“Às vezes, quando está a chover, dizemos ‘Agora vai vir um albeselhinho’. É quando está chuva e depois vem um bocadinho de sol. Uma aberta. Também dizemos ‘Dar um tiro c’unha atcha. É fazer uma coisa num instante, fazer rápido”, esclarece.
Alda Barreiros esclarece que se trata de “remediar uma situação ou arranjar uma alternativa quando a ocasião o exige”, o equivalente a "Quem não tem cão, caça com gato”.
A professora refere que o ribamourês “tem origem no galaico-português e muitas semelhanças em termos de vocabulário, de sintaxe, em termos morfológicos e de fonética”.
Maria Alves, contabilista, recorda que, quando os jovens de Riba de Mouro iam estudar para Monção eram “gozados” e tinham “vergonha de usar certas expressões” que utilizavam com a família.
Agora, desde que a oralidade ancestral da aldeia começou a ser passada para a escrita, no livro mas também na página Lá de Riba, no Facebook, “cada vez mais pessoas usam palavras ou expressões” do dialeto.
“Amigos ou colegas foram apreendendo e até já utilizam”, explica Maria.
O livro "Os de Lá de Riba – Os saberes e o linguajar de um povo", teve uma segunda edição de 500 exemplares em novembro de 2023 e inclui um código QR “dinâmico”, já que através dele se pode atualizar o glossário.
“Isto nasceu como brincadeira, não como um projeto, há cerca de 10 anos. Resolvemos recolher informação sobre algumas características da freguesia que, por ser isolada, mantém ainda alguns costumes ancestrais, e registar por escrito o linguajar, para que não se perca”, descreve Alda Barreiros.
A publicação fala sobre os “bailaricos de Demingo à tarde” ou dos “proparativos para a boda”, quando era tudo “mais simples: marcava-se o dia, ia-se comer e pronto”.
Também estão ali reunidas as mezinhas que curavam quase tudo. Como a de Erguer o Ventre: “Quando uma criança estava mal mas não se sabia do quê, levava-se a uma senhora, que tinha de ser mãe de gémeos, fazia uma reza e ficava bom”, exemplifica Maria Alves.
“Lubar [levar] o canalho ao moinho” era outra das experiências, usada para que “a criança fosse educada e não se portasse mal”.
No glossário do livro, traduzem-se expressões do ribamourês ao longo de 14 páginas. Explica-se, por exemplo, que “Xoxegar a nádiga” é estar quieto, que “Ter os pês cm’on rijôn” é ter os pés quentes, que um “comitchojo” é uma pessoa com mau feitio ou de má vontade e “Beiçôn” é obrigada.
Os lucros relativos à venda do livro revertem totalmente a favor da Associação Social e Cultural Lá de Riba e a edição é da autarquia de Monção, que recentemente incluiu o dialeto na campanha turística lançada sobre a freguesia.
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